Livro: Piketty - A Economia da Desigualdade - Introdução e Capítulo 1

                                            

Livro:  Piketty - A Economia da Desigualdade



Pgs. 1-18


"INTRODUÇÃO"


1 - Inicia com uma advertência ao leitor: Este livro foi escrito e publicado pela primeira vez em 1997. Desde então, foi reeditado e atualizado diversas vezes, em especial para esta nova edição (lançada na França em 2014). Todavia, é necessário assinalar que a estrutura geral não foi modificada desde 1997 e que a obra reflete basicamente o estado dos conhecimentos e da documentação disponível à época. Em especial, há referências apenas incipientes aos estudos internacionais realizados ao longo dos últimos quinze anos sobre a dinâmica histórica da desigualdade. O leitor interessado numa apresentação detalhada dessas pesquisas históricas e nas lições que delas podemos extrair deve consultar a World Top Incomes Database (disponível on-line) e meu livro O capital no século XXI (Intrínseca, 2014).


2 - Traz a noção de justiça social como a ideia de que a sociedade deve se esforçar para equalizar as oportunidades: Esse princípio foi introduzido formalmente por Serge-Christophe Kolm [1971] e John Rawls [1972], embora o encontremos sob formas mais ou menos explícitas bem mais antigas, como, por exemplo, na noção tradicional de que direitos iguais os mais amplos possíveis devem ser garantidos a todos, pensamento bastante aceito em nível teórico.


3 - Dá uma geral do que será o livro.



Pgs. 19-40


"CAPÍTULO 1: "A mensuração da desigualdade e de sua evolução"


4 - Distribuição das rendas familiares na França (2000) por decis - ver legenda explicativa abaixo da tabela:



5 - ...A Tabela 1 mostra que a maioria das famílias de D1 é constituída por aposentados com baixa renda e desempregados.


6 - ...As rendas salariais continuam a representar parte muito importante da renda total das famílias mais abastadas: os 5% mais ricos das famílias recebem muito mais salários do que rendas patrimoniais, seja qual for a estimativa adotada. Teríamos de subir ainda mais na hierarquia das rendas para que os salários deixassem de ser majoritários [Piketty, 2001].


7 - ...Distribuição, por salários, desses mesmos grupos aí:



8 - Um indicador prático da desigualdade total dos salários é a relação entre P90 e P10, isto é, entre o limite inferior do 10o décimo e o limite superior do primeiro. No caso da desigualdade dos salários na França em 2000, esse indicador P90 / P10 equivale a 2.720 / 900, ou seja, 3,0: para fazer parte dos 10% mais bem pagos, é preciso ganhar pelo menos três vezes mais do que para fazer parte dos 10% menos bem pagos. Não devemos confundir esse indicador com a relação entre D10 e D1, isto é, entre o salário médio do 10o décimo e o salário médio do primeiro décimo, que por definição é sempre mais alto e valeria nesse caso 4.030 / 890, ou seja, 4,5: os 10% mais bem pagos na França ganham em média 4,5 vezes mais do que os 10% menos bem pagos.


9 - Para uma visão mais completa da desigualdade salarial, também devemos levar em conta os salários do setor público (Estado, administrações locais, empresas públicas). Na França, os 4,1 milhões de assalariados em tempo integral do setor público recebem um salário médio ligeiramente superior ao do setor privado, enquanto a dispersão dos salários públicos é sem dúvida mais fraca: por exemplo, a diferença P90 / P10 é de 2,6 no setor público ­[INSEE, 1996d, p. 55].


10 - Relação P90/P10 em outros países (os demais possivelmente estão um tanto "subestimados" por desconsiderarem os assalariados de meio período):




11 - A tabela de desigualdade entre as rendas das famílias francesas inclui todo tipo de renda (a salarial, como visto, é a que mais pesa, mas longe de ser a única)



12 - ...Embora a renda mensal média das famílias residentes na França seja de 2.280 euros, 10% das famílias dispõem de menos de 790 euros, enquanto 10% recebem mais de 4.090 euros — ou seja, uma diferença P90 / P10 de 5,2, em comparação com a diferença P90 / P10 de 3,0 para salários. (...) E tirando o IR? Chegaríamos assim a uma razão P90 / P10 das rendas disponíveis ajustadas pelo tamanho das famílias da ordem de 3,5-4, um pouco superior à da desigualdade dos salários. 


13 - As diferenças P90/P10 da Tabela 5 tratam da renda disponível, isto é, após se considerarem todos os impostos e transferências e de acordo com o tamanho das famílias. É por esse motivo que a França apresenta um valor de 3,5, e não mais 5,2 — de acordo com os dados da Tabela 4 —, além do fato de o estudo da OCDE utilizar dados de origem fiscal de 1984, em vez do levantamento Budget de famille de 2000.



14 - Em contrapartida, as ordens de grandeza podem ser consideradas significativas: entre 1870 e 1994, o poder de compra de um operário foi multiplicado por aproximadamente oito. Na verdade, essa progressão espetacular dos padrões de vida durante o último século capitalista ocorreu em todos os países ocidentais. Por exemplo, o salário-hora de um operário nos Estados Unidos foi multiplicado por onze entre 1870 e 1990 — um aumento médio de cerca de 2% ao ano [Duménil e Lévy, 1996, Capítulo 15], que corresponde mais ou menos ao aumento na França, levando-se em conta a redução do tempo anual de trabalho. (...) Essa diferença de um a dez entre o ocidental de 1870 e o ocidental de 1990 é equivalente, ou mesmo ligeiramente inferior, à diferença entre a renda média de um chinês ou indiano de 1990 e a renda média de um ocidental de 1990, segundo as melhores estimativas disponíveis em matéria de paridade de poder de compra [Drèze e Sen, 1995, p. 213]. (Hoje a coisa já mudou).



15 - "Kuznetizismo" ("inventei" o termo): ...Essa tendência de aumento da desigualdade no século XIX e então de queda a partir da segunda metade do século XIX foi particularmente bem estudada no caso do Reino Unido [Williamson, 1985] e dos Estados Unidos [Williamson e Lindert, 1980]. No último caso, observamos, por exemplo, que a parcela do patrimônio total detido pelos 10% mais ricos passou de cerca de 50% por volta de 1770 para um máximo de aproximadamente 70-80% no fim do século XIX, antes de voltar, em 1970, a um nível da ordem de 50%, típico da desigualdade contemporânea entre patrimônios. As fontes disponíveis sugerem que o mesmo tipo de fenômeno ocorreu em todos os países ocidentais.


16 - Houve grande queda dos 1% mais ricos durante a primeira metade do Século XX na Europa. Ficavam com 20% da renda.



17 - O problema da possível lei de Kuznetz? Ela é, por vezes, apresentada como algo "natural", mas Piketty crê que não e que se trata de algo bastante reversível. (...) as pesquisas mais recentes realizadas na França e nos Estados Unidos [Piketty, 2001; Piketty e Saez, 2003; Landais, 2007] mostram que essa forte redução da desigualdade observada ao longo do século XX não é de forma alguma consequência de um processo econômico “natural”. Ela diz respeito exclusivamente à desigualdade dos patrimônios (a hierarquia dos salários não manifesta tendência a queda no longo prazo) e é decorrente dos choques sofridos entre 1914 e 1945 pelos detentores de patrimônios (guerras, inflação, crise dos anos 1930). A partir de então, a concentração das fortunas e das rendas do capital nunca voltou ao nível astronômico que as caracterizava às vésperas da Primeira Guerra Mundial. A explicação mais verossímil envolve a revolução fiscal que marcou o século XX. Com efeito, o impacto do imposto progressivo sobre a renda (criado em 1914) e do imposto progressivo sobre as heranças (criado em 1901) na acumulação e na transmissão de patrimônios importantes parece ter evitado o retorno à sociedade de rentistas do século XIX.


18 - ...Tanto o é que, a partir de 1980, a coisa começa a querer reverter de novo, especialmente em alguns países (neoliberalismo mais na veia, creio):




19 - ...Nos Estados Unidos, a razão P90 / P10 entre os 10% menos bem pagos e os 10% mais bem pagos cresceu cerca de 20% entre 1970 e 1980, depois outra vez mais ou menos 20% entre 1980 e 1990 — um aumento total de aproximadamente 50% no período


20 - ...Em todos os países ocidentais, a inversão em relação ao período anterior é, portanto, incontestável: assim como a desigualdade dos salários, em todo lugar a desigualdade das rendas parou de decrescer nos anos 1980-1990, aumentando significativamente nos países onde a desigualdade dos salários retomara uma tendência ascendente. A curva de Kuznets de fato morreu.


21 - Nem toda desigualdade vem dos salários: Por exemplo, quase metade do crescimento da desigualdade das rendas das famílias americanas entre 1970 e 1990 deve-se, na realidade, ao aumento da correlação das rendas entre membros de uma mesma família — isto é, ao fato de que as rendas elevadas casam-se cada vez mais com rendas elevadas, ao passo que as famílias mais pobres em geral são constituídas por mães solteiras [Meyer, 1995].


22 - No Canadá, a desigualdade de salários cresceu como nos EUA. Entretanto, as políticas fiscais e sociais por lá manteve praticamente inalterada a distribuição de renda, a qual passou de 4,9 a 5,9 nos Estados Unidos [Atkinson et al., 1995, p. 47]. O P90/P10. Compensaram a coisa. (...) Em diversos países, e principalmente na França, uma relativa estabilidade das diferenças de renda disponível entre famílias só foi possível porque as transferências sociais conseguiram compensar quase toda a perda de renda de ­atividade do número crescente de desempregados.


23 - Além do aumento do desemprego dos anos 80 pra cá (ou até 70), tem-se o mais escamoteado aumento do subemprego. Muita coisa não entra nas estatísticas. É o que sugere, por exemplo, o fato de que apenas 67% das pessoas em idade de trabalhar eram contabilizadas como população ativa na França em 1996, contra mais de 77% nos Estados Unidos, 75% no Reino Unido e somente 68% na Alemanha e 60% na Itália [OCDE, 1996, A22]. A taxa de participação no mercado de trabalho não é um indicador perfeito, pois envolve fenômenos complexos como a participação das mulheres e as aposentadorias antecipadas, mas ainda ilustra certa realidade. Por exemplo, é de conhecimento geral a necessidade de se criar mais de um emprego (cerca de dois) para diminuir os números do desemprego de um desempregado na França, pois parte dos postos de trabalho criados será, na realidade, ocupada por pessoas que não eram contabilizadas na população ativa, mas que estavam prestes a entrar no mercado de trabalho caso empregos adequados aparecessem. O tempo parcial involuntário — ou seja, o número de assalariados trabalhando em tempo parcial que declaram querer trabalhar mais — também se encontra em fortíssima progressão na França [CSERC, 1996, p. 50].


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