Livro: Piketty - A Economia da Desigualdade - Capítulo 4
Livro: Piketty - A Economia da Desigualdade
Pgs. 107-128
"CAPÍTULO 4: "Os instrumentos da redistribuição"
94 - Conceitos. O instrumento privilegiado da redistribuição pura é a redistribuição fiscal, que, por meio de tributações e transferências, permite corrigir a desigualdade das rendas produzida pela desigualdade das dotações iniciais e pelas forças de mercado, ao mesmo tempo que preserva ao máximo a função alocativa do sistema de preços.
95 - Ao que entendi, as contribuições sociais e outros tributos são o grosso da coisa e fazem com que haja pouca redistribuição fiscal (ao menos na França dos anos 90). De fato, como indica o Gráfico 2 na coluna “Infinito”, a taxa média efetiva pode subir até 70% para as rendas muito elevadas que ultrapassaram todos os limiares de teto dos abatimentos e do quociente familiar (ou seja, rendas superiores a cerca de 700.000 francos por ano) e que são submetidas à taxa marginal superior de 56,8% do imposto sobre a renda (em 1996). Entretanto, essa realidade envolve um número demasiado reduzido de famílias para que essa alíquota superior do imposto tenha uma importância orçamentária comparável à importância simbólica que às vezes lhe é atribuída no debate político, e em especial para poder mudar de maneira significativa a realidade fundamental ilustrada pelo Gráfico 2: a ausência de qualquer redistribuição substancial entre trabalhadores ativos. (dados de Piketty, 1997).
96 - Ainda interpretando o gráfico acima: O fato de as taxas marginais subirem novamente para os salários elevados não surpreende: as rendas elevadas encontram-se nas faixas superiores da escala de incidência do imposto sobre a renda. O fato de as taxas marginais serem igualmente elevadas para os salários menores se explica pelo fato de que a passagem de um salário nulo para um salário baixo é acompanhada não só de tributações elevadas sobre o salário obtido, mas também da perda de transferências sociais reservadas àqueles que não têm renda de trabalho. Tomemos o exemplo de um trabalhador que recebia 530 euros por mês de renda mínima e de auxílio-moradia e que consegue um empregador disposto a pagar 1.370 euros por mês, possivelmente porque sua contribuição à produção da empresa proporciona no mínimo esse valor. O trabalhador receberá um pouco mais de 760 euros líquidos por mês, depois de deduzidas todas as contribuições sociais. Em outras palavras, sua renda bruta terá passado de 0 para 1.370 euros / mês, e sua renda disponível de 530 para 760 euros / mês.
97 - EUA apavorados com a curva de Laffer: Esse movimento assumiu forma mais espetacular nos Estados Unidos, onde a taxa marginal superior do imposto sobre a renda caiu progressivamente de 70% no fim dos anos 1970 para 28% em 1986. Cai realmente o número de horas trabalhadas com o crescimento das alíquotas e impostos em geral? ...as estimativas empíricas tradicionais da elasticidade da oferta de trabalho em geral concluem que essa elasticidade é extremamente baixa, da ordem de 0,1-0,2 [Blundell, 1995, p. 60]. É verdade que esses estudos medem a elasticidade da oferta de trabalho, e não a da oferta de capital humano propriamente dita (ver acima). Ao que entendi, o tempo dos impostos elevados estava correlacionado com diminuição dos estudos de nível superior nos EUA.
98 - Resultados contrário a teoria que superestima os incentivos dos impostos baixos: ...A experiência francesa parece confirmar os resultados de Goolsbee. O teto do quociente familiar adotado na França em 1981 conduziu a um forte aumento das taxas marginais de tributação aplicáveis às famílias ricas — ao passo que não houve mudança na faixa de tributação dos solteiros e dos casais sem filhos com o mesmo nível de renda —, constituindo então uma “experiência natural” particularmente interessante. Ora, se examinarmos em detalhe o nível das rendas declaradas a cada ano por ambos, constataremos que todas as rendas elevadas evoluíram aproximadamente da mesma forma a despeito do número de partes de quociente familiar, de maneira independente, portanto, das variações das taxas marginais de tributação [Piketty, 1999].
99 - Afirma que é para os mais pobres sim que a perspectiva de renda disponível um pouco maior costuma ter boa reação (elasticidade) no que tange à oferta de trabalho.
100 - Combatendo o desemprego por meio da desoneração progressiva das folhas salarias de salários mais baixos, ao que entendi. O problema é que, embora longe de serem desprezíveis, as elasticidades da oferta e da demanda nas quais essas estratégias se baseiam têm em geral uma tendência irritante a ser próximas ou inferiores a um, o que significa que a massa fiscal a ser deslocada para criar um emprego é próxima do valor de mercado desse emprego, isto é, o custo pago pelo empregador por emprego. Logo, é tentador concluir que o próprio Estado poderia pagar esse custo, criando empregos públicos — como fizeram os países escandinavos para absorver a escalada do desemprego durante os anos 1980 — ou ainda distribuindo o trabalho de maneira autoritária, reduzindo sua duração individual e compensando a queda do poder de compra para os salários baixos: todas essas estratégias teriam um custo equivalente em termos de franco investido por emprego criado. Sem dúvida, uma diferença importante é que um emprego privado corresponde a uma demanda expressa pelos consumidores, ao passo que a contribuição à produção de um emprego público é por vezes mais incerta.
101 - Renda mínima universal e minha eterna perplexidade: Nessas condições, por que, por exemplo, pagar a renda mínima a todos para em seguida aumentar o imposto sobre as rendas elevadas num montante superior à renda mínima transferida? Se o objetivo é baixar as taxas marginais efetivas que incidem sobre os salários baixos, conservando o mesmo nível de transferência para os que não possuem nenhuma renda de atividade, então parece mais simples permitir aos baixos salários conservar parte da renda mínima, ou ainda reduzir as tributações sobre os esses salários menores (por exemplo, as contribuições sociais salariais) e deslocar a carga correspondente para as rendas médias e elevadas. Deve ser pra criar a ideia de que o Estado "ajuda" todo mundo. A vantagem seria talvez menos controle e burocracia. digamos assim. De maneira mais geral, os “libertários de esquerda” apostam que a universalidade dessa transferência instituirá uma política social menos inquisitorial, alheia ao status matrimonial e social do indivíduo. (Bom, isto aqui realmente dá o que pensar.)
102 - Determinados seguros sociais só podem ser providos pelo Estado: Por exemplo, nunca uma companhia de seguros privada ofereceu um contrato de seguro que cobrisse o risco de se estar temporariamente desempregado e garantisse uma renda de substituição — embora tal seguro tenha uma utilidade evidente e numerosos indivíduos envolvidos estivessem dispostos a pagar um preço para adquiri-lo. Uma razão evidente que explica essa lacuna do mercado é que a verdadeira renda de atividade individual pode ser difícil de observar em cada período do tempo, além de o indivíduo envolvido ter sempre interesse em subestimá-la. Já o Estado dispõe de uma capacidade administrativa e jurídica superior para observar e controlar as rendas pagas pelos empregadores, e, portanto, os direitos ao seguro-desemprego.
103 - Seguridade e saúde também seriam providas de forma aquém do ideal pelo mercado. O primeiro caso é bem nítido. Se o mercado é incapaz de proporcionar a segurança da aposentadoria poupada, sobretudo no caso das rendas modestas, que têm acesso limitado aos investimentos financeiros, então um sistema de aposentadoria pública garantido pelo Estado pode permitir preencher esse vazio. Saúde e educação seriam as grandes formas de redistribuição da atualidade. Focam realmente em quem mais precisa. Por exemplo, se é verdade que um trabalhador de salário mínimo francês e um americano recebem o mesmo salário líquido, a diferença fundamental é que o trabalhador americano paga do próprio bolso o seguro-saúde e as despesas com educação de seus filhos, em geral muito altas, e é essa redistribuição fiscal que faz com que um trabalhador de salário mínimo tenha um padrão de vida muito melhor na França do que nos Estados Unidos (a menos que ele seja jovem, saudável e sem filhos, como é muitas vezes o caso de quem recebe salário mínimo).
104 - Os problemas da previdência privada: devemos levar em conta que um sistema por capitalização privada talvez não permitisse aos operários dispor de qualquer aposentadoria se a poupança alimentada por suas contribuições tivesse se perdido na especulação e imperfeição dos mercados intertemporais.
105 - Sem dúvida, os sistemas públicos de aposentadoria sempre comportam subsídios mínimos, como o mínimo-idoso na França, que são pagos, na falta de contribuições suficientes, durante a vida ativa e que, por conseguinte, são indiscutivelmente redistributivos. Foram, aliás, essas aposentadorias mínimas que permitiram erradicar a “pobreza da terceira idade” antes bastante grave em todos os países ocidentais, reduzindo assim a desigualdade global das rendas das famílias.
106 - Lembra que previdência e ensino superior gratuito podem também funcionar como redistribuição às avessas, até pelas grandes diferenças de expectativa de vida.
107 - Keynesianismo: redistribuição de demanda e altíssimas escalas: Por exemplo, uma fortíssima desigualdade do poder de compra pode impedir ou postergar a industrialização porque os pobres são pobres demais para compor uma demanda suficiente em bens industriais, enquanto os ricos concentram sua demanda em bens importados e serviços domésticos [Murphy et al., 1989; Piketty, 1994, p. 791-794]. Piketty é meio cético: devemos julgar caso a caso.
108 - ...Além disso, a intepretação tradicional que os economistas contemporâneos propõem do mecanismo keynesiano de dinâmica macroeconômica é bastante diferente: ela se baseia na ideia de que preços e salários não se ajustam rápido o bastante no curto prazo, por exemplo, porque o salário nominal é fixo e só uma injeção inflacionária é capaz de aquecer o trabalho e o nível de emprego graças à queda do salário real. Essa ideia, segundo a qual a inflação permite “lubrificar” e amaciar as estruturas econômicas, nos leva para muito longe do melhor possível da redistribuição, onde, ao contrário, seria o aumento do poder de compra dos assalariados que deveria permitir o crescimento! Os outros componentes dessas políticas de crescimento, como, por exemplo, o aumento da dívida pública, que gera um aumento da demanda de capital — e, portanto, da remuneração do capital recebida por aqueles que o detêm —, não raro provocam um efeito redistributivo também duvidoso. Além disso, os efeitos de dinamização dessas políticas conjunturais, quando existem, em geral ocorrem apenas no curto prazo e por isso dificilmente podem exercer o papel de grade de análise sistemática das condições de redistribuição, sobretudo se comparados aos poderosos instrumentos estruturais que analisamos nas seções anteriores.
109 - Nunca é sempre um motivo quando se trata de desigualdade: Por exemplo, seria ilusório e contraprodutivo querer atribuir toda a desigualdade do capital humano a fenômenos discriminatórios, ou toda a debilidade dos salários ao poder de monopsônio dos empregadores.
110 - Enfim, acho que esse livro seria rotulado de fiscalista por grande parte da esquerda, mas não deixa de ser interessante.
FIM!
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