Livro: Marcelo de Paiva Abreu - A Ordem do Progresso (2014) - Capítulo 16

                                 

Livro: Marcelo de Paiva Abreu - A Ordem do Progresso (2014)



Pgs. 345-370


"CAPÍTULO 16: "CONSOLIDAÇÃO DA ESTABILIZAÇÃO E RECONSTRUÇÃO INSTITUCIONAL, 1995-2002"


393 - Texto de Rogério L. F. Werneck. O quadro herdado por FHC era otimista, mas havia um "pequeno" detalhe: o desequilíbrio fiscal, sem a inflação, voltou mais forte que o esperado. O controle das contas públicas vinha sendo ajudado, há muitos anos, pelos efeitos assimétricos da alta inflação sobre as finanças públicas. Do lado da receita, o valor real da arrecadação vinha sendo razoavelmente preservado, graças a mecanismos de indexação que haviam sido introduzidos na legislação tributária. Já do lado do dispêndio, os três níveis de governo vinham tirando bom proveito da inflação para manter as contas sob controle, tendo em conta a defasagem entre a aprovação do orçamento e o efetivo desembolso dos recursos. Quando as verbas eram afinal desembolsadas, o valor real do gasto já tinha sido substancialmente erodido pela inflação.


394 - ...Outra dificuldade adveio da súbita redução da receita de senhoriagem que o regime de alta inflação vinha propiciando ao sistema bancário. Sem poder mais contar com essa fonte tão importante de recursos, as instituições financeiras mais frágeis – alguns dos maiores bancos privados e a maior parte dos bancos estaduais – tiveram de sofrer intervenção do Banco Central.


395 - No início de 1995, no entanto, o agravamento do quadro externo, em decorrência da desestabilização causada pela crise mexicana, passou a alimentar temores de que a política cambial que havia sido concebida para ancorar a inflação pudesse levar a rápida deterioração da balança comercial. Em tese, a política fiscal teria que ter sido muito mais austera para manter aquele câmbio ali. Durante o primeiro mandato, FHC, talvez pela folga cambial com as privatizações, não quis mexer nem no fiscal nem no câmbio fixo como âncora. Especialmente nos dois primeiros anos, a fim de consolidar a nova moeda. Havia correntes no governo querendo puxar para um lado ou para o outro. Tanto a desvalorização (uma das soluções) como o ajuste fiscal (a outra) só viriam no segundo mandato. O superávit primário do setor público como um todo caiu, de 5% do PIB em 1994, para perto de zero em 1995.


396 - ...Tudo isso teria um custo: Ao permitir que a deterioração das contas externas e das contas públicas avançasse, o governo deixou a economia brasileira especialmente vulnerável aos dois fortes choques externos a que foi submetida na segunda metade do primeiro mandato de FHC. Mal refeita do impacto da Crise Asiática, em 1997, a economia foi exposta aos efeitos desestabilizadores da Crise Russa, em 1998, e arrastada para grave crise cambial, no início de 1999, dois meses após a reeleição do presidente em primeiro turno. O ajuste fiscal só viria, forçado, entre fim de 98 e especialmente março de 1999, especialmente do lado das receitas. Surgia o tripé.


396 - Segundo mandato: Respaldado por gigantesco programa de resgate, patrocinado pelo FMI e pelo Tesouro norte-americano, o governo conseguiu evitar que a crise cambial desencadeasse fragilização do sistema financeiro e uma recessão prolongada e profunda. Em poucos meses, na esteira da reconstrução de confiança propiciada pelo novo arcabouço de política macroeconômica, a economia voltou, em boa medida, à normalidade. Em 2001, porém, viriam a piora da crise argentina e a crise do apagão: Além de altamente impopular, o racionamento de energia elétrica teve efeitos devastadores sobre expectativas de consumidores e investidores e pôs fim à retomada de crescimento econômico ensaiada em 2000.


397 - O ano de 1995 foi marcado por turbulência e até alguma indecisão inicial do governo sobre pra onde levar ou manter o câmbio. Mais ou menos no segundo trimestre a questão foi contornada. A imposição de medidas severas de contenção de demanda, a partir de abril, já tinha permitido rápida melhora da situação. A balança comercial voltou a ser superavitária em meados do ano e a queda do nível de atividade acabou refreando em muito a taxa de variação dos preços de serviços durante o segundo semestre. As altas taxas internas de juros – combinadas com perspectivas inflacionárias cada vez mais favoráveis e com a aprovação pelo Congresso das reformas referentes ao capítulo da ordem econômica da Constituição – deram forte estímulo à entrada de capitais externos ao longo do segundo semestre de 1995. No final do ano, o nível das reservas internacionais já era US$10 bilhões mais alto do que o de antes da crise mexicana. E a taxa mensal de inflação havia baixado a menos de 1%.


398 - Bancos estaduais e outras instituições financeiras davam trabalho no início do Real. Alguns tentaram surfar o boom de consumo dos primeiros meses, ampliando o crédito, e, agora, com a economia mais "apertada", passavam dificuldades. A intervenção no Banco Econômico marcou o início de um período de tensão no sistema financeiro, que inevitavelmente levou as instituições mais sólidas a adotar políticas mais conservadoras, que acabaram por amplificar ainda mais o encolhimento de crédito que havia sido imposto pelas Autoridades Monetárias.


399 - Sobre a questão fiscal como um todo (ver ponto 395 acima), o governo federal precisava apertar os demais entes. Reforma administrativa e controle ou privatização relativos aos bancos estaduais estavam nos planos. Por que não aconteceu isso logo? Na verdade, logo ficaria claro que o governo estava considerando seriamente a possibilidade de dar uso distinto ao vasto capital político que acumulara na esteira do sucesso do Plano Real. No início de 1996, ganhou força em Brasília a ideia de extrair do Congresso emenda constitucional que permitisse a reeleição do presidente. Mas a ideia já vinha sendo aventada há mais tempo. E, dessa perspectiva, já não parecia prudente antagonizar prefeitos, governadores de estado e a ampla coalizão que vinha dando apoio ao governo no Congresso com medidas severas de ajuste fiscal. As contas públicas continuariam a se deteriorar ao longo de 1996. (Cita matérias da época, já do final de 1995, sobre a ofensiva pela reeleição).


400 - Coloca que a reforma previdenciária - bem como outras, tipo a tributária e administrativa - pretendida era muito complexa/abrangente para passar no Congresso (A previdenciária inclusive foi apresentada apressadamente e, num primeiro momento, fracassou). Mesmo os partidos de direita criariam dificuldades. Assim sendo, FHC focou nas medidas mais possíveis. No segundo trimestre de 1995, o governo obteve avanços de grande importância no programa de reformas, ao extrair do Congresso a aprovação de emendas de concepção relativamente simples, relativas ao capítulo da Ordem Econômica da Constituição, que permitiram abrir caminho para a ruptura do monopólio estatal nos setores de petróleo e gás e para a privatização do setor elétrico e do setor de telecomunicações.


401 - O caminho da privatização: Foi necessário alterar a Constituição para flexibilizar o monopólio da Petrobras (Emenda Constitucional n. 9) e para permitir a entrada de empresas privadas em setores como telecomunicações (Emenda Constitucional n. 8) e gás (Emenda Constitucional n. 5). Foi também aprovada a Emenda Constitucional n. 6, que suprimiu distinções no tratamento de empresas nacionais e estrangeiras. As quatro emendas foram aprovadas pelo Congresso em 1995. O processo de privatização exigiu também mudanças importantes na legislação infraconstitucional. A reformulação da legislação sobre concessões de serviços públicos (Leis nº 8.987 e nº 9.074, de 1995) foi fundamental para viabilizar a privatização nos setores de petróleo, energia elétrica e telecomunicações. (...) Entre 1995 e 2002, as receitas de privatização em todos os níveis de governo somaram o equivalente a US$78,6 bilhões (...) além de redução de dívida de US$14,8 bilhões. Cerca de 70% desse total foram obtidos em 1997-1998 e 53% corresponderam a aquisições por empresas estrangeiras (em contraste com 5% em 1990-1994). Vale, bancos, elétricas (distribuidoras), telecomunicações, ferrovias, rodovias etc. Amplo leque.


402 - Já no segundo mandato: Além de modestas privatizações adicionais na petroquímica, cerca de US$4,8 bilhões foram apurados, em 2000-2001, com a venda por oferta pública de ações da Petrobras. (...) A ANP promoveu leilões de 157 blocos exploratórios entre 1999 e 2002, dos quais 88 foram arrematados por um valor total próximo a R$1,5 bilhão. Tais leilões permitiram a entrada de empresas privadas na exploração e produção de petróleo. Houve também entrada de empresas privadas na distribuição de gás natural, apesar da manutenção do controle de terminais e gasodutos pela Petrobras.


403 - Não obstante a retórica de abertura comercial que marcou o esforço de estabilização que deu lugar ao Plano Real, houve reversão da liberalização comercial no início do período FHC. A tarifa efetiva média da economia aumentou de 13,6%, em 1994, para 17,1%, em 1995, e 18,7%, em 1999. Como já mencionado acima, a apreensão com a deterioração das contas externas que se seguiu à crise mexicana, foi usada como pretexto para a restauração de barreiras comerciais que haviam sido reduzidas em 1994. A combinação de tarifas muito altas sobre importações de automóveis, de um lado, com tarifas de importação de autopeças especialmente baixas, de outro, deu lugar a um “regime automotivo”, montado em comum acordo com a Argentina, com tarifas de importação efetivas de mais de 200% em 1996.


404 - Em 1993 houve o chamado período de revisão constitucional. Emendas podiam ser aprovadas por mera maioria absoluta. Parecia haver já uma ideia de colocar mandato de quatro anos com reeleição. Surgiram, porém, impasses de última hora. O que, afinal, se aprovou foi um mandato presidencial de quatro anos, sem reeleição.


405 - Novamente a falta de ajuste fiscal é vinculada à questão da reeleição. No BNDES, abriu-se aos governadores um guichê de facilidades que induziu a postergação de esforços de ajustes nos estados. E o resultado primário do setor público continuou em franca deterioração. Era uma manobra difícil. ...o Planalto tinha boas razões para temer que mesmo partidos que compunham a vasta coalizão que lhe dava sustentação no Congresso poderiam não estar dispostos a dar, de graça e tão cedo, tanto espaço de manobra adicional ao presidente. Ademais, alguns deputados queriam se candidatar a prefeito em 2000 e temiam o instituto da reeleição. O Executivo queria resolver a questão logo, mas o Legislativo queria um jogo bem lento. Parlamentares, governadores e outros atores políticos com assento nessa mesa de jogo estavam fascinados com o poder de barganha com que poderiam contar até que a emenda fosse aprovada. E não queriam, é claro, abreviar mais do que lhes parecia necessário, um período de excepcional bonança política. A primeira aprovação veio em janeiro de 1997. Enquanto isso, contas externas e fiscal pioravam.


406 - Coloca que o governo tinha correntes internas em sentido contrário à ideia de abertura, pregando volta do protecionismo mais firme e apoio a setores deficitários. Tudo isso gerava alguma incerteza sobre os rumos. Também havia disputa sobre o que fazer com o dinheiro das privatizações. Investir via BNDES? Em meados de 1997, o presidente interveio na disputa sobre a questão, impondo uma decisão supostamente salomônica: metade dos recursos gerados pelo programa de privatização seria destinada ao resgate de dívida pública e a outra metade ao financiamento de investimentos pelo BNDES. Parte do PSDB queria, ainda, a desvalorização do câmbio, buscando crescimento, mesmo sem ajuste fiscal prévio (exigência da outra corrente do partido).


407 - A realidade se sobrepôs à vacilação nos rumos da política econômica: O alarme soou em julho de 1997, quando o ataque especulativo à Tailândia deflagrou uma onda de dificuldades similares em países vizinhos, dando lugar ao que passou a ser conhecido como Crise Asiática. A fim de diminuir a crescente vulnerabilidade externa. FHC decidiu, por exemplo, que as receitas da privatização iriam pra tentar controlar a dívida. À medida que a crise ganhou força na Ásia, alcançou Hong Kong e passou a ameaçar a Coreia do Sul, o Brasil tornou-se alvo óbvio de ataque especulativo. As armas do Brasil foram uma taxa de juros de mais de 40% e promessa de ajuste fiscal de 2%. Funcionaram para contornar a turbulência até 1998. Como as eleições gerias se aproximavam, o ajuste fiscal voltou temporariamente pra gaveta. 


408 - Vem a realidade outra vez - a Crise da Rússia no caso. A declaração de moratória pela Rússia, em agosto de 1998, colheu o governo – e o país –, em posições extremamente vulneráveis. Com uma eleição tão importante a menos de dois meses, o governo se viu paralisado, impossibilitado de reagir como deveria ao devastador processo de contágio que havia sido deflagrado. Logo se disseminaram, entre as forças que apoiavam FHC, temores de que o alto risco econômico que o governo decidira assumir meses antes estivesse sendo rapidamente convertido em inequívoco risco político, que lançava sérias dúvidas sobre o sucesso do projeto de reeleição


409 - ...No início de setembro, o governo entendeu que não teria como esperar mais quatro semanas, até as eleições, para se mostrar mobilizado com a assustadora perda de reservas internacionais que o agravamento da crise vinha provocando. (...) E, depois de quatro longos anos de resistência à adoção de metas fiscais claramente fixadas, deixou claro que, passadas as eleições, seriam anunciadas metas bem definidas de desempenho fiscal para o mandato presidencial que teria início em janeiro de 1999. Tais medidas foram reforçadas, em meados de setembro, por um pronunciamento de FHC à Nação, em tom severo, no qual o presidente tentou transmitir a extensão do seu compromisso com a imposição de um vultoso ajuste fiscal. No início de outubro, quando, afinal, o país foi às urnas, a maioria dos eleitores, preocupada com a gravidade da situação econômica e resistente aos excessos do discurso radical da oposição, decidiu, em primeiro turno, que seria mais prudente reeleger o presidente.


410 - Poucas semanas depois da eleição, o governo afinal anunciou um “programa de estabilidade fiscal”, quase todo baseado em elevação de carga tributária, que permitiria elevar o superávit primário do setor público, de perto de zero no final de 1998, a 2,6% do PIB em 2001. E, com isso, estabilizar a dívida líquida do setor público em torno de 44% do PIB. Reforma previdenciária e LRF também estavam no bolo de medidas. Aprovada em 2000.


411 - A desvalorização de 1999 foi solucionada pelo tripé. O controle da situação começou a ser restabelecido no início de março, quando a nomeação de uma nova diretoria do Banco Central, comandada por Armínio Fraga, abriu caminho para uma renegociação do acordo com o FMI. Juros já estavam a 45% e a dívida pública, muito dependente do câmbio, galopava. Uma dinâmica de dívida tão adversa passara a exigir um ajuste fiscal vultoso, bem maior do que fora contemplado pelo esforço de consolidação fiscal anunciado poucos meses antes. E era este o primeiro objetivo do programa.


412 - ...Na esteira de um potente círculo virtuoso, houve melhora surpreendentemente rápida da situação econômica do país entre março e julho de 1999. O clima de alarme que havia sido gerado pelas proporções assustadoras do processo de desestabilização ajudou o governo a mobilizar sólida coalizão no Congresso e superar, com relativa facilidade, as resistências à aprovação das medidas de ajuste que se faziam necessárias. No combate à inflação, o quadro logo se tornou bem menos adverso. Os efeitos do choque inflacionário deflagrado pela desvalorização mostraram-se mais fáceis de acomodar do que se temia. E à medida que avaliações menos pessimistas das contas públicas e do quadro inflacionário começaram a prevalecer, uma vigorosa resposta do influxo de capitais gerou rápida apreciação da taxa de câmbio que, por sua vez, abriu espaço para que o Banco Central fizesse a taxa de juros de desabar de 45% em março para menos de 20% no final de julho. (...) A essa altura também já havia ficado claro que o impacto da crise sobre o nível de atividade seria bem menor do que a queda de 3,5% a 4% no PIB que o próprio governo tinha previsto em março. Na verdade, a economia acabaria mostrando pequena expansão de 0,3% do PIB em 1999.


413 - Em que pese o ajuste predominantemente pelo lado da receita, com base na imposição de tributos cumulativos altamente distorcivos... O ano 2000 estava fadado a ser o melhor ano do segundo mandato de FHC. A inflação seria mantida em 6%, em perfeita obediência à meta. E o déficit primário consolidado do setor público, que chegara a 1% do PIB em 1997, seria convertido em superávit de 3,3% do PIB. O crescimento econômico foi de 4,3%. Só a balança comercial que demorava a virar relevantemente superavitária, como se esperava no pós-desvalorização.


414 - O ano de 2001 já começou com maus sinais no cenário externo. Já em fevereiro, a rápida deterioração da situação econômica na Argentina expôs a economia brasileira a nova onda de contágio, justo num momento em que as perspectivas da economia mundial estavam se tornando menos promissoras. Após uma longa década de expansão, a economia norte-americana parecia estar desacelerando. Logo depois, viriam, nesta ordem, a crise do apagão e os atentados de onze de setembro. A taxa básica de juros teve de ser substancialmente elevada de 15,25%, em fevereiro, para 19%. E o Banco Central enfrentava dificuldades para manter a inflação na meta. A disseminação do pessimismo vinha tendo impacto fatal sobre a confiança de investidores e consumidores. Previsões de crescimento econômico para 2001 vinham sendo sistematicamente reduzidas. A conjunção de taxas de juros mais altas com a rápida depreciação do câmbio reavivou apreensões com a dinâmica da dívida do setor público. Nesse quadro, a preocupação do governo com os efeitos de uma debacle de grandes proporções na Argentina levou à negociação de um novo acordo preventivo com o FMI, em agosto, envolvendo um programa de apoio de US$15 bilhões.


415 - Do fim do ano para o início de 2002, os problemas até estavam sendo resolvidos, mas a proximidade das eleições, especialmente a partir de abril, com liderança do PT, começou a causar apreensão nos capitalistas. Ainda mais com o racha oficial em março entre PFL e PSDB (batida da PF na casa de Roseana Sarney). A taxa de câmbio saltou de R$2,4/US$ no começo de março para 3,4 no final de julho, quando o risco Brasil, medido pelo EMBI, superou a marca de 2.400 pontos-base. Buscou-se o FMI que, por sinal, esteve atribulado já tendo que resgatar economias do porte de Argentina e Turquia pouco antes.


416 - No final de junho, Lula foi convencido a publicar uma carta aberta à Nação – “Carta ao Povo Brasileiro” –, na qual tentava acalmar os mercados financeiros, ressaltando seu compromisso com princípios básicos de uma política macroeconômica coerente. Mas os mercados mostraram-se céticos, para dizer o mínimo.


417 - O novo acordo com o FMI, envolvendo o maior empréstimo até então concedido pela instituição – US$30 bilhões, num período de 15 meses –, foi anunciado no início de agosto. A maior parte do desembolso estava prevista para 2003, primeiro ano do mandato presidencial que estava prestes a ter início. US$24 bilhões estariam à disposição do novo governo. Após certa hesitação inevitável, todos os candidatos presidenciais relevantes, Lula inclusive, tiveram encontros separados com FHC e se comprometeram a cumprir os pontos essenciais do acordo. Foi um rito de passagem da maior importância. E que abriu a Lula espaço de manobra para abandonar o discurso mais radical e se mover decisivamente para o centro.


418 - ...Enquanto o PT tentava aplacar os mercados financeiros, o governo em final de mandato tentava manter a situação sob controle. Logo após o primeiro turno, o Banco Central afinal deflagrou um aumento em três etapas da taxa de juros, que elevou a taxa básica de 18% para 25%. O ano chegou ao fim com a taxa de câmbio em R$3,5/US$, em franco movimento de apreciação, e o risco-país, medido pelo EMBI, em 1.400 pontos-base, em clara tendência de queda.


419 - ...O crescimento do PIB havia sido reduzido para 1,3%, em 2001, e 2,7%, em 2002. Em meio à adversidade, o regime de câmbio flutuante tinha provado ser de grande ajuda, ao permitir que a economia vergasse sem quebrar. Mas a desvalorização deflagrara um choque inflacionário preocupante. Com a expectativa de inflação anual chegando a 13% no final do ano, havia um grande desafio à frente para o recém implantado regime de metas para a inflação e para o Banco Central do novo governo. Mas a depreciação também tivera um efeito positivo de grande importância. O tão esperado ajuste na balança comercial estava afinal se fazendo sentir. Ao longo do segundo mandato de FHC, tinha havido uma melhora de US$20 bilhões na balança comercial, que ajudara a reduzir o déficit em conta corrente de US$33,4 bilhões, em 1998, para US$7,6 bilhões, em 2002. O problema maior era a dívida nesse combo "mais desvalorização" e "juros altos". 


420 - O lado bom? Boa parte dos resultados ruins vinham das incertezas. Se o novo governo pudesse de fato pôr fim à onda de incerteza, tanto a taxa de câmbio como a taxa básica de juros convergiriam para níveis que tornariam a dinâmica da dívida do setor público bem mais administrável do que parecia no final de 2002.


.


Comentários