Livro: Celso Furtado - Formação Econômica do Brasil (2003) - Capítulos 26 a 29
Livro: Celso Furtado - Formação Econômica do Brasil (2003)
Pgs. 201-204
"CAPÍTULO 26: "O FLUXO DE RENDA NA ECONOMIA DE TRABALHO ASSALARIADO"
176 - Impulso externo virava interno em época de mão de obra e terra subutilizadas. Exemplo típico da melhor utilização dos recursos provocada pela expansão da procura interna de bens de consumo é dado pela economia de subsistência formada no sul do país com imigração de origem europeia. (...) A massa de salários pagos no setor exportador vem a ser, por conseguinte, o núcleo de uma economia de mercado interno. Quando convergem certos fatores a que nos referiremos mais adiante, o mercado interno se encontra em condições de crescer mais intensamente que a economia de exportação, se bem que o impulso de crescimento tenha origem nesta última.
177 - O setor cafeeiro pôde, na verdade, manter seu salário real praticamente estável durante a longa etapa de sua expansão. Bastou que esse salário fosse, em termos absolutos, mais elevado do que aqueles pagos nos demais setores da economia, e que a produção se expandisse, para que a força de trabalho se deslocasse. (...) Se a expansão da economia cafeeira houvesse dependido exclusivamente da mão de obra europeia imigrante, os salários ter-se-iam estabelecido em níveis mais altos, à semelhança do que ocorreu na Austrália e mesmo na Argentina. Coloca que, entretanto, isso puxava pra cima o salário médio dos outros setores, pela absorção de mão-de-obra que o cafeeiro gerava.
Pgs. 205-212
"CAPÍTULO 27: "A TENDÊNCIA AO DESEQUILÍBRIO EXTERNO"
178 - A que preço as regras do padrão-ouro poderiam aplicar-se a um sistema especializado na exportação de produtos primários e com um elevado coeficiente de importação?
179 - Mecânica do padrão-ouro: Estava implícito nessa teoria que, se um país importava mais do que exportava — criando-se um desequilíbrio em sua balança de pagamentos —, esse país se veria obrigado a exportar ouro, reduzindo-se consequentemente o seu meio circulante. Essa redução, de acordo com a teoria quantitativa, deveria acarretar uma baixa de preços — contrapartida da alta do preço do ouro —, criando-se automaticamente um estímulo às exportações e um desestímulo às importações, o que traria consigo a correção do desequilíbrio. (...) A correção do desequilíbrio também se podia realizar através do movimento de capitais: a escassez relativa de ouro acarretaria uma elevação da taxa de juros, o que atrairia capitais estrangeiros. O déficit na balança em conta corrente seria assim compensado por um saldo na conta de capital.
180 - Como se apresentara esse problema na antiga economia exportadora-escravista? Quando existiu em forma pura, esta desconheceu por natureza qualquer forma de desequilíbrio externo. Sendo a procura monetária igual às exportações, é evidente que toda ela poderia transformar-se em importações sem que por essa razão surgisse qualquer desequilíbrio. É quando a procura monetária tende a crescer mais que as exportações que começa a surgir a possibilidade de desequilíbrio. Esse desajustamento está intimamente ligado ao regime de trabalho assalariado, como é fácil perceber.
181 - ...Ao crescer a renda criada pelas exportações, cresce a massa total de pagamentos a fatores, realizados dentro da economia. Essa renda, conforme vimos, tende a multiplicar-se, primeiramente em termos monetários e finalmente em termos reais, dada a existência de fatores subocupados. O aumento da renda se realiza, portanto, em duas etapas: em primeiro lugar graças ao crescimento das exportações e, em segundo, pelo efeito multiplicador interno. Parte desse aumento da renda terá de ser satisfeito com importações, conforme uma relação relativamente estável que existe entre o aumento da renda e o das importações.
Pgs. 213-220
"CAPÍTULO 28: "A DEFESA DO NÍVEL DE EMPREGO E A CONCENTRAÇÃO DA RENDA"
182 - Problemas da abundância de terras e mão-de-obra: Não existindo nenhuma pressão da mão de obra no sentido da elevação dos salários, ao empresário não interessava substituir essa mão de obra por capital, isto é, aumentar a quantidade de capital por unidade de mão de obra. Como os frutos dos aumentos de produtividade revertiam para o capital, quanto mais extensiva fosse a cultura, vale dizer, quanto maior fosse a quantidade produzida por unidade de capital imobilizado, mais vantajosa seria a situação do empresário. (...) A consequência prática dessa situação era que o empresário estava sempre interessado em aplicar seu capital novo na expansão das plantações, não se formando nenhum incentivo à melhora dos métodos dê cultivo.
183 - ...Sempre que essa terra dava sinais de esgotamento, se justificava, do ponto de vista do empresário, abandoná-la, transferindo-se o capital para solos novos de mais elevado rendimento. A destruição de solos que, do ponto de vista social, pode parecer inescusável, do ponto de vista de um empresário privado, cuja meta é obter o máximo de lucro de seu capital, é perfeitamente concebível.
184 - O fator que era escasso era o capital! Daí os aprimoramentos técnico-intensivos ficarem em segundo plano. Era um caminho mais difícil/arriscado.
185 - Os frutos do aumento de produtividade, que retinha o empresário e a que antes nos referimos, refletiam principalmente elevações ocasionais de preços.
186 - A taxa de câmbio brasileira no período sofria desvalorizações e recuperações atreladas à flutuação do preço do café. Não era um "padrão-ouro" rígido. Essa baixa se processava mesmo antes que se materializasse o desequilíbrio, pois a simples previsão de que viria tal desequilíbrio era suficiente para que tivesse início uma corrida contra o valor externo da moeda. Importados ficavam mais caros. Assim, sem necessitar de liquidar reservas, que aliás não possuía, a economia lograva corrigir o desequilíbrio externo.
187 - ...O processo de correção do desequilíbrio externo significava, em última instância, uma transferência de renda daqueles que pagavam as importações para aqueles que vendiam as exportações. Era a socialização das perdas dos exportadores. De toda forma, ao menos grande parte das importações vinham das classes não-assalariadas. Ou seja, boa parte da redistribuição era lá entre eles.
188 - Crise na economia dependente cafeeira podia ter efeito terríveis,. Por não se contar com mecanismos estabilizadores, digamos assim, paralisações eram "saídas" e podiam gerar ciclos viciosos de contração de consumo e produção por toda a economia. Os cafezais e mão-de-obra não encontravam usos alternativos, eram capital imobilizado: ...Não sendo praticável uma redução do custo a curto prazo através de uma compressão dos salários, cujo nível não se elevava na alta cíclica, a única solução que ficaria ao empresário, ou àqueles financeiramente menos resistentes, seria reduzir a produção. Dessa forma, tenderia a paralisar-se uma grande parte da atividade econômica. Dada a natureza dessa atividade, a paralisação acarretaria a maior de todas as perdas.
189 - ...Por tudo isso, o governo ficava sequestrado pelos interesses dos cafeicultores e tinha que proteger seus lucros, evitando-se paralisações: Qualquer que fosse a redução no preço internacional do café, sempre era vantajoso, do ponto de vista do conjunto da coletividade, manter o nível das exportações. Defendia-se, assim, o nível de emprego dentro do país e limitavam-se os efeitos secundários da crise.
Pgs. 221-226
"CAPÍTULO 29: "A DESCENTRALIZAÇÃO REPUBLICANA E A FORMAÇÃO DE NOVOS GRUPOS DE PRESSÃO"
190 - Desvalorização cambial como ajustamento externo. Não eram só consumidores de luxo os prejudicados. Os núcleos mais prejudicados eram, entretanto, as populações urbanas. Vivendo de ordenados e salários e consumindo grandes quantidades de artigos importados, inclusive alimentos, o salário real dessas populações era particularmente afetado pelas modificações da taxa cambial.
191 - ...Problema-duplo aliás: ...a redução relativa das receitas públicas obrigava o governo a emitir para financiar o déficit, e as emissões operavam como um imposto altamente regressivo, pois incidiam particularmente sobre as classes assalariadas urbanas. (Em rodapé, Furtado coloca que reformas seguintes pretenderam - ou conseguiram, sei lá - reformar o imposto sobre importações para manter mais estável a arrecadação mesmo em períodos de crises).
192 - ...Por outro lado, para "defender o câmbio" o governo contraía sucessivos e onerosos empréstimos externos, cujo serviço acarretava uma sobrecarga fiscal incompressível. (...) A política monetária do governo imperial nos anos oitenta, traumatizada pela miragem da "conversibilidade", por um lado conduzira a um grande aumento da dívida externa e por outro mantivera o sistema econômico em regime de permanente escassez de meios de pagamento. Entre 1880 e 1889, a quantidade de papel-moeda em circulação diminuiu de 216 para 197 mil contos, enquanto o valor do comércio exterior (importações + exportações) cresceu de 411 para 477 mil contos.
193 - A proclamação da República em 1889 toma ... a forma de um. movimento de reivindicação da autonomia regional. Aos novos governos estaduais caberá, nos dois primeiros decênios da vida republicana, um papel fundamental no campo da política econômico-financeira. A reforma monetária de 1888, que o governo imperial não executou, no modo como foi aplicado posteriormente, pelo governo provisório, concedeu o poder de emissão a inúmeros bancos regionais, provocando subitamente em todo o país uma grande expansão de crédito. A transição de uma prolongada etapa de crédito excessivamente difícil para outra de extrema facilidade deu lugar a uma febril atividade econômica como jamais se conhecera no país. A brusca expansão da renda monetária, acarretou enorme pressão sobre a balança de pagamentos. A taxa média de câmbio desceu de 26 d. em 1890, para 13 em 1893 e continuou declinando nos anos seguintes, até o fim do decênio, quando alcançou 8.
194 - Ao que entendi, não foram apenas os ajustes de Campos Salles - recuperação de receita, empréstimo de consolidação... medidas de caráter deflacionário... - que corrigiram os desequilíbrios externos. Houve sorte também: ...O grande aumento do valor das exportações brasileiras, entre o último decênio do século passado e o primeiro do atual [XX] — fator principal da melhora substancial na posição da balança de pagamentos —, teve como causa básica a grande expansão das exportações de borracha. A participação desse produto no valor das exportações brasileiras subiu de 10 por cento em 1890 para 39 por cento em 1910.
195 - Os interesses diretamente ligados à depreciação externa da moeda — grupos exportadores — terão a partir dessa época que enfrentar a resistência organizada de outros grupos. Entre estes se destacam a classe média urbana — empregados do governo, civis e militares, e do comércio —, os assalariados urbanos e rurais, os produtores agrícolas ligados ao mercado interno, as empresas estrangeiras que exploram serviços públicos, das quais nem todas têm garantia de juros. Os nascentes grupos industriais, mais interessados em aumentar a capacidade produtiva (portanto nos preços dos equipamentos importados) que em proteção adicional também se sentem prejudicados com a depreciação cambial.
.
Comentários
Postar um comentário