Livro: Celso Furtado - Formação Econômica do Brasil (2003) - Capítulos 12 a 14
Livro: Celso Furtado - Formação Econômica do Brasil (2003)
Pgs. 97-102
"CAPÍTULO 12: "CONTRAÇÃO ECONÔMICA E EXPANSÃO TERRITORIAL"
72 - Século XVII foi complicado pra colonização portuguesa. Primeira vieram os prejuízos da guerra e ocupações holandesas. Depois, a baixa do açúcar (inclusive, em parte, como consequência do fator anterior). Do ponto de vista do comércio e do fisco portugueses, entretanto, os prejuízos deveriam ser consideráveis. Simonsen estimou em 20 milhões de libras o valor das mercadorias subtraídas ao comércio lusitano. Isso concomitantemente com gastos militares vultosos. Encerrada a etapa militar, tem início a baixa nos preços do açúcar provocada pela perda do monopólio. Na segunda metade do século a rentabilidade da colônia baixou substancialmente, tanto para o comércio como para o erário lusitanos, ao mesmo tempo que cresciam suas próprias dificuldades de administração e defesa.
73 - Resumo do contexto: Na época do apogeu açucareiro, Portugal ocupou — expulsando franceses, holandeses e ingleses — toda a costa que se estende até a foz do Amazonas. Pelo menos nessa parte da América , estava eliminado o risco de formação de uma economia concorrente. A ocupação foi seguida de decisões objetivando a criação de colônias permanentes. Ao Maranhão foram enviados de uma feita — no segundo decênio do século XVII — trezentos açorianos. Ao iniciar-se a etapa de dificuldades políticas e econômicas para o governo português, essas colônias da região norte ficaram abandonadas aos seus próprios recursos e as vicissitudes que tiveram de enfrentar demonstram vivamente o quão difícil era a sobrevivência de uma colônia de povoamento nas terras da América. (...) Os solos do Maranhão não apresentavam a mesma fecundidade que os massapés nordestinos para a produção de açúcar. Mas não foi esta a maior dificuldade, e sim a desorganização do mercado do açúcar, fumo e outros produtos tropicais, na segunda metade do século XVII, o que impediu aos colonos do Maranhão dedicarem-se a uma atividade que lhes permitisse iniciar um processo de capitalização e desenvolvimento. As suas dificuldades eram as mesmas que enfrentava o conjunto das colônias portuguesas na América, apenas agravadas pelo fato de que eles tentaram começar numa etapa em que os outros consumiam parte do que haviam acumulado anteriormente.
74 - Pará, colonos do Norte e os jesuítas: ...Em sua caça ao indígena, os colonos foram conhecendo melhor a floresta e descobrindo suas potencialidades. Na primeira metade do século XVIII a região paraense progressivamente se transforma em centro exportador de produtos florestais: cacau, baunilha, canela, cravo, resinas aroma ricas. A colheita desses produtos, entretanto, dependia de uma utilização intensiva da mão de obra indígena, a qual, trabalhando dispersa na floresta, dificilmente poderia submeter-se às formas correntes de organização do trabalho escravo. Coube aos jesuítas encontrar a solução adequada para esse problema. Conservando os índios em suas próprias estruturas comunitárias, tratavam eles de conseguir a cooperação voluntária dos mesmos. Dado o reduzido valor dos objetos que recebiam os índios, tomava-se rentável organizar a exploração florestal em forma extensiva, ligando pequenas comunidades disseminadas na imensa zona. (...) Dessa forma, a pobreza mesma do Estado do Maranhão, ao obrigar seus colonos a lutar tão tenazmente pela mão de obra indígena, e a correspondente reação jesuítica — de início simples defesa do indígena, em seguida busca de formas racionais de convivência e finalmente exploração servil dessa mão de obra — constituíram fator decisivo da enorme expansão territorial que se efetua na primeira metade do século XVIII.
75 - Problemão com a crise do açúcar: À medida que cresciam em importância relativa os setores de subsistência no norte, no sul e no interior nordestino — reduzindo-se concomitantemente a participação das exportações no total do produto da colônia tomava-se mais e mais difícil para o governo português transferir para a Metrópole o reduzido valor dos impostos que arrecadava.
76 - ...Portugal não mais podia importar como antes: As repetidas desvalorizações cambiais (o valor da libra sobe de mil-réis para 3.500 réis entre 1640 e 1700) refletem a extensão do desequilíbrio provocado na economia lusitana.
77 - ...As importações ficavam bastante dificultadas aqui também, por tabela. Do ponto de vista da colônia, tais desvalorizações, se traziam algum alívio à região exportadora de açúcar, também contribuíam para agravar a situação das regiões mais pobres que pouco ou nada tinham para exportar e cuja procura de importações era altamente inelástica pelo fato mesmo de que se limitava a coisas imprescindíveis, como o sal. O encarecimento das manufaturas importadas chegou a extremos e nas regiões mais pobres, como Piratininga, uma simples roupa de fazenda importada ou uma espingarda podiam valer mais que uma casa residencial. Esses fatores contribuíam para a reversão cada vez mais acentuada a formas de economia de subsistência, com atrofiamento da divisão do trabalho, redução da produtividade, fragmentação do sistema em unidades produtivas cada vez menores, desaparição das formas mais complexas de convivência social, substituição da lei geral pela norma local, etc.
Pgs. 103-110
TERCEIRA PARTE - ECONOMIA ESCRAVISTA MINEIRA - SÉCULO XVIII
"CAPÍTULO 13: "POVOAMENTO E ARTICULAÇÃO DAS REGIÕES MERIDIONAIS"
78 - Na época do açúcar/engenhos, a emigração Portugal-Brasil só tinha sentido para aquelas pessoas que dispunham de meios para financiar uma empresa de dimensões relativamente grandes. Havia alguns movimentos "artificiais", financiados pelo governo português com objetivos políticos ou de alguns mais aventureiros. Os dados sobre a população são precários e escassos, mas indicam claramente que a população de origem europeia aumentou lentamente no século XVII. Tudo mudou no ciclo do ouro. A busca pelo metal de aluvião que se encontrava depositado no fundo dos rios. (...) Com efeito, tudo indica que a população colonial de origem europeia decuplicou no correr do século da mineração. Portugal chegou a querer controlar o fluxo.
79 - População: A crer nas informações disponíveis, a população do Brasil teria alcançado 100 mil habitantes em 1600, um máximo de 300 mil em 1700 e ao redor de 3.250.000 em 1800. A população de origem europeia seria de cerca de 30 mil em 1600 e dificilmente alcançaria 100 mil em 1700. Furtado estima que talvez quinhentos mil imigrantes portugueses tenham chegado entre 1700 e 1800.
80 - Se bem que a base da economia mineira também seja o trabalho escravo, por sua organização geral ela se diferencia amplamente da economia açucareira. Os escravos em nenhum momento chegam a constituir a maioria da população. E aqui alguns escravos tinham, em casos especiais, condições de trabalhar para comprar sua liberdade. Era uma sociedade mais dinâmica.
81 - A economia "mineira" também era mais propícia que a "açucareira" a formação de camadas médias. ..."Abaixo da classe reduzida de senhores de engenho ou grandes proprietários de terras, nenhum homem livre lograva alcançar uma verdadeira expressão social". (...) O homem "médio"... se dispunha de recursos, podia organizar uma lavra em escala grande, com cem ou mais escravos. Contudo, o capital que imobilizava por escravo ou por unidade de produção era bem inferior ao que correspondia a um engenho real. Se eram reduzidos os seus recursos iniciais, podia limitar sua empresa às mínimas proporções permitidas pela divisibilidade da mão de obra, isto é, a um escravo. Por último, se seus recursos não lhe permitiam mais que financiar o próprio sustento durante um período limitado de tempo, podia trabalhar ele mesmo como faiscador. Se lhe favorecia a sorte, em pouco tempo ascenderia à posição de empresário.
82 - Sendo a lucratividade maior na etapa inicial da mineração, em cada região, a excessiva concentração de recursos nos trabalhos mineratórios conduzia sempre a grandes dificuldades de abastecimento. A fome acompanhava sempre a riqueza nas regiões do ouro. A elevação dos preços dos alimentos e dos animais de transporte nas regiões vizinhas constituiu o mecanismo de irradiação dos benefícios econômicos da mineração.
83 - Se se considera em conjunto a procura de gado para corte e de muares para transporte, a economia mineira constituiu, no século XVIII, um mercado de proporções superiores ao que havia propiciado a economia açucareira em sua etapa de máxima prosperidade. Destarte, os benefícios que dela se irradiam para toda a região criatória do sul são substancialmente maiores do que os que recebeu o sertão nordestino. Sem a mineração, as regiões ficariam sujeitas à economia de subsistência. Mais efeitos: ...Por um lado, elevou substancialmente a rentabilidade da atividade pecuária, induzindo a uma utilização mais ampla das terras e do rebanho. Por outro, fez interdependentes as diferentes regiões, especializadas umas na criação, outras na engorda e distribuição e outras constituindo os principais mercados consumidores
Pgs. 111-118
"CAPÍTULO 14: "FLUXO DA RENDA"
84 - Dinâmica da economia da mineração: A base geográfica da economia mineira estava situada numa vasta região compreendida entre a serra da Mantiqueira, no atual Estado de Minas, e a região de Cuiabá, no Mato Grosso, passando por Goiás. Em algumas regiões a curva de produção subiu e baixou rapidamente provocando grandes fluxos e refluxos de população; noutras, essa curva foi menos abrupta, tornando-se possível um desenvolvimento demográfico mais regular e a fixação definitiva de núcleos importantes de população. A renda média dessa economia, isto é, sua produtividade média, é algo que dificilmente se pode definir. Em dados momentos deveria alcançar pontos altíssimos em uma sub-região, e, quanto mais altos fossem esses pontos, maiores seriam as quedas subsequentes. Os depósitos de aluvião se esgotam tanto mais rapidamente quanto é mais fácil sua exploração. Dessa forma, as regiões mais "ricas" se incluem entre as de vida produtiva mais curta.
85 - A exportação de ouro cresceu em toda a primeira metade do século e alcançou seu ponto máximo em torno de 1760, quando atingiu cerca de 2,5 milhões de libras. Entretanto, o declínio no terceiro quartel do século foi rápido e, já por volta de 1780, não alcançava 1 milhão de libras. O decênio compreendido entre 1750 e 1760 constituiu o apogeu da economia mineira, e a exportação se manteve então em torno de 2 milhões de libras. Estima-se, assim, que a renda per capita não chegou a superar a do apogeu do açúcar. Porém, devido à desconcentração de renda, o potencial dessa economia era maior. A composição da procura teria que ser necessariamente diversa, ocupando um espaço muito mais significativo os bens de consumo corrente e ocorrendo o contrário aos artigos de luxo.
86 - ...Contudo, o desenvolvimento endógeno — isto é, com base no Seu próprio mercado — da região mineira foi praticamente nulo. É fácil compreender que a atividade mineratória haja absorvido todos os recursos disponíveis na etapa inicial. E menos fácil explicar, entretanto, que uma vez estabelecidos os centros urbanos, não se hajam desenvolvido suficientemente atividades manufatureiras de grau inferior, as quais poderiam expandir-se na etapa subsequente de dificuldades de importação. Tem-se buscado explicação para esse fato na política portuguesa, cuja preocupação era dificultar o desenvolvimento manufatureiro da colônia. Entretanto, o decreto de 1785 proibindo qualquer atividade manufatureira não parece haver suscitado grande reação, sendo mais ou menos evidente que o desenvolvimento manufatureiro havia sido praticamente nulo em todo o período anterior de prosperidade e decadência da economia mineira. A causa principal possivelmente foi a própria incapacidade técnica dos imigrantes para iniciar atividades manufatureiras numa escala ponderável.
87 - ...Portugal chegou a importar mão-de-obra especializada antes do "Methuen". O acordo de 1703 com a Inglaterra (tratado de Methuen) destruiu esse começo de indústria e foi de consequências profundas tanto para Portugal como para sua colônia. Houvessem chegado ao Brasil imigrantes com alguma experiência manufatureira, e o mais provável é que as iniciativas surgissem no momento adequado, desenvolvendo-se uma capacidade de organização e técnica que a colônia não chegou a conhecer.
88 - O ouro levou à acomodação de Portugal, o que pode ter resultado em consequências negativas até pra gente: Houvesse Portugal acumulado alguma técnica manufatureira, e a mesma ter-se-ia transferido ao Brasil, malgrado disposições legislativas em contrário, como ocorreu nos EUA.
89 - O pré-Methuen tinha seu potencial. Ao prolongar-se essa decadência e ao reduzir-se tão persistentemente a capacidade para importar, começou a prevalecer em Portugal o ponto de vista de que era necessário produzir internamente aquilo que o açúcar permitira antes importar em abundância. Tem início assim um período de fomento direto e indireto da instalação de manufaturas. Durante dois decênios, a partir de 1684, o país conseguiu praticamente abolir as importações de tecidos.
90 - Furtado considera que, sem o crescimento da mineração do ouro brasileiro, Portugal não teria conseguido equilibrar a balança comercial e os protestos protecionistas surgiriam no pós-tratado. Entretanto, "Methuen" funcionou com a dupla ouro e vinho. Assim, dava pra comprar tecidos. Com isso, retardou-se a industrialização.
91 - Por um lado, a procura crescente de manufaturas que vinha da colônia se transferia automaticamente para a Inglaterra sem nenhum efeito sobre a economia portuguesa que não fosse a renda criada por algumas comissões e impostos.
92 - Ainda Portugal: A inexistência desse núcleo manufatureiro, na etapa em que se transformam as técnicas de produção no último quartel do século, é que valeu a Portugal transformar-se numa dependência agrícola da Inglaterra. Sem o contrapeso de um grupo manufatureiro, os grandes proprietários de terras e os exportadores de vinho continuaram a pesar demasiadamente na orientação econômica do país, como se tornará evidente na segunda metade do século, ao encetar Pombal ingentes esforços para mudar o curso dos acontecimentos.
93 - Com efeito, a Inglaterra, graças às transformações estruturais de sua agricultura e ao aperfeiçoamento de suas instituições políticas, foi o único país da Europa que seguiu sistematicamente, em todo o século que antecedeu à Revolução Industrial, uma política clarividente de fomento manufatureiro.
94 - Numa época dominada pelo mais estrito mercantilismo e em que era particularmente difícil desenvolver um comércio de manufaturas, a Inglaterra encontrou na economia luso-brasileira um mercado em rápida expansão e praticamente unilateral. Suas exportações eram saldadas em ouro, o que adjudicava à economia inglesa uma excepcional flexibilidade para operar no mercado europeu. Encontrou-se a Inglaterra, assim, pela primeira vez, em condições de saldar o seu comércio de materiais de construção e outras matérias-primas, recebidas do norte da Europa, indiretamente com manufaturas. Dessa forma, a economia inglesa adquiriu maior flexibilidade e tendeu a concentrar suas inversões no setor manufatureiro, que era o mais indicado para uma rápida evolução tecnológica. Por outro lado, recebendo a maior parte do ouro que então se produzia no mundo, os bancos ingleses reforçaram mais e mais sua posição, operando-se a transferência do centro financeiro da Europa de Amsterdã para Londres. Segundo fontes inglesas, as entradas de ouro brasileiro em Londres chegaram a alcançar, em certa época, 50 mil libras por semana, permitindo uma substancial acumulação de reservas metálicas, sem as quais a Grã-Bretanha dificilmente poderia haver atravessado as guerras napoleônicas. (Usa Cunningham como fonte).
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