Livro: Marcelo de Paiva Abreu - A Ordem do Progresso (2014) - Capítulo 17
Livro: Marcelo de Paiva Abreu - A Ordem do Progresso (2014)
Pgs. 371-395
"CAPÍTULO 17: "ALTERNÂNCIA POLÍTICA, REDISTRIBUIÇÃO E CRESCIMENTO, 2003-2010"
421 - Aqui também texto de Rogério L. F. Werneck. Os primeiros parágrafos ressaltam a surpresa com a mudança rápida de postura do PT no que tange à economia entre 2000 e 2003. Em 2005 a equipe econômica chegou até a propor medidas de ajuste fiscal a longo prazo para conter a rápida expansão de gastos do governo. Mas, com a brusca mudança do quadro político que se seguiu à eclosão do escândalo do mensalão, a correlação de forças dentro do governo mudou e o cálculo político do Planalto passou a ser dominado por preocupações mais imediatas.
422 - No final do ano 2000, o PT ainda estava fazendo o plebiscito informal pelo não-pagamento dos juros das dívidas. A consulta popular contava com o apoio explícito e determinado da elite dirigente do PT. O deputado José Dirceu, então presidente do partido, chegou a apresentar projeto de decreto legislativo oficializando o plebiscito. E economistas mais proeminentes e, supostamente, menos radicais do PT haviam tomado o cuidado de publicar artigos assinados na imprensa dando respaldo pessoal ao plebiscito. Na Carta ao Povo Brasileiro (junho de 2002), o discurso já era bem outro - e aquém do que seria a prática -: “Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo honrar seus compromissos.”
423 - O que fazer com a "herança maldita"? (...) naquele quadro adverso, o governo recém-eleito tinha pela frente uma extraordinária oportunidade. Se fizesse o que precisava ser feito, poderia, em poucos meses, derrubar o risco-Brasil e reduzir em muito a taxa de juros, abrindo caminho para uma retomada sustentada de crescimento. Afinal não havia ninguém melhor que o próprio Presidente Lula para convencer os mais céticos de que o PT de fato havia mudado. (...) Tentando apaziguar uma centena de prefeitos petistas reunidos, em Brasília, em meados de fevereiro de 2003, o presidente sublinhou a importância de evitar mudanças muito pronunciadas na condução da política econômica. Ponderou que “o Brasil não era um Fusquinha, que podia dar um cavalo de pau. Era um transatlântico. Se a virada não fosse feita aos poucos, poderia afundar”. O PT, no entanto, resistia e fazia críticas.
424 - Ilustrativo dessas resistências um tanto veladas foram as reações à decisão de elevação da meta de superávit primário para 2003, de 3,75% para 4,25% do PIB. Foi vista com perplexidade porque não havia sido exigida pelo FMI. Sentindo-se pressionado pelo partido, o governo saiu-se com a explicação de que a decisão havia sido ditada pela preocupação com as possíveis consequências da eclosão de novo conflito militar no Oriente Médio. Uma meia verdade, se tanto. No quadro econômico que estava sendo enfrentado, a anunciada elevação do superávit primário era um passo fundamental para abrir espaço para a paulatina redução de taxas de juros. Uma medida mais do que recomendável. Em qualquer cenário. Com ou sem guerra. Não houvesse a perspectiva de guerra, o que alegaria o governo? A elevação da taxa de juros também era muito mal vista. De toda forma, coloca Werneck que, com taxa oficial de inflação, medida pelo IPCA, acima de 13% ao ano, endividamento do setor público em trajetória explosiva e mercados financeiros tomados pela desconfiança, a situação exigia a adoção de medidas ortodoxas.
425 - A balança comercial e o cenário externo foram bem em 2003. O déficit em conta corrente virou um bom superávit. Dólar caiu bastante e o risco país também. Mercado começava a confiar no novo governo. Em 2004, haveria bom crescimento do PIB com queda da inflação. Em meados de 2003, o sucesso do empenho do governo na aprovação de emendas constitucionais politicamente desgastantes, relacionadas às reformas previdenciária e tributária, tornou bem mais crível a ideia de que o Planalto poderia, sim, mostrar a convicção requerida. À medida que o nível de incerteza caiu e o vigoroso aperto da política monetária se fez sentir sobre a inflação, o Banco Central afinal encontrou espaço para reduzir a taxa básica de juros de 26,5%, em maio de 2003, para 16% em maio de 2004. O que abriu caminho para rápida recuperação do nível de atividade que, para o governo, empenhado em manter as críticas do PT sob controle, se mostrou absolutamente providencial.
426 - A queda de Dirceu e Genoíno - renúncias causadas pelo mensalão - levam a ascensão de figuras até então secundárias no partido, como Dilma Rousseff.
427 - Como os gastos primários da União vinham crescendo ao dobro da taxa de crescimento do PIB, os ministros Antonio Palocci, da Fazenda, e Paulo Bernardo, do Planejamento, propuseram medidas de contenção dessa expansão. (...) Eram apenas medidas que moderassem o crescimento desmedido de dispêndio que vinha sendo observado desde meados dos anos 1990, de forma a ampliar as possibilidades de queda da taxa de juros e abrir espaço para o investimento público e para uma redução paulatina da carga tributária. (...) A ideia era assegurar que a expansão do gasto público passasse a se dar a uma taxa inferior à taxa de crescimento do PIB. (...) O programa de ajuste fiscal de longo prazo teria de estar focado na atenuação da expansão do dispêndio previdenciário, no controle do gasto com funcionalismo e em medidas de desvinculação do processo orçamentário. A proposta foi duramente criticada por Dilma, Mantega e boa parte do partido. E, na nova situação política, o presidente resolveu não dar seguimento à mesma.
428 - Desgastado por uma acusação de abuso de poder, na solução de pendência de caráter pessoal, Antonio Palocci acabou tendo de se demitir do cargo de ministro da Fazenda no final de março de 2006.
429 - Por que frear gastos se a situação fiscal vinha equilibrada? (...) a perspectiva de rápido aumento da arrecadação erodiu o apoio dos que haviam sido convencidos de que o ajuste era a única forma de abrir espaço para aumento de gastos discricionários no segundo mandato. O bom desempenho da arrecadação em 2006 ajudou a enterrar de vez o projeto.
430 - O BC, contudo, continuava ortodoxo. Após novo ciclo de aperto monetário, entre setembro de 2004 e outubro de 2005, o Presidente Lula chegou ao final do primeiro mandato podendo ostentar uma inflação anual de 3,1% e três anos de vigoroso crescimento econômico. A taxa média de crescimento do PIB no período 2004-2006 foi de quase 4,3%. E graças ao bom desempenho da economia, o presidente foi reeleito, em segundo turno, no final de 2006.
431 - O segundo mandato foi o do PAC. Foi natural que a reeleição deixasse o governo muito mais confiante. Em 2007, primeiro ano do novo mandato, a preocupação com o ajuste fiscal logo cedeu lugar à defesa ostensiva da expansão do gasto público, na esteira do espetacular desempenho de receita tributária propiciado pela combinação da recuperação da economia com o aumento de eficiência da máquina arrecadadora. A preocupação com as contas da Previdência logo se converteu em negação peremptória da necessidade de reformas na área previdenciária.
432 - A queda da CPMF ao fim de 2007: No Congresso, (...) ganhou força a ideia de negar ao governo acesso tão fácil a recursos fiscais, num momento em que a receita federal já vinha mostrando expansão real de mais de 10% ao ano. (...) É bem possível que um cronograma de redução generosa de alíquota tivesse sido suficiente para quebrar as resistências da oposição. Mas o Planalto preferiu um jogo de tudo ou nada (...).
433 - O bom cenário externo era, digamos assim, outro motivo para não se pensar em reformas estruturais: Infladas pelo boom de preços de commodities, as exportações continuavam mostrando dinamismo excepcional. De US$96,5 bilhões, em 2004, saltaram para US$160,6 bilhões, em 2007. E o superávit da balança comercial manteve-se acima de US$40 bilhões anuais por todo o período 2005-2007. Essa posição externa tão confortável, reforçada por vigoroso influxo de investimento estrangeiro direto, da ordem de US$23 bilhões por ano, no triênio, vinha exigindo intensa acumulação de reservas internacionais pelo Banco Central para, na medida do possível, conter a apreciação cambial. Ainda assim, rolou.
434 - O ano de 2008 foi marcado por críticas de Mantega em relação ao BC. Especialmente depois que o Banco Central, preocupado com a reaceleração da inflação, voltou a elevar a taxa de juros em meados de abril de 2008. O BC se tornava uma espécie de último bastião da ortodoxia e parecia que Meirelles seria substituído por algum desenvolvimentista a qualquer momento. Com a crise mundial de 2008, a prudência voltou ao cenário, porém.
435 - Redistribuição de renda também foi um item importante para a eleição de Lula. Depois de um período inicial de indefinição, em que se chegou a contemplar o desafio logístico de assegurar distribuição física de alimentos a famílias carentes país afora, o Fome Zero evoluiu rapidamente para o Bolsa Família, um programa mais abrangente de transferência de renda, resultante, em boa medida, da unificação, em outubro de 2003, de programas mais específicos criados no governo anterior. (...) O número de famílias beneficiadas saltou de 3,6 milhões, em 2003, para 11 milhões, em 2006, e chegou a 12,8 milhões, em 2010, ao final do segundo mandato do Presidente Lula. No mais, vale dizer que o gasto anual total não ultrapassava 0,4% do PIB. Ou seja, pouco mais de 1% do orçamento anual. Mais custoso era o reajuste do salário mínimo sempre acima da inflação, já que cerca de 15 milhões de pessoas recebiam benefícios previdenciários atrelados ao salário mínimo. A ideia, nesse último caso, era, também, fortalecer os pleitos dos trabalhadores em suas negociações salariais. No segundo mandato, a evolução do salário mínimo passou a ser pautada por regra estabelecida em acordo do governo com as centrais sindicais, que previa percentual de reajuste igual à taxa de inflação acumulada no ano anterior acrescida da taxa de crescimento do PIB de dois anos antes. No mais, em dezembro de 2010, a taxa de desemprego havia sido reduzida à metade da observada em dezembro de 2002. Caíra de 10,5% para 5,3%.
436 - Coloca que o aumento do custo unitário do trabalho mais a apreciação cambial dificultavam a competitividade da economia brasileira.
437 - Lula e as grandes empresas: Os subsídios eram superiores ao que se gastava com bolsa-família. Entre tais programas não podem deixar de ser citados a política de escolha de “campeões nacionais” promovida pelo BNDES, os vultosos empréstimos subsidiados de longo prazo concedidos pelo banco, financiados pelo Tesouro com recursos provenientes da emissão de dívida pública, e os privilégios conferidos a produtores nacionais de bens de capital pela exigência de percentuais elevados de conteúdo local nos equipamentos utilizados na exploração do pré-sal.
438 - O PAC: Nas áreas de energia e rodovias, por exemplo, o governo havia decidido partir para a simples estatização da expansão que se fazia necessária. O marco do pré-sal, por exemplo, exigiu Petrobras em 30% (mínimo) do consórcio em cada campo e também regras de utilização de conteúdo local. Por fim, os projetos do PAC enfrentavam grandes dificuldades técnicas (quando não corrupção, como aconteceu no DNIT). Em 2007, o dispêndio primário do governo federal era de cerca de 18% do PIB. E os investimentos não chegavam a 1% do PIB. Esse quadro de atrofia do investimento público permaneceria em boa medida inalterado até o final do segundo mandato, apesar da farta disponibilidade de financiamento.
439 - Crise mundial do fim de 2008: Em 2009, houve queda expressiva do PIB em todas as seis maiores economias desenvolvidas: EUA (-2,8%), Japão (-5,5%), Alemanha (-5,1%), França (-3,1%), Reino Unido (-5,2%) e Itália (-5,5%). Coloca que o Brasil passou bem porque tinha reservas e o tripé ainda arrumado. Superávit fiscal, por exemplo, ainda era mantido em torno de 3,4% do PIB, entre 2006 e 2008.
440 - E esta leitura aqui? Seria exagerada ou não?: A atribuição de grau de investimento à dívida soberana do país, pelas agências de avaliação de risco, no início de maio de 2008, exatamente quando a permanência do presidente do Banco Central no cargo estava por um fio, é a melhor evidência de que as percepções externas continuavam dominadas por essa visão já um tanto desatualizada da condução da política econômica. Curiosamente, foi a obtenção defasada dessa chancela externa que, subitamente, deu sobrevida a Henrique Meirelles e impediu que prosperassem as pressões pela sua substituição que vinham sendo feitas pelo Ministério da Fazenda e pela Casa Civil. O agravamento da crise externa acabaria por lhe dar sobrevida adicional, até o final do mandato presidencial, ainda que num quadro de permanente tensão entre o Banco Central e Ministério da Fazenda.
441 - Contas externas na crise tiveram recuperação em V: O superávit da balança comercial que já havia caído de US$40 bilhões, em 2007, para pouco menos de US$25 bilhões, em 2008, permaneceu acima de US$20 bilhões nos dois anos seguintes. E o influxo de investimento estrangeiro direto, que caíra de US$45 bilhões, em 2008, para pouco menos de US$26 bilhões, em 2009, saltou, no ano seguinte, para mais de US$48 bilhões. Ao final de 2010, as reservas internacionais, de quase US$290 bilhões, superavam em cerca de 50% o nível do final de 2008. Entre agosto de 2008 e o início de março de 2009, no auge da apreensão com os desdobramentos da crise mundial, houve forte depreciação cambial. A taxa passou de RS$1,56/US$ a mais R$2,40/US$. Mas logo em seguida voltou a se valorizar. Apesar da intensa acumulação de reservas, o câmbio chegou ao final de 2010 a menos de R$1,67/US$.
442 - É falsa a ideia de que a crise teria despertado o governo para a importância de reforçar a intervenção do Estado na economia. Na verdade, a crise foi apenas o pretexto. (...) mesmo quando a economia deu mostras de já estar em franca recuperação, no final de 2009, o governo, ainda inseguro com as perspectivas de sua candidata, decidiu que não era o momento de correr riscos políticos desnecessários. E intensificou o expansionismo fiscal em 2010.
443 - Superávit primário caiu pra cerca de 2% em 2009, mas, ao que entendi, isso é sem contar a expansão de gastos via BNDES. Boa parte da expansão fiscal passou a se dar por fora do orçamento, com base num artifício contábil que permitiu ao Tesouro transferir centenas de bilhões de reais ao BNDES, sem que isso afetasse as contas de resultado primário e de dívida líquida do governo. (...) O BNDES foi agraciado pelo Tesouro com empréstimos de 30 anos e juros pesadamente subsidiados. Para bancar tais empréstimos, o Tesouro teve de emitir dívida. E isso inflou a dívida bruta, mas não a dívida líquida, porque, ao calculá-la, o Tesouro se permitiu abater da dívida bruta, como ativos, os créditos de 30 anos que havia constituído junto ao BNDES. (...) As estatísticas de dívida líquida do governo federal mostram que, em dezembro de 2010, os créditos do Tesouro junto ao BNDES haviam atingido cerca de R$236 bilhões. Pode-se verificar que R$28,8 bilhões foram acumulados ao longo de 2008, R$93,8 bilhões em 2009 e R$107,5 bilhões em 2010. Em porcentagem do PIB, tais valores correspondem a aproximadamente 1,0%, 2,9% e, novamente, 2,9%.
444 - ...O autor vai chamar todas as manobras de alquimia contábil, praticamente. Na contramão desses fluxos, parte dos recursos repassados do Tesouro ao BNDES foi repassada de volta ao Tesouro, em operações cuidadosamente concebidas para dilatar artificialmente a cifra de superávit primário do governo. De início, tais operações envolveram compra pelo BNDES de direitos do Tesouro a dividendos futuros da Eletrobras e pagamentos de dividendos particularmente generosos do próprio BNDES ao Tesouro. Posteriormente, envolveram também subscrições de ações da Petrobras pelo BNDES, com recursos emprestados pelo Tesouro, de forma que, na gigantesca operação de capitalização da empresa em 2010, o governo conseguisse aumentar em muito sua participação direta e indireta no capital da empresa e, ao mesmo tempo, “melhorar” substancialmente seu superávit primário. (...) De acordo com os dados oficiais, o superávit primário do setor público teria aumentado de 1,9% do PIB, em 2009, para 2,7% do PIB, em 2010. Estimativas mais cuidadosas, contudo, detectaram que, eliminados os efeitos das manipulações contábeis, o superávit primário foi, de fato, substancialmente reduzido entre 2009 e 2010.
445 - ...Recorrendo-se a uma conta rápida, pode-se dizer que, de 2008 e 2010 o governo mobilizou nada menos que R$305 bilhões de recursos extraorçamentários para investimento: cerca de 9,3% do PIB de 2009. R$230 bilhões, provenientes de emissão de dívida pelo Tesouro, entregues ao BNDES, e R$75 bilhões de reservas de petróleo – que poderiam ter sido licitadas – entregues à Petrobras. Aqui ele chega, talvez, a exagerar, afinal, muita coisa me parece que não saiu do papel: Não havia projeto de investimento, por mais dispendioso que fosse, do trem-bala a usinas hidrelétricas na Amazônia, que não pudesse ser bancado com dinheiro público.
446 - ...Na esteira de um vigoroso impulso fiscal, alimentado por forte expansão de gasto público e novas e vultosas transferências do Tesouro ao BNDES, as dificuldades de 2009 foram deixadas para trás e o PIB cresceu nada menos que 7,5% em 2010, ainda que às custas de forte aceleração da inflação.
447 - Faz uma crítica meio solta à política externa também. Não desenvolve. Deixando de lado a agenda de integração competitiva da economia brasileira à economia mundial, preferiu a aposta, que se revelou decepcionante, nas relações Sul-Sul e no aprofundamento da integração econômica regional, especialmente com a Argentina e a Venezuela, no âmbito do Mercosul.
448 - Por fim, sugere certa herança ruim de Lula pra Dilma. Inflação de 4,5% antes já queria passar de 6% agora. Ademais, os investimentos resultaram em crescimento bem abaixo do previsto e não cresciam além de certo ponto. Havia "restrições de oferta". Levaria algum tempo para que, afinal, se convencesse de que a economia estava restrita pela expansão da oferta, com sérios problemas de escassez de mão de obra, crescimento lento de produtividade, deficiências de infraestrutura, insuficiência generalizada de investimentos, baixa competividade externa e carga tributária excessiva.
FIM!
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