Livro: Ha-Joon Chang - Economia: Modo de Usar - Capítulo 8

                                                        

Livro: Ha-Joon Chang - Economia: Modo de Usar



Pgs. 223-251


"CAPÍTULO 8: "Problemas no Banco Fiduciário Fidelity"


176 - Começa falando dos casos de corrida aos bancos. Por vezes, basta crerem numa profecia autorrealizável. Se houver base real então... Vimos exemplos disso na esteira da crise financeira global de 2008. Os clientes faziam fila na frente das agências do banco Northern Rock no Reino Unido, enquanto os depositantes on-line no Reino Unido e na Holanda congestionavam o site do Icesave, o braço na internet do banco islandês Landsbanki, que estava quebrando


177 - A capacidade dos bancos de criar dinheiro novo (isto é, o crédito) é comprada exatamente à custa da instabilidade — ou seja, o risco de haver corridas aos bancos. Mas há outra dificuldade: uma vez que haja uma corrida a alguns bancos, isso pode contagiar todos os bancos


178 - O banco central - emprestador de última instância - pode ajudar em casos de "crise de liquidez": Nessa situação, o banco em apuros possui ativos (empréstimos que fez, títulos e outros ativos financeiros que comprou etc.), cujos valores são superiores ao seu passivo (depósitos, títulos que emitiu, empréstimos de outros bancos etc.), mas não pode vender de imediato esses ativos e cumprir todas as obrigações a vencer. É meio que um descasamento de maturidades. Já a "crise de solvência" (passivos maiores que ativos) é que "não tem como". Só injetando capital novo mesmo.


179 - Lembra que os seguros de depósitos até determinado valor evita boa parte do pânico bancário. É outro já velho recurso usado pelos governos. Cita, ainda, a regulação prudencial. Limites aos empréstimos bancários.


180 - Emissões: Os bancos de investimento são assim chamados porque ajudam as empresas a captar dinheiro dos investidores — pelo menos, era esse seu propósito original. Eles organizam a emissão de ações e títulos corporativos para suas empresas-clientes e vendem esses papéis em seu nome.


181 - Fundos de "private equity": ...ou investimento em participações, que são como fundos multimercados, mas ganham dinheiro da compra de empresas, sua reestruturação e venda posterior com lucro.


182 - ...Além de vender ações e títulos para as empresas suas clientes, os bancos de investimento compram e vendem ações e títulos com seu próprio dinheiro, na esperança de lucrar no processo. Isso é conhecido como proprietary trading, isto é, operações com recursos próprios, ou investimentos do próprio banco.


183 - Produtos de dívida securitizada: Se você está lidando com um empréstimo individual, não vai conseguir resgatá-lo se aquele tomador de empréstimo específico ficar inadimplente. Dado esse risco, esses empréstimos não podem ser facilmente vendidos para outro. Entretanto, se você cria um desses títulos agrupando, por exemplo, milhares de empréstimos hipotecários para a compra de uma casa própria — o chamado Título Lastreado por Hipotecas Residenciais, ou Título Garantido por Créditos Hipotecários (Residential Mortgage Backed Securities, ou RMBS) —, você pode ter certeza de que, na média, os devedores pagarão os empréstimos, mesmo que em caráter individual eles tenham um risco relativamente alto de não pagar (conhecidos nos Estados Unidos como mutuários subprime, ou de alto risco). Em termos técnicos, esses produtos diluem o risco entre um grande número de mutuários, assim como fazem os produtos com os segurados.


184 - ...Até o surgimento desses títulos, os papéis ou instrumentos de dívida só podiam ser emitidos pelos governos e por empresas de grande porte. Agora qualquer coisa, até mesmo um simples empréstimo estudantil, pode estar por trás de um título.


185 - ...Mais recentemente, esses produtos financeiros se tornaram ainda mais complexos, já que os títulos lastreados em ativos se tornaram “estruturados” e foram transformados em Obrigações de Dívida Colateralizada (Collateralized Debt Obligations, ou CDOs). A “estruturação”, nesse contexto, envolve combinar diversos ABSs, como os RMBSs (lastreados em hipotecas residenciais), a outro título composto, tal como a CDO, e dividir o novo título em várias parcelas com riscos diferenciados. A parcela mais “sênior” se tornaria mais segura, por exemplo, pela garantia de que seus donos serão os últimos a suportar as perdas (ou seja, apenas depois de os donos de todas as outras parcelas “júnior” terem absorvido suas perdas), caso ocorra um prejuízo. Dessa forma, um produto financeiro muito seguro poderia ser criado a partir de um conjunto de ativos relativamente inseguros — ou, pelo menos, assim dizia a teoria. (...) As coisas foram ficando mais complicadas com o tempo. Foram criadas CDOs ao quadrado, reunindo fatias de CDOs e estruturando-as tal como descrito acima. E depois foram criadas CDOs ao cubo, criando-se um produto de dívida estruturada a partir de parcelas das CDOs ao quadrado. Foram criadas CDOs ainda mais poderosas.


186 - ...As parcelas “sênior” das CDOs com frequência recebiam classificação de crédito AAA, tradicionalmente reservada para os ativos financeiros mais seguros, tais como os títulos do governo de um grupo de países ricos e uma minoria de empresas superseguras. Tendo recebido a classificação AAA, esses ativos podiam ser vendidos para fundos de pensão, companhias de seguros e fundações filantrópicas, entidades que são obrigadas a certo conservadorismo em seu portfólio de ativos. Os bancos comerciais também compraram esses papéis em grandes quantidades. CDOs com classificação AAA, de venda fácil, ajudaram os bancos a cumprir as normas de liquidez acima mencionadas, e ao mesmo tempo a receber juros mais altos que os proporcionados por ativos com classificação AAA tradicionais (que dão menor retorno em troca da segurança que oferecem). Os mercados para produtos de dívida estruturada explodiram.


187 - ...Os derivativos são assim chamados porque não têm nenhum valor intrínseco próprio e “derivam” seus valores de coisas ou acontecimentos externos, da mesma forma como alguém na Inglaterra pode derivar valor de uma luta de boxe em Las Vegas fazendo uma aposta. Chang explica que antigamente eram poucos os derivativos. Tinham os contratos a termo na agricultura, por exemplo. (...) ter um contrato a termo para o arroz é como fazer uma aposta no preço futuro do arroz.


188 - Entram as "bolsas" na história: ...No caso de um contrato a termo, ele é rebatizado quando padronizado — são os chamados contratos de futuros. Um contrato de futuros do petróleo pode especificar que vou comprar, de quem quer que esteja de posse desse contrato, por exemplo daqui a um ano, mil barris de um determinado tipo de petróleo (Brent Crude, West Texas Intermediate etc.), a cem dólares o barril.


189 - ...Mero hedge então? Essa função de hedging, ou de proteção, não é, porém, a única função dos derivativos — ou, nos dias atuais, nem sequer a principal. Eles também permitem às pessoas especular (isto é, apostar) o movimento dos preços do petróleo. Em outras palavras, alguém que não tenha nenhum interesse inerente no preço do petróleo em si, seja como consumidor ou como refinaria de petróleo, pode fazer uma aposta na variação do preço.


190 - Calls: As opções se tornaram mais conhecidas através das opções de compra de ações — isto é, o direito de comprar certo número de ações a um preço preestabelecido numa data futura — oferecidas a administradores de alto escalão (e, por vezes, a outros funcionários) para incentivá-los a gerir as empresas de forma que a cotação das ações suba.


191 - Os swaps são de vários tipos (cambiais; de ações; de commodities; de crédito...). Enquanto um contrato a termo é como uma aposta em um único evento futuro, um swap é como uma aposta em uma série de eventos; como se fosse um agrupamento de diversos contratos a termo. Por exemplo, ele permite substituir uma série de pagamentos ou ganhos futuros variáveis por pagamentos ou ganhos fixos, tal como os contratos para telefone celular ou contas de eletricidade a preço fixo durante determinado período de tempo, de acordo com a instrutiva analogia de Scott


191 - Entre 1980 e 2007, a proporção entre o estoque total de ativos financeiros e a produção mundial aumentou de 1,2 para 4,4, segundo cálculos feitos por Gabriel Palma. (...) O tamanho relativo do setor financeiro chegou a ser ainda maior em muitos países ricos, em especial, mas não só, nos Estados Unidos e no Reino Unido. Segundo Palma, a proporção entre os ativos financeiros e o PIB no Reino Unido chegou a 700% em 2007.


192 - ...Estranho que, nesse assunto, apresenta alguns números bem diferentes dos de Piketty (devem ser critérios diferentes de mensuração? Quais?): ...James Crotty, usando dados do governo americano, calculou que a proporção de ativos financeiros em relação ao PIB nos Estados Unidos oscilou entre 400% e 500% no período entre os anos 1950 e 1970, mas começou a subir desde o início dos anos 1980, após a desregulamentação financeira. A proporção rompeu a marca dos 900% no início dos anos 2000.


193 - Havia a utopia de que o sistema financeiro sem regulamentação seria inclusive mais seguro: Acreditava-se que uma maior liberdade de contrato iria maximizar as probabilidades de que os agentes financeiros do mercado pudessem criar maneiras inovadoras de avaliar o risco e calcular o preço de ativos de forma mais eficiente, aumentando assim a estabilidade do sistema


194 - ...A ideia era de que os agentes sofisticados saberiam o que estavam "assinando" ao comprar um contrato. Um desses “sofisticados” — um certo Joe Cassano, que era então o diretor financeiro da AIG, seguradora americana socorrida pelo governo dos Estados Unidos em 2008 — disse apenas seis meses antes do colapso da empresa: “É difícil para nós, sem querer ser leviano, sequer imaginar um cenário em qualquer plano da razão que nos levasse a perder um só dólar em alguma dessas transações [de CDS]”.


195 - Lembra que as grandes autoridades e expert passaram 2005 e 2006 dizendo aos políticos. no auge da bolha, que não havia bolha. Greenspan, Bernanke etc.


196 - Isso ocorreu devido ao grande aumento da complexidade do sistema financeiro. E não estamos falando apenas de ficar um pouquinho mais complicado. Andy Haldane, diretor-executivo de estabilidade financeira do Banco da Inglaterra, notou certa vez que, para entender totalmente uma CDO — um dos mais complexos, mas não o mais complexo dos novos produtos financeiros —, um potencial investidor precisa absorver mais de 1 bilhão de páginas de informações. Eu também já deparei com gerentes de banco que confessaram que recebiam com frequência contratos de derivativos com centenas de páginas que eles naturalmente não tinham tempo de ler. Foram desenvolvidos modelos matemáticos complexos para lidar com essa sobrecarga de informações; mas, no final, os acontecimentos provaram que esses modelos eram, na melhor das hipóteses, inadequados e, na pior, causa de uma falsa sensação de controle. De acordo com esses modelos, as chances de que os fatos de 2008 pudessem realmente acontecer eram equivalentes a ganhar na loteria 21 ou 22 vezes seguidas


197 - ...Com a proliferação de tantos instrumentos financeiros que ofereciam rendimentos rápidos e elevados, os acionistas ficaram ainda mais impacientes nas últimas duas décadas. Por exemplo, no Reino Unido o período médio de detenção de ações, que já havia caído de cinco anos em meados dos anos 1960 para dois anos na década de 1980, despencou para cerca de sete meses e meio no final de 2007. (...) O período médio para permanência com ações de bancos caiu de três anos em 1998 para cerca de três meses em 2008.


198 - ...Isso resultou na formação de uma “aliança funesta” entre os gestores profissionais das empresas e o grupo crescente de acionistas de curto prazo, sob a palavra de ordem de “maximizar o valor para o acionista”. Salários astronômicos, dividendos e recompra de ações deixavam todos felizes. Tais práticas deixaram pouquíssimos recursos para as empresas investirem em coisas como máquinas, P&D e treinamento, reduzindo sua produtividade a longo prazo e, portanto, sua competitividade


199 - Financeiração de empresas "não-financeiras": ...Nos últimos vinte anos algumas delas expandiram com agressividade seus braços financeiros — por exemplo, a GE Capital, da General Electric, a GMAC, da GM, e a Ford Finance, da Ford. Algumas se tornaram tão importantes que, em meados de 2013, o Conselho de Supervisão da Estabilidade Financeira do governo americano designou a maior delas, a GE Capital, como uma das “instituições financeiras sistematicamente importantes” (SIFIs) — um status em geral reservado apenas para os maiores bancos. Os ativos financeiros em muitas empresas "não" chegam a metade do total de ativos (financeiros e não-financeiros): (...) Em 2003, 45% do lucro da GE veio da GE Capital. Em 2004, 80% dos lucros da GM vieram do seu braço financeiro, a GMAC, enquanto na Ford a totalidade dos lucros veio da Ford Finance entre 2001 e 2003


200 - De acordo com um estudo publicado em 2005, nos Estados Unidos, entre meados dos anos 1960 e o final dos anos 1970, a taxa de lucro das empresas financeiras era mais baixa do que a das empresas não financeiras. Mas, depois da desregulamentação do início dos anos 1980, a taxa de lucro das empresas financeiras (em um viés crescente, de 4% para 12%) se tornou significativamente maior do que a das empresas não financeiras (2% a 5%) até o início dos anos 2000 (os dados do estudo vão até esse ponto). Na França, a taxa de lucro de corporações financeiras foi negativa entre o início dos anos 1970 e meados dos anos 1980 (não há dados disponíveis para os anos 1960). Com a desregulamentação financeira do final dos anos 1980, ela começou a subir e ultrapassou a das empresas não financeiras no início dos anos 1990, quando ambas ficavam em torno de 5%, e subiu para mais de 10% em 2001. Em contraste, a taxa de lucro das empresas francesas não financeiras caiu do início dos anos 1990, para ficar em torno de 3% em 2001.


201 - Outro detalhe é que essa hipertrofia financeira sugou mão-de-obra qualificada: ...Isso lhe permitiu oferecer salários e bônus muito mais elevados do que os oferecidos por outros setores, atraindo os profissionais mais brilhantes, seja qual for a disciplina que estudaram na universidade. Infelizmente, isso leva a uma má alocação dos talentos, pois pessoas que seriam muito mais produtivas em outras profissões — como engenharia, química e assim por diante — se ocupam em negociar derivativos ou construir modelos matemáticos para definir seus preços.


202 - Lembra que crises financeiras localizadas passaram a ser bem mais comuns após a desregulamentação financeira. Cita, por exemplo, o Chile de Pinochet em 1982. E também a crise de 1980 dos Savings & Loan dos EUA. O governo dos Estados Unidos precisou fechar quase um quarto das S&Ls e injetar dinheiro público equivalente a 3% do PIB para arrumar a bagunça. (...) A década de 1990 começou com crises bancárias na Suécia, Finlândia e Noruega, consequência da desregulamentação financeira nesses países no final dos anos 1980. Em seguida, houve a crise “Tequila” no México, em 1994 e 1995. Essa foi seguida em 1997 por crises nas economias do “milagre” asiático, Tailândia, Indonésia, Malásia e Coreia do Sul. (...) Na esteira da crise asiática veio a crise da Rússia de 1998. Seguiu-se a crise brasileira de 1999 e a argentina de 2002, ambas causadas, em grande parte, pela desregulamentação financeira.


203 - Curto-prazismo? Entre 2001 e 2010, as maiores empresas americanas distribuíram 94% de seu lucro; no Reino Unido, as maiores empresas distribuíram 89% do lucro. 


204 - ...Ao contrário do que muita gente pensa, não é a emissão de novas ações nem os empréstimos bancários a principal fonte de financiamento para investimentos, mas a retenção dos lucros (isto é, os lucros não distribuídos aos acionistas). Diante disso, a impressionante queda nos lucros retidos — de 55% a 65% para apenas 6% no caso das empresas americanas — significou uma enorme redução na capacidade das empresas de fazer investimentos orientados para o longo prazo.


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