Livro: Celso Furtado - Formação Econômica do Brasil (2003) - Capítulos 24 e 25
Livro: Celso Furtado - Formação Econômica do Brasil (2003)
Pgs. 183-190
"CAPÍTULO 24: "O PROBLEMA DA MÃO DE OBRA"
161 - Sobre a naturalização da escravidão, anota: Mesmo os espíritos mais lúcidos e fundamentalmente antiescravistas, como Mauá, jamais chegaram a compreender a natureza real do problema e se enchiam de susto diante da proximidade dessa "hecatombe" inevitável.
162 - A transição entre trabalho escravizado e "livre" dependerá das condições de cada país. Abundância de terra livre e etc. Em algumas ilhas das Antilhas inglesas, em que as terras já haviam sido totalmente ocupadas e os ex-escravos não dispunham de nenhuma possibilidade de emigrar, a abolição da escravatura assumiu esse aspecto de mudança formal, passando o escravo liberado a receber um salário monetário que estava fixado pelo nível de subsistência prevalecente, o qual por sua vez refletia as condições de vida dos antigos escravos. Em Antígua, os escravistas ganharam até indenização dos ingleses enquanto colocavam o ex-escravizados para trabalharem mais ainda (horas) a fim de poder receber um salário de subsistência! Meio que cartelizaram a parada.
163 - Na região nordestina as terras de utilização agrícola mais fácil já estavam ocupadas praticamente em sua totalidade, à época da abolição. Os escravos liberados que abandonaram os engenhos encontraram grandes dificuldades para sobreviver. Nas regiões urbanas pesava já um excedente de população que desde o começo do século constituía um problema social. Meio que não houve redistribuição de renda. Salários baixíssimos.
164 - ...No Sudeste, o cenário foi diferente: A relativa abundância de terras tornava possível ao antigo escravo refugiar-se na economia de subsistência. A dispersão entretanto foi menor do que se poderia esperar, talvez por motivos de caráter social e não especificamente econômicos. (...) A situação favorável, do ponto de vista das oportunidades de trabalho, que existia na região cafeeira valeu aos antigos escravos liberados salários relativamente elevados. Com efeito, tudo indica que na região do café a abolição provocou efetivamente uma redistribuição da renda em favor da mão de obra. Coloca que muitos ex-escravizados aproveitaram pra "comprar ócio" trabalhando dias a menos na nova situação. A ideia de acumular riqueza não estava incutida.
165 - Por toda a primeira metade do século XX, a grande massa dos descendentes da antiga população escrava continuará vivendo dentro de seu limitado sistema de "necessidades", cabendo-lhe um papel puramente passivo nas transformações econômicas do país.
166 - O açúcar de Cuba batendo o do Brasil: O tratado de reciprocidade, firmado entre Cuba e os EUA, depois da independência da ilha, concedeu ao açúcar cubano uma redução de 20 por cento na tarifa americana. Esse privilégio, vindo-se somar aos custos reduzidos do transporte e às facilidades criadas pela grande afluência de capital norte-americano, tornou possível o surto excepcional da produção cubana no primeiro quartel do século XX.
Pgs. 191-200
"CAPÍTULO 25: "NÍVEL DE RENDA E RITMO DE CRESCIMENTO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX"
167 - Dom Pedro II pelo visto tinha as sortes de Lula/Dilma I: ...depreende-se que o quantum das exportações brasileiras aumentou 214 por cento. Esse aumento do volume físico da exportação foi acompanhado de uma elevação nos preços médios dos produtos exportados de aproximadamente 46 por cento. Por outro lado, observa-se uma redução de cerca de 8 por cento no índice de preços dos produtos importados, sendo, portanto, de 58 por cento a melhora na relação de preços do intercâmbio externo. Um aumento de 214 por cento do quantum das exportações, acompanhado de uma melhora de 58 por cento na relação de preços do intercâmbio, significa um incremento de 396 por cento na renda real gerada pelo setor exportador. O Nordeste não participou muito dessa bonança: Por outro lado, não obstante o índice de preços das exportações haja aumentado 46 por cento, os preços do algodão se elevaram apenas 32 por cento e os do açúcar declinaram 11 por cento. (...) A situação dos couros, que também aparecem na exportação nordestina, não foi mais favorável, pois a quantidade exportada aumentou 48 por cento e os preços baixaram 3 por cento.
168 - Coloca que só o cacau que "brilhou" no período, para alegria do Sul da Bahia. Nordeste sem a Bahia era um terço da população do Brasil e, com ela, quase a metade. A população vinha crescendo - ainda que modestamente - mais que a renda gerada pelas exportações. Furtado estima declínio, no período, da renda per capita nordestina, mas afirma que não dá pra quantificar.
169 - O Sul: O segundo sistema estava formado pela economia principalmente de subsistência, que se beneficiou indiretamente com a expansão das exportações. Encontrando um mercado dentro do país capaz de absorver seus excedentes de produção, alguns setores da economia de subsistência puderam expandir a faixa monetária de suas atividades produtivas. Na região paranaense, por exemplo, a grande expansão da produção de erva-mate para exportação trouxe um duplo benefício à economia de subsistência, em grande parte constituída de populações transplantadas da Europa no quadro de planos nacionais e provinciais da imigração subsidiada. Os colonos que se encontravam mais no interior puderam dividir seu tempo entre a agricultura de subsistência e a extração de folhas de erva-mate, aumentando substancialmente sua renda. Os colonos mais próximos do litoral se beneficiaram da expansão do mercado urbano, expansão essa que tinha seu impulso primário no desenvolvimento das exportações. No RS, fortalecia-se a produção e venda de charque pelo Brasil.
170 - ...Entre os censos de 1872 e 1900, a população dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso aumenta 127 por cento, isto é, a uma taxa anual de 3 por cento, enquanto a dos oito estados nordestinos referidos cresce com a taxa de 1,2 por cento. No Sul, cresceu a renda per capita. Já a "economia do café" era forte mesmo no Sudeste. A população desses quatro estados, considerados conjuntamente, aumentou com uma taxa de 2,2 por cento, entre 1872 e 1900. Essa taxa, se bem que muito superior à do Nordeste (1,2 por cento) e à da Bahia (1,5 por cento), é inferior à da Amazônia (2,6 por cento) e à da região sul (3,0 por cento). Porém, coloca que SP e ES cresceram a 3,6%. RJ e MG, produtores antigos, é que tiveram lento crescimento.
171 - (O café, que foi introduzido no Brasil no começo do século XVIII, se produz praticamente em todo o território do país, com exceção do extremo sul. Os estados do Norte e do Nordeste exportaram durante muito tempo pequenas quantidades desse produto. Em fins do século XVIII o consumo local já absorvia em sua quase totalidade as colheitas dos estados pequenos produtores.)
172 - ...Esses dados põem em evidência que o desenvolvimento da região cafeeira se realizou, durante essa etapa, com transferência de mão de obra das regiões de mais baixa produtividade — e certamente do setor de subsistência dessa região — para outras de mais alta produtividade. Ou seja, um processo inverso ao ocorrido no Nordeste durante a mesma época.
173 - ...Como a quantidade de café exportado aumentou 341 por cento e os preços do produto 91 por cento, entre os anos quarenta e o último decênio do século, deduz-se que a renda real gerada pelas exportações desse artigo teria crescido com a taxa anual de 4,5 por — cento. Dado o crescimento da população, a taxa de aumento anual da renda real per capita seria de 2,3 por cento.
174 - E a bonança do cacau e certa recuperação do "fumo"? Do ponto de vista nacional, não era uma porcentagem exportada muito significativa a soma de ambos. E para o Estado? Tudo indica ... que também na Bahia o desenvolvimento foi entorpecido pela ação profunda de fatores similares aos que atuaram no Nordeste. A melhora da situação de algumas regiões terá ocorrido simultaneamente com o empobrecimento de outras. A produção açucareira para exportação já desaparecera completamente, por essa época, e a expansão da pecuária de subsistência se realizava em terras cada vez mais pobres. Explica-se assim que, não obstante o fluxo imigratório que conheceu a região cacaueira já em fins do século — principalmente de emigrantes nordestinos —, a população do estado haja crescido com a taxa reduzida de 1,5 por cento, entre 1872 e 1900. Sem embargo, o fato mesmo de que essa taxa seja superior à que se observa no Nordeste constitui uma indicação de que sua renda real evoluiu menos desfavoravelmente.
175 - Fez contas ponderando o peso de cada região e estimou o crescimento geral da segunda metade do Século XIX (acho que não bate muito com as fontes mais atuais): ...Dessas suposições se deriva que, no meio século referido, a renda real do Brasil se teria multiplicado por 5,4134 o que representa uma taxa de crescimento anual de 3,5 por cento e de crescimento per capita de 1,5 por cento. (Teria sido otimista a estimativa? Comemorou que não foi tão diferente assim da dos EUA e europeus. No período).
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