Livro: Piketty - O Capital no Século XXI - Capítulo 16 ("PARTE B") e Conclusão
Livro: Piketty - O Capital no Século XXI
(...)
Pgs. 673-691
"CAPÍTULO 16: "A questão da dívida pública"
632 - Crise de 08 e operações não-convencionais do BC europeu: Em vez de emprestar num horizonte de alguns dias, o Fed e o BCE começaram a emprestar a prazos de três ou até seis meses — daí um forte aumento dos volumes correspondentes ao longo do último trimestre de 2008 e início de 2009. Eles também passaram a emprestar com esse mesmo prazo a empresas não financeiras, sobretudo nos Estados Unidos, com empréstimos ao setor bancário indo até nove ou doze meses e com compras diretas de bônus relativamente longos. Apesar de todo esse poder, o sistema bancário não determina a inflação, a taxa de investimento ou o crescimento da economia. Tudo isso depende muito das decisões dos agentes privados. Apenas são criadas condições para superação ou ao menos "não-piora" da crise. A enorme liquidez imediata é a grande força da autoridade monetária (o "dinheiro infinito" que evita o pânico).
633 - A totalidade de ativos e passivos financeiros passou de cerca de 10% para mais de 20% do PIB para o Federal Reserve e o Banco da Inglaterra, e de 15% a quase 30% do PIB para o Banco Central Europeu. Trata-se sem dúvida de uma evolução espetacular. Mas vemos, ao mesmo tempo, que esses montantes permanecem relativamente modestos em comparação com o total dos patrimônios privados líquidos, que atingem ou ultrapassam 500% ou 600% do PIB na maior parte dos países ricos. (...) O total dos ativos e passivos financeiros brutos é ainda mais elevado, uma vez que atinge dez a vinte anos do PIB na maior parte dos países desenvolvidos (ver o Capítulo 5).
634 - ...Em teoria, poderíamos imaginar volumes muito maiores. Os bancos centrais poderiam decidir comprar todas as empresas de um país, todos os imóveis, financiar a transição energética, investir nas universidades e ter controle de toda a economia. O único problema, evidentemente, é que essas instituições não têm uma administração preparada para isso e, acima de tudo, não possuem a legitimidade democrática para empreendê-lo. (...) Os bancos centrais operam dentro de um mandato estrito, centrado em torno da estabilidade do sistema financeiro. Na prática, quando o poder público decide ajudar certos setores industriais particulares, como foi o caso com a General Motors nos Estados Unidos em 2009-2010, é o Estado americano, e não o banco central, que se encarrega dos empréstimos, da aquisição de ações e das diversas convenções de desempenho e objetivos da empresa.
635 - Ações orquestradas: ...É o caso da agora famosa “Troika”, que reúne a Comissão Europeia, o BCE e o FMI e tenta desde 2009-2010 diluir a crise financeira europeia, que envolve a um só tempo uma crise de dívida pública e uma crise bancária, sobretudo nos países do sul da Europa.
636 - ...Transparência e crise da Grécia (ou do Euro): O caso da Grécia é ainda mais extremo. Todos exigem da Grécia que ela faça os mais abastados pagarem mais impostos. Trata-se sem dúvida de uma excelente ideia. O problema é que, na ausência de uma cooperação internacional adequada, a Grécia, evidentemente, não tem os meios para arrecadar, sozinha, um imposto justo e eficaz, pois é muito fácil para os seus cidadãos mais ricos deslocar seus fundos para outros países, muitos deles europeus. Ora, as autoridades europeias e internacionais em nenhum momento tomaram as medidas que permitiriam oferecer uma implementação regulamentar e jurídica condizente. (...) Como vimos no Capítulo 15, as discussões sobre as possíveis mudanças nos regulamentos europeus sobre a transmissão automática de informação bancária começaram somente em 2013 e estão longe do fim. Acaba sobrando, para os endividados, a lança na ponta do pescoço com consequente privatização de ativos públicos a preço de banana.
637 - Problema de opacidade no Chipre: O problema, na verdade, é que os bancos cipriotas não têm o dinheiro que aparece em seus balanços. As quantias parecem ter sido alocadas em títulos gregos hoje desvalorizados e investimentos imobiliários em parte ilusórios. Naturalmente, as autoridades europeias hesitam em usar o dinheiro do contribuinte europeu para cobrir os bancos cipriotas sem uma contrapartida, sobretudo porque se trata, no final das contas, de cobrir os milionários russos. Ademais, a tentativa de usar a progressividade tributária lá fracassou também pela falta de informação: ...Em particular, para aplicar uma tabela de cálculos progressiva mais acentuada é indispensável reunir informações sobre todos os ativos detidos por uma mesma pessoa em diferentes contas e em diferentes bancos (idealmente não só no Chipre, mas em toda a União Europeia).
638 - Os duzentos maiores acionistas desempenhavam um papel central, estabelecido em estatuto, na governança do Banco da França de 1803 a 1936 e determinavam, de fato, a política monetária do país. Esse papel foi desestabilizado pela Frente Popular ao modificar as regras (os governadores e subgovernadores do banco, nomeados pelo poder público, não tinham mais necessidade de ser acionistas), antes da nacionalização completa e definitiva em 1945. Desde essa data, o Banco da França não possui mais acionistas privados e é um estabelecimento puramente público, assim como a maior parte dos bancos centrais do mundo.
639 - Guerra fiscal e regressividade: ...Um exemplo ainda mais evidente é o imposto sobre os lucros das empresas — sem dúvida o que causa a concorrência fiscal mais feroz entre os Estados europeus desde o início dos anos 1990. Em vários pequenos países, primeiro na Irlanda e depois em algumas nações do Leste Europeu, foram estabelecidas baixas taxas de imposto sobre os lucros das empresas como um dos eixos principais de suas estratégias de desenvolvimento e atratividade internacional. (...) Sem querer exagerar, parece-me importante perceber que o curso normal da concorrência fiscal é levar a uma predominância de impostos sobre o consumo, ou seja, na direção de um sistema fiscal como o do século XIX: sem permitir nenhuma progressividade e favorecendo na prática as pessoas que têm os meios de poupar, de se mudar, ou, melhor ainda, as duas coisas ao mesmo tempo.
640 - À procura do estoque de capital (B) ideal: ...Se a tomarmos ao pé da letra, essa regra r = g, que foi batizada “regra de ouro da acumulação do capital” por Edmund Phelps em 1961, implicaria um estoque de capital muito mais elevado do que os observados ao longo de toda a história, pois, como já vimos, as taxas de retorno sempre foram bem superiores às taxas de crescimento. (...) É muito difícil dizer quanto capital seria necessário acumular para que a taxa de retorno se reduzisse a 1% ou 1,5%. Certamente muito mais do que os seis a sete anos de renda nacional observados hoje nos países mais intensivos em capital: talvez fosse necessário acumular o equivalente a dez ou quinze anos de renda nacional em capital, talvez mais.
641 - Lucratividade/retorno do capital e "g": ...Assim, vemos que a regra de ouro se assemelha a uma estratégia de “saturação do capital”. Acumula-se tanto capital que os rentistas não terão o que consumir, pois é necessário reinvestir tudo se eles desejam que seu capital cresça no mesmo ritmo da economia e conservar o mesmo status social em relação à média da sociedade. Ao contrário, se r > g, será suficiente reinvestir a cada ano uma fração do retorno correspondente à taxa de crescimento (g) e consumir o resto (r – g). A desigualdade r > g é a base da sociedade de rentistas. Acumular capital suficiente para que o retorno se reduza ao nível de crescimento pode, então, permitir que se ponha fim ao reino dos rentistas.
642 - Freando o rentismo na socialdemocracia: Na prática, existem maneiras muito mais simples e eficazes para combater os rentistas, sobretudo pela via fiscal: não há a menor necessidade de acumular dezenas de anos de renda nacional em estoque de capital, o que talvez exigiria privação por várias gerações. (...) Segundo a expressão famosa do chanceler alemão Helmut Schmidt: “Os lucros de hoje são os investimentos de amanhã e os empregos de depois de amanhã.” O capital e o trabalho se dão as mãos. Mas é importante compreender que isso depende de instituições como o imposto ou a propriedade pública (salvo se imaginarmos níveis de acumulação inéditos).
643 - Como combater o desequilíbrio ecológico e aquecimento global? Há controvérsias. Para Stern, a perda em matéria de bem-estar global para a humanidade é tal que justifica gastar a partir de agora o equivalente a pelos menos 5% do PIB mundial por ano para tentar limitar o aquecimento global futuro. Para Nordhaus, isso não seria de forma alguma razoável, pois as gerações futuras serão mais ricas e produtivas do que nós. Eles encontrarão uma maneira de lidar com o problema, ou consumir menos, o que, em todo caso, seria bem menos custoso para o bem-estar universal do que fazer o esforço proposto por Stern. Essa é em essência a conclusão desses sábios cálculos.
644 - ..Mas, além do bom senso, o importante é enfatizar que ninguém até hoje conhece as respostas para esses desafios e o papel exato que o poder público desempenhará para evitar essa possível degradação do capital natural no século XXI.
645 - Coloca que mercado e voto são formas de organizar prioridades sociais, nenhuma delas perfeita/acabada.
646 - Traz novamente a questão da transparência: ...Por exemplo, para tomar um caso prático que nos remete ao começo deste livro, os balanços publicados pela empresa Lonmin, que é dona da mina gigante de platina de Marikana onde 34 grevistas foram mortos a tiros em agosto de 2012, não permitem nem o cálculo preciso da distribuição de riqueza produzida entre lucros e salários. (...) A consequência é que os balanços publicados assim não permitem calcular a divisão lucros-salários nem examinar os eventuais abusos em relação aos consumos intermediários (que podem ser uma maneira de fornecer um complemento importante do nível de vida para os executivos e acionistas). Como exemplo, para os balanços da Lonmin e da mina de Marikana, ver o Anexo Técnico.
Pgs. 692-698
"Conclusão"
648 - O mais importante: ...a desigualdade r > g faz com que os patrimônios originados no passado se recapitalizem mais rápido do que a progressão da produção e dos salários. (...) O empresário tende inevitavelmente a se transformar em rentista e a dominar cada vez mais aqueles que só possuem sua força de trabalho. Chega a dizer que "o passado devora o futuro" (aqui algum desavisado pode pensar que ele ama Marx).
649 - ...A melhor solução é o imposto progressivo anual sobre o capital. Com ele, é possível evitar a espiral desigualadora sem fim e ao mesmo tempo preservar as forças da concorrência e os incentivos para que novas acumulações primitivas se produzam sem cessar. (...) A experiência histórica indica, além disso, que desigualdades de riquezas tão desmedidas não têm tanta relação com o espírito empreendedor e não apresentam nenhuma utilidade para o crescimento.
650 - Século XX: ...Basta uma breve olhada nas curvas de desigualdade da renda e do patrimônio ou a relação capital / renda para ver que a política está em toda parte e que as evoluções econômicas e políticas são indissociáveis, devendo ser estudadas lado a lado. Isso obriga também a estudar o Estado, o imposto e a dívida nessas dimensões concretas e a sair dos esquemas simplistas e abstratos sobre a infraestrutura econômica e a superestrutura política.
FIM!
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