Livro: Fernandes (Auth.) - Formação Econômica Do Brasil (...) - Capítulo 2 ("PARTE B")
Livro: Fernandes (Auth.) - Formação Econômica Do Brasil (...).
(...)
Pgs. 69-91
"CAPÍTULO 2: "Raymundo Faoro: a lógica política e estatal da economia"
59 - Independência: A burocracia de Dom João VI, “fiel ao Almanaque de Lisboa”, permaneceu a base da estrutura política do país quando Dom Pedro passou de regente a defensor perpétuo. No entanto, diante do desafio gigante de criar, soldar e manter a unidade política da nação, heterogênea e geograficamente dispersa, o pilar absolutista precisava cair. Ele já era incompatível com o anseio pela liberdade, com as forças emancipacionistas, identificadas e influenciadas pelo liberalismo da Revolução do Porto, e admiradoras da independência norte-americana. Coloca que Dom Pedro e Bonifácio trataram de abafar as forças mais democráticas. Nada de igualdade demais! A ideia era um meio termo. Foram criados órgãos representativos para conter a ditadura régia, mas restritos aos ministros e homens selecionados sempre visando as conter “forças incontroláveis” do povo.
60 - Bonifácio era mais "repressor" ao que entendi e D. Pedro menos. O problema principal dos primeiros anos? Continuava o inchamento da máquina pública para agradar a aristocracia com cargos vitalícios, falindo a economia do reino. Já em 1824, o Imperador reverteu a tendência a dar poderes ao legislativo, outorgando a Carta de 1824 e criando o Poder Moderador e até um Senado vitalício com nomeados pela coroa. Em segundo plano, o estamento exerceu influência por meio dos altos postos das províncias, nomeados pela corte. (...) Esse apelo centralizador e em certo ponto autoritário desgastou a popularidade e a aceitação de dom Pedro frente ao povo, e principalmente ao grupo político liberal, nativista, que visava construir um sistema parlamentar apoiado em cargos eletivos. (...) a real fama que dom Pedro veio a aspirar foi a de “nunca ter sabido ser o homem de seu povo”, a de apoiar-se em demasia de forças estrangeiras, de defender os interesses dos portugueses que viviam no Brasil etc.
61 - Com a saída de D. Pedro I, assumiram moderados e liberais. A Câmara dos Deputados se tornou poderosa. O governo, comandado por homens liberais, influentes e importantes, manteve-se fiel à Câmara, e acima de tudo, preocupado em assegurar a integridade nacional, princípios monárquicos, combatendo a anarquia e reconstruindo a autoridade do imperador, que representava a unidade territorial. O Poder Moderador foi mantido, a contragosto dos liberais moderados, mas o Conselho do Estado fora abolido e com isso a Regência foi formada eletivamente.
62 - Reforma da época regencial: O Ato Adicional (...) concedeu autonomia política aos municípios com a delegação de um legislativo emancipado e um executivo forte e popularmente eleito para as províncias ligadas diretamente ao Império. Ao mesmo tempo em que se aproximava o governo local do povo, evitava-se transformar o país em federação, uma ideia republicana temida pelos liberais. Era a velha estratégia brasileira de “progresso com a conservação”, mudando um pouco para não alterar o status-quo. Tudo era mais bonito na teoria. O cargo público, por sua vez continuou sendo sinônimo de poder que dá prestígio, e o homem político brasileiro dos três poderes tinha como objetivo mandar e não governar. O poder sem freio, arbitrário, o caudilhismo, a opressão eram as instituições que vigoraram na prática.
63 - A representação popular permaneceu muito baixa – entre 1% e 3% da população eram eleitores e elegíveis – até os primeiros quarenta anos da República. Noutro trecho, além de muito restrita a parcela da população que podia votar e ser eleita – 10% em 1872, sendo que 1% exerceu seu direito em 1881 –, a composição das mesas e a fiscalização de fraudes eram controladas pelos partidos da corte, o que permite a conclusão de que os resultados eram manipulados. (...) E conforme falado, a grande influência política não é do latifundiário, do fazendeiro ou dos agricultores (que tem não mais que 30% de representação), mas sim dos magistrados, dos burocratas que se penduraram no cabide de empregos real. O interesse dos comerciantes e traficantes de escravos foi igualmente considerado na primeira linha, dado que eram os detentores do poder econômico, do dinheiro e do crédito, e os que mais engrandeceram com a prosperidade da agricultura. (...) Comumente, a imensa maioria da Câmara era composta por magistrados e funcionários públicos.
64 - Economicamente, os primeiros vinte anos de Estado independente também representaram crise, na forma de dívidas internas e externas que corroeram a ordem financeira e solaparam o Tesouro Nacional. O Banco Central foi extinto por três anos, o comércio exterior ficou estagnado, os tributos tornam-se insuficientes para cobrir os gastos e a concessão de crédito muito restrita. Coloca que o país violou o padrão-ouro em muitos momentos de Século XIX, aumentando o custo de vida.
65 - A sesmarias perderam o caráter administrativo, o que conferiu ainda mais poder ao latifúndio. Mais do que ser utilizada para cultivo, a terra passou a ser usada para imobilizar o status dos senhores; e uma vez que as concessões públicas foram feitas por todo o território, seriam adquiridas através da herança, doação, compra ou ocupação. Num país movido exclusivamente pela economia agrícola, esses fatos são de grande relevância.
66 - Em meados do século XIX o governo tomou algumas medidas que contribuíram para a prosperidade da economia nacional. A reabertura do Banco do Brasil e criação de bancos locais (Bahia e Maranhão), por exemplo, facilitaram o crédito e amenizaram as pressões que os empreendedores nacionais sofriam em relação às exportações. Outros exemplos foram a implementação de tarifas e restrições favoráveis à indústria nacional, e a concessão de favores indiretos às fábricas brasileiras para aumentar a compra de máquinas ao invés de produtos. Paralelamente, a abolição do tráfico de escravos desviou o capital do comércio ilícito para diversos investimentos internos, desde empresas de melhoramento urbano e de transportes, até aplicação na agricultura ou na compra de bens de luxo.
67 - O crédito era muito controlado e os empreendimentos industriais tinham dificuldade de prosperar. A concessão para construir estradas de ferro e portos, a autorização de sociedades autônomas e a garantia de fornecimento e juros baixos, também estavam nas mãos do governo, e consequentemente eram outorgados perante favores políticos – normalmente pleiteadas e obtidas pelos próprios políticos.
68 - Ao fim do século XIX, os liberais progressistas pleiteavam a expansão dos direitos democráticos, a exemplo de um Senado eletivo e com mandatos temporários, além de sufrágio direto e universal. A pressão sobre o Império se acumulava e com a abolição da escravatura, não havia mais motivo que prendesse a classe agrícola escravista aos anseios imperiais, que não eram mais necessários para sustentar o seu negócio. O apoio à solução federalista crescia. O desenlace monárquico foi fruto também do posicionamento externo adotado pelo Estado Imperial, o qual os críticos alegavam favorecer interesses das potências, dos nossos parceiros comerciais mais do que dos nacionais, mantendo a situação de exploração estrangeira. No plano interno as províncias também intensificavam as objeções em relação ao desfavorecimento das particularidades locais perante o governo central, pressionando ainda mais uma política descentralizadora. (...) Após séculos na frente do poder, o estamento foi rompido e obrigado a recuar ao segundo plano, e dispersar-se pelas particularidades regionais. (...) Assim como durante o Império, a Constituição serviria como um disfarce, deixando que as forças sociais e políticas impusessem a verdadeira lei que vingaria na prática.
69 - Por isso, pode-se afirmar que apesar da batalha final ter se dado com a marcha militar, sem golpe e sem sangue, a obra republicana foi uma mistura dos anseios federalistas, com as inquietações do povo e a ação militar. Durante o Império, o Exército foi se popularizando e, com isso, despertando temor político. O poder militar brasileiro, durante o Império, dividiu-se entre o Exército e a Guarda Nacional, com constantes esforços do estamento para abolir ou anular o poder do primeiro. A volta maciça do exército da Guerra do Paraguai acirrou ainda mais a separação: a nobreza, temerosa do grande aglomerado exaltado, desarmou e licenciou os militares, tirou seu poder político e os afastou do convício com a nação. Os comandantes do exército perderam suas cadeiras no governo, a educação militar foi isolada da civil, e uma série de ofensas e ataques à honra criou um clímax de conflito iminente entre os dois grupos. Entre diversos outros acontecimentos, o desligamento oficial do exército às teias monárquicas deu-se em 1887, com a candidatura de Deodoro para o Senado e a recusa do exército em reprimir a fuga maciça de escravos das grandes fazendas. (...) Esta oposição, ainda que definitiva, não foi suficiente para garantir a total aderência dos militares ao projeto republicano. O rompimento dos vínculos governamentais favoreceu o desenvolvimento de ideologias próprias dos militares, e por mais que fossem a favor da República, temiam o desmembramento territorial que o federalismo poderia provocar. Alguns grupos queriam tomar rumos políticos autônomos, a exemplo de Deodoro da Fonseca que cogitava uma revolução puramente militar.
70 - Durante a República Velha foi criado o quarto Banco do Brasil, com suas atribuições reformuladas para melhor atender o estabelecimento de crédito. Além de banco central e agente financeiro do Tesouro, o Banco do Brasil foi também o futuro banco emissor, financiador do comércio, da indústria e da agricultura, e futuramente comandará de forma central as finanças federais.
71 - Dentro do próprio Exército e da Marinha também havia críticas à ascensão militar ao poder, receosos das ambições ou desvio vocacional que a entrada na política poderia provocar. Também evitaram se colocar acima da Constituição ou algo do tipo. Nunca chegaram nem perto de instaurar o militarismo, com a nação dominada pelo Exército em todos os sentidos. (...) Os presidentes militares, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, dada a nova estrutura política da federação, não poderiam governar o país sem o apoio dos governadores e dos partidos estaduais – uma vez que os partidos nacionais estavam extintos. Dado isso, Deodoro nomeou governadores de sua confiança para a maioria dos estados, restando apenas Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro com governadores civis. Com o golpe de Floriano Peixoto para tirar Deodoro do poder e assumir a presidência da república, a classe política vigente se dividiu entre os que apoiavam um e outro. (...) A República Velha careceu do sentimento de legitimidade do poder, em contraste com o peso da tradição que o sustentava no Império.
72 - ...Os paulistas, liderados por Campos Sales, toleraram o primeiro governo de Deodoro com a garantia que seus interesses não seriam atacados, ameaçando separar-se da união. Mas sua aproximação estratégica foi ao opositor de Deodoro, seu vice e depois presidente, Floriano Peixoto, em cujo governo tiveram mais participação. (...) São Paulo também elegeu, através do Partido Republicano Federal fundado em 1893, o primeiro presidente civil da República, o paulista Prudente de Morais.
73 - Política dos governadores: ...Em segundo plano, em relação à força política e influência eleitoral, contaram também com o apoio da Bahia, que não podia pedir muito em troca além de recompensas aleatórias, ficando Pernambuco, Rio de Janeiro e Maranhão na oposição. Rio Grande do Sul, sob as lideranças de Pinheiro Machado e Júlio de Castilhos, preferiu recuar a fazer oposição aberta ao indicado Rodrigues Alves, dado que seria quase impossível ganhar da aliança São Paulo – Minas Gerais. Porém, pelo que fui entendendo (ficou mal explicado), esses arranjos mudaram nas eleições seguintes. O Rio Grande do Sul, alijado, tornou-se uma espécie de estado rebelde no final da República Velha.
74 - A impopularidade do governo de Hermes da Fonseca e o recluo de Pinheiro Machado serão os marcos do fim da política dos governadores. Nos governos seguintes, os estados deixaram de comandar a política nacional, como vinham fazendo desde a implantação da República, e a União ganhou força. São Paulo e Minas Gerais selaram um pacto para retomar o poder político às mãos dos dois estados, aliados, que foi rompido apenas em 1930.
75 - Rui Barbosa, derrotado nas eleições e tentando influenciar o cenário de outras formas, queria trazer a "questão social" ao debate por precaução. Alguém precisava dar rumos controlados aos novos anseios que surgiam. Neste sentido, Rui Barbosa introduziu ao debate a necessidade de revisão do texto constitucional, para que a lei abrigasse proteções sociais, a exemplo da regulamentação dos contratos de trabalho. Durante o governo de Epitácio Pessoa, este plano não teve a menor chance de concretizar-se, pois as questões sociais, como eram chamadas, eram vistas como um perigo ao prestígio e estabilidade que tentaram adquirir. Ganhavam força os setores médios da sociedade. Pela primeira vez o domínio do poder pelos homens que “nasceram chefes, são chefes e hão de ser chefes” foi colocado na pauta da discussão, e o abuso do poder, a corrupção e a possibilidade de legítimos representantes do povo foram considerados. A autenticidade das reivindicações de Rui Barbosa se comprovou com o alto resultado que obteve nas urnas e apoio disperso por todo Brasil, consagrando assim a separação entre as camadas médias e o governo.
76 - Quem podia votar? O regime republicano extinguiu o voto censitário, mas manteve o capacitário, com a exclusão definitiva dos analfabetos – restrição inexistente até 1881. Em 1890 a população alfabetizada era de 14,8%, número que subiu para 24,5% em 1920.
77 - Coronelismo: Apesar de o coronel ser a grande potência no âmbito municipal, os freios que eram colocados à autonomia dos municípios à época dos primeiros anos da República Velha limitavam a irradiação do seu poder. Preocupados com a anarquia, violência e desintegração territorial que a libertação das comunas podia causar, os estadistas republicanos tomavam as mesmas medidas preventivas dos imperiais para submeter as eleições municipais ao comando dos estados, e quando necessário inclusive suspendê-las. Sendo assim, ter o controle sobre elas não necessariamente dava ao coronel influência política e eleitoral. A relação do coronel com o governador era de obediência, mas não de passividade nem subordinação. O governador contava com o apoio das milícias estaduais para controlar os coronéis e garantir a ordem do sistema. A força do coronel estava diretamente relacionada à força e integração das milícias e do governo estadual, estando o coronel pronto para ocupar as lacunas militares e econômicas deixadas pelo âmbito estadual.
78 - O apadrinhamento era regra no meio rural. A troca que o coronel fazia com o governador era a seguinte: ele arcava com as despesas eleitorais e podia nomear e indicar empregadores públicos da comuna. Em regra, todo coronel esperto aliava-se ao governo em exercício e dele cobrava favores, independente da corrente política. À sociedade, em troca do apoio político e subordinação social, o coronel dava seu suporte econômico e financeiro, garantia a segurança coletiva e levava aos municípios regras e instituições mais simples e acessíveis. O chamado "voto de cabresto" era visto como natural, ao que entendi. Uma questão de "lealdade" talvez. Em determinados momentos havia tensão entre coronéis e forças estaduais inclusive. (Cita-se um período entre 1919 e 1920).
79 - O processo eleitoral era mais uma encenação falsa, dado que a vitória das eleições continuava sendo decidida antes que elas ocorressem. Havia um consenso político, dominado pela base do governo, que admitia a fraude “sem escrúpulos de consciência”, que a vigilância da oposição não era capaz de controlar.
80 - Coloca que o movimento anarquista da época não tinha as condições subjetivas de prosperar. A classe média, ainda neste período, não estava preparada para tomar o poder e nem era isso que queriam. Reclamavam antes por uma proteção do governo, por um presidente que lhes desse atenção e melhorasse suas condições de vida, do que por um cargo para conduzir a sociedade.
81 - Dois grupos posicionaram-se como uma oposição viável ao regime, nas eleições de 1930. O primeiro era filho das oligarquias estaduais, mais tendencioso ao nacionalismo da ordem, representado pela Aliança Liberal. O segundo era composto pelos filhos dos estados tradicionalmente afastados do poder, agrupados no movimento tenentista sob a liderança de Luiz Carlos Prestes. A principal disparidade entre as duas correntes era como viam a participação popular e a divisão da riqueza nacional. Como já exposto, o nacionalismo da ordem aproximava-se mais ao fascismo e restringia o comando do país a uma elite, ao grupo que tradicionalmente vinha dominando o poder.
82 - Elogia Getúlio (possivelmente baseado em Faoro): Era um homem de fato avançado para seu tempo na medida em que conseguia ter um olhar estratégico, global, realista e minucioso sobre a realidade brasileira, entendia e conhecia o que poucos sabiam sobre o Brasil. Colocava os direitos sociais na pauta da agenda nacional, estudava a miséria do proletariado, inseria a visão do Brasil no cenário internacional e já usava o conceito de subdesenvolvimento; sabia da necessidade de buscar regras próprias e entendia nosso desenvolvimento como a combinação entre impulso industrial e amparo ao trabalhador – ambos de responsabilidade do governo. (...) Para agradar aos diversos grupos de pressão, fazia concessões que pareciam soar em direção ao liberalismo, à perda do foco centralizador ou concentrador que defendia, mas que na prática tinham o efeito de vincular o sucesso de todos à estratégia nacional. A constituição de 1934 expressou bem esta estratégia de “atender a todos os gostos”, de considerar toda a diversidade do Brasil e não privilegiar apenas a oligarquia, ao mesmo tempo em que garantia um Estado forte, a supremacia do governo central, interventor, regulamentador e que muitas vezes falava em nome do próprio povo sem que eles percebessem.
.
Comentários
Postar um comentário