Livro: Marcelo de Paiva Abreu - A Ordem do Progresso (2014) - Capítulo 14
Livro: Marcelo de Paiva Abreu - A Ordem do Progresso (2014)
Pgs. 295-326
"CAPÍTULO 14: "A ÓPERA DOS TRÊS CRUZADOS, 1985-1990"
335 - Texto de Eduardo Marco Modiano. A inflação brasileira parecia ter propriedades específicas e uma dinâmica própria, resistindo às pressões deflacionárias da recessão e do desemprego. (...) O primeiro grande salto da inflação ocorreu em fins de 1979. O segundo choque do petróleo, a política interna de fixação de “preços realistas” e o simultâneo aumento da frequência dos reajustes salariais de anual para semestral, dobraram a taxa de inflação, que passou de 50% para 100% ao ano. O segundo grande salto da taxa de inflação aconteceu em 1983, impulsionado por uma maxidesvalorização de 30% do cruzeiro em fevereiro.2 Foi, então, alcançado o patamar de 200% ao ano. Passam a ganhar atenção as teorias de inflação inercial:
336 - ...Enquanto o salário nominal é mantido constante, o salário real decresce de acordo com a taxa mensal de inflação, que determina a inclinação da “rampa” no gráfico. (...) Dados a periodicidade dos reajustes e o pico de salário real, um aumento da taxa de inflação configura uma rotação da “rampa” no sentido horário em torno do pico e, consequentemente, uma redução do salário real médio. É interessante para os patrões recuperarem logo a "perda" no cabo de guerra aí.
337 - ...Uma desvalorização real da taxa de câmbio, um choque agrícola ou um aumento da margem de lucro resultariam numa redução do salário real. A ideia advinda dessa análise é que daria pra buscar o equilíbrio para controlar essa inflação essencialmente gerada por um conflito distributivo. Joga um modelo simples lá e afirma: "Neste, o processo de desinflação corresponderia ao rebaixamento da curva EI, até que o pico do salário real coincidisse com o salário real (médio) de equilíbrio". Mesmo se fosse só isso, ainda havia dificuldades: O Gráfico 14.1 ilustra uma dificuldade técnica crucial encontrada na formulação de programas de estabilização para a economia brasileira: a dessincronização dos reajustes salariais. Se o processo inflacionário terminasse abruptamente, trabalhadores com o mesmo salário real médio ficariam com salários reais distintos, pois encontrar-se-iam em estágios diferentes da mesma “rampa inflacionária”. Grandes redistribuições de renda resultariam deste fenômeno. A mesma observação se aplicava a todas as outras rendas corrigidas monetariamente com periodicidades fixas sem sincronia, tais como os aluguéis, os lucros e a taxa de câmbio.
338 - O novo governo deu início à gestão da política econômica com o anúncio apenas de medidas de austeridade fiscal e monetária. A paralisação das operações ativas dos bancos oficiais por dias, um corte adicional de 10% no orçamento fiscal para 1985 e a proibição de contratações de novos funcionários para a administração pública constituíram o cerne das medidas adotadas. Isso tudo poderia ajudar na renegociação com o FMI. Algumas outras medidas foram tomadas. Exemplo: ...minidesvalorizações diárias do cruzeiro, que distribuiriam uniformemente a taxa de correção cambial prefixada para o mês, eliminariam a especulação em torno da data e do percentual do reajuste subsequente.
339 - Quadro inflacionário brasileiro durante 1985 a 1990. Sobre o segundo trimestre de 1985, o bom desempenho da inflação em abril pode, no entanto, ser quase inteiramente explicado pela suspensão dos reajustes de preços para dois grupos de produtos, a saber, produtos siderúrgicos e derivados de petróleo, que correspondiam a 7,4% e 11% do índice de preços por atacado (IPA-DI) que, por sua vez, representava 60% do índice geral de preços...:
340 - A recomposição dos preços apenas começava quando a economia sofreu um violento choque de oferta agrícola, com os preços dos gêneros alimentícios no atacado aumentando 19,0% em agosto de 1985. A coincidência do período da entressafra, quando a carne apresentou alta de 50%, com a recomposição dos preços dos produtos agropecuários controlados, tal como o caso do leite que foi reajustado em 30% em meados de julho, levou a inflação a 14,0% em agosto. O fracasso do pacote anti-inflacionário de março de 1985 marcou, com a substituição do ministro da Fazenda, o final da primeira fase da política econômica da Nova República.
341 - Início de Funaro: ...A maioria das tarifas públicas e dos preços administrados passaria a ser corrigida em bases mensais e, portanto, em menores percentuais, ratificando a tese de que a estabilização da taxa de inflação seria obtida às custas de um aumento do grau de indexação da economia. (...) a taxa de juros real, que subira vertiginosamente durante o período de abril a julho de 1985, declinaria como resultado de uma política monetária menos restritiva, tornando-se mais compatível com a recuperação econômica. A balança comercial ia bem e contribuía pra manter certa independência em relação ao FMI, socorrista recorrente da década de 80/90.
342 - Em novembro de 1985, a inflação vem muito alta - 15% - especialmente em razão de um novo choque de oferta agrícola. Governo resolve adotar o IPCA (11%): A principal vantagem do IPCA sobre os outros índices seria sua menor sensibilidade a choques de oferta agrícola e cambial, o que ajudaria a amortecer o aumento previsto das taxas de inflação para os meses subsequentes, ainda em função da estiagem nas lavouras. Problema é que qualquer choque desse tipo agora acelerava a taxa de inflação. Não havia dúvidas que, com a indexação generalizada da economia, a taxa de inflação tenderia rapidamente para o novo patamar de 400% a 500% ao ano. Nestas condições, o governo não seria capaz de manter os reajustes salariais na frequência semestral, o que poderia resultar em outra pressão de custos, colocando a economia na rota da hiperinflação. Tudo era uma bomba-relógio em nome da popularidade e sustentação do primeiro governo da transição democrática: Um plano de recuperação gradual dos preços dos serviços públicos, como parte do esforço de redução do déficit público, lançado em dezembro de 1985 foi abandonado, quando os elevados reajustes nominais das tarifas em dezembro e janeiro acabaram ficando abaixo das taxas mensais de inflação. O plano de Funaro de ir levando tudo na base dos 10% mensais claramente não ia dar certo. O fracasso do gradualismo em produzir sequer a estabilidade das taxas mensais de inflação encerra a segunda fase da política econômica da Nova República.
343 - Contexto "ideal" do Plano Cruzado (1986): ...o produto industrial, impulsionado pelos bens de consumo durável, crescera 9,2% durante os 12 meses anteriores a fevereiro; a balança comercial acumulara um superávit de US$12,5 bilhões nos últimos 12 meses; as reservas internacionais alcançavam em dezembro US$11,6 bilhões, e US$4,7 bilhões nos conceitos do FMI e de liquidez respectivamente; o déficit público em 1986 estaria praticamente eliminado, como resultado do “pacote fiscal” anunciado em dezembro de 1985; o preço do petróleo, que respondia por 45% das importações brasileiras, caía no mercado internacional; e o dólar norte-americano, ao qual estava atrelado o cruzeiro, desvalorizava-se em relação às moedas europeias e ao iene. No que tange ao fiscal, o autor dirá, mais à frente, que o plano de déficit operacional zero a partir de dezembro de 1985 não embutiria na conta a perda de receita do "imposto inflacionário" com o provisório sucesso do Plano Cruzado.
344 - A ideia do Cruzado era tentar um "choque neutro", o qual iria restaurar, sob o cruzado, os mesmos padrões de renda e riqueza verificados mais recentemente com o cruzeiro. Nada de acirrar o conflito distributivo. (...) Os salários foram convertidos em cruzados, tomando como base o poder de compra médio dos últimos seis meses. (...) Um abono de 8% foi concedido a todos os assalariados de acordo com a decisão de cunho político de promover uma redistribuição da renda em favor dos assalariados, o que deveria facilitar a aceitação por parte dos trabalhadores da “conversão pela média”. Favorecendo ainda mais as classes de renda mais baixa, o salário mínimo foi fixado em Cz$804,00, o que significava um abono de 16% em relação ao poder de compra médio dos últimos seis meses. Como nova política salarial, além dos reajustes anuais, haveria antecipação sempre que a taxa acumulada chegasse a 20% no ano (gatilho!).
345 - ...os preços foram congelados por tempo indeterminado nos níveis ao consumidor prevalecentes em 27 de fevereiro de 1986. Não houve qualquer compensação pela inflação passada (desde o último reajustamento), nem tampouco pela perda futura (durante a vigência do congelamento). Os preços públicos e administrados, congelados, encontravam-se defasados em relação aos custos de produção, devido à sua frequente utilização como parte da política anti-inflacionária dos anos 1980.
346 - Mesmo durante o período de aparente grande sucesso do plano - os quatro meses iniciais -, já havia sinais, pra quem quisesse ver, de que a bomba estava plantada: Os preços dos artigos de vestuário e dos carros usados, que não eram passíveis de controle e que representavam 15% do IPC, aumentavam a taxas de 4% a 5% ao mês. Essa distorção de preços relativos entre os preços congelados e aqueles de difícil controle, que se iniciou logo em março de 1986, apenas se intensificou durante a vigência do congelamento.
347 - ...O aumento do poder de compra dos salários, a despoupança voluntária causada pela ilusão monetária, o declínio do recolhimento do imposto de renda para pessoas físicas, a redução das taxas de juros nominais, o consumo reprimido durante os anos de recessão e o congelamento de alguns preços em níveis defasados em relação a seus custos detonaram conjuntamente uma explosão do consumo. A escassez de produtos manifestou-se já nesta fase, mas ficou restrita aos mercados de leite, carne e automóveis, não representando um problema generalizado até o período seguinte. Automóveis usados "valiam" mais que os novos. Para estes, tinha fila generalizada. No caos do leite, governo resolveu subsidiar o produtor pra driblar a escassez. Mais números do superaquecimento: as vendas cresceram 22,8% nos primeiros seis meses de 1986 em relação ao mesmo período do ano anterior; a produção de bens de consumo duráveis aumentou 33,2% nos 12 meses anteriores; a taxa de desemprego aberto caiu de 4,4% em março para 3,8%; e os salários reais tiveram um ganho de aproximadamente 12% desde o final de fevereiro.
348 - A folga de liquidez, decorrente da remonetização acelerada da economia, refletiu-se ex post em taxas de juros reais negativas durante esse período. Em consequência, as ações nas bolsas de valores se valorizaram cerca de 50%, o ágio no mercado paralelo do dólar passou de 26% para 50%, e os preços dos ativos reais subiram vertiginosamente. Enquanto a fixação pelo Banco Central de taxas de juros nominais baixas durante o primeiro mês do plano podia ser vista como uma contribuição para reforçar as expectativas de “inflação zero”, os esforços posteriores em seguir uma política monetária mais restritiva e elevar as taxas de juros encontraram forte oposição política e, sendo assim, não se concretizaram.
349 - O governo reconheceu então que o déficit público em 1986 poderia alcançar 2,5% do PIB, em contraste com a taxa de 0,5% estimada a partir do “pacote fiscal” de dezembro de 1985. O esperado crescimento na receita do governo, devido à eliminação da erosão inflacionária que agia sobre a arrecadação dos impostos, o chamado efeito Tanzi, não se materializava na devida proporção e no devido tempo. Além do mais, quando se verificou o aumento da receita, refletindo também a retomada da atividade econômica, este foi mais do que neutralizado pelo aumento dos gastos, fruto da necessidade de se sustentar o congelamento de preços e, portanto, contribuir para a vitória do PMDB nas eleições de novembro para os governos estaduais e para a Assembleia Constituinte.
350 - O Cruzadinho (julho de 1986) era um tímido pacote fiscal de aumento de impostos com o "truque" de expurgar do índice oficial de inflação os aumentos decorrentes a fim de não acionar gatilho salarial. Porém, não freou o consumo como se pretendia. Ao contrário: a expectativa do descongelamento deu um novo impulso à demanda. O produto industrial atingiu um pico em setembro, com uma taxa de crescimento acumulada em 12 meses de 12,2%. Além disso, vários setores da economia operavam próximos da plena capacidade com severa escassez de matérias-primas e bens intermediários. Inflação oficial continuava baixa. Porém, o "ágio" e o expediente de criar produtos "novos" começavam a driblar com frequência o congelamento.
351 - O bom desempenho externo que o Plano Cruzado herdou foi se desfazendo durante os meses de 1986. Como o indicador sugeria que a taxa de câmbio estava sobrevalorizada em pelo menos 10% em relação a fins de fevereiro de 1986, a expectativa de uma nova e maior desvalorização do cruzado estimulou ainda mais o adiamento de exportações e a antecipação de importações, levando a uma deterioração maior das contas externas nos meses posteriores. As contas externas se deterioraram.
352 - Uma semana após a vitória maciça do partido do governo (PMDB) nas eleições, o Cruzado II foi anunciado. Tratava-se de um “pacote fiscal” que objetivava aumentar a arrecadação do governo em 4% do PIB, através do reajuste de alguns preços públicos (gasolina, energia elétrica, telefone e tarifas postais) e do aumento de impostos indiretos (automóveis, cigarros e bebidas). O impacto imediato do Cruzado II seria um violento choque inflacionário. Tais aumentos dos preços públicos e administrados (por exemplo, 120% no caso dos cigarros) forneceram uma válvula de escape para toda a inflação reprimida durante o congelamento. O governo ainda queria expurgar muita coisa aí do índice oficial de novo, mas a reação não deixou. O governo apenas substituiu as ponderações do IPC, que eram originárias do IPCA, pelas ponderações do INPC, que atribuía menores pesos aos preços majorados pelo Cruzado II.
353 - ...Dada a magnitude do choque inflacionário do Cruzado II, a indexação voltaria à plena carga. O governo reinstituiu as minidesvalorizações cambiais diárias do cruzado, atrelou os contratos financeiros aos rendimentos das recém-criadas Letras do Banco Central (LBCs), e permitiu que os bancos voltassem a emitir Certificados de Depósitos Bancários (CDBs) pós-fixados. Diante da ameaça de uma explosão inflacionária, o governo iniciou discussões com representantes dos empresários e trabalhadores, visando a formulação de um primeiro pacto social. Todavia, a falta de tradição na negociação de acordos distributivos de renda não permitiu a rápida conciliação dos objetivos conflitantes.
354 - Em fevereiro de 87, os preços foram quase todos liberalizados. Com a escala móvel salarial, a economia tornar-se-ia mais indexada do que antes do Plano Cruzado. (...) As vendas caíram em consequência da queda do salário real, da elevação das taxas de juros e do aumento da incerteza. O desaquecimento da economia tinha, no entanto, também raízes do lado da oferta. Foram impostos novos limites às importações de matérias-primas essenciais e produtos intermediários, devido à escassez de reservas cambiais, e os mercados domésticos encontravam-se desorganizados pelo descongelamento de preços abrupto e sem indicações, seja de uma nova política de reajustes, seja de um novo congelamento. Apesar dos controles e volta das minidesvalorizações, a balança comercial negativa começou a pesar. Sem indícios de recuperação, o governo decidiu no final de fevereiro de 1987 suspender por tempo indeterminado os pagamentos de juros da dívida externa aos bancos privados. Abril de 87, a inflação bateu 20% mensal e Funaro deixou o cargo. O realinhamento dos preços de nada adiantou pra frear a inflação.
355 - O plano Bresser, de junho de 1987, basicamente implicava arrocho salarial a partir de novo congelamento de preços e salário com aumentos prévios autorizados em produtos selecionados (para aguentar o novo período de congelamento). Ademais, a curto prazo o governo praticaria taxas de juros reais positivas com o intuito de inibir a especulação com estoques e o consumo de bens duráveis, como também o fluxo de aplicações financeiras para o mercado paralelo do dólar. Também se pretendia levar o déficit público de 6,7 para 3,5% no ano de 87. Entretanto, as medidas tomadas eram bem insuficientes pra isso. Além disso, para o ano seguinte, o Plano Bresser se comprometia com: a independência do Banco Central na condução da política monetária; a proibição das emissões de moeda para financiar os déficits do Tesouro; a orçamentação prévia de todas as despesas do governo; e a unificação dos múltiplos orçamentos do governo. (...) A inflação oficial caiu de 21,4% em junho para 3% e 6,4% em julho e agosto de 1987, respectivamente. A falta de apoio popular, após o fracasso do Plano Cruzado, e o desmantelamento dos órgãos de controle, com a liberação dos preços após fevereiro de 1987, limitaram o escopo deste segundo congelamento de preços.
356 - Calcanhar-de-aquiles: A perda de poder aquisitivo dos salários e a prática de taxas de juros reais positivas durante a fase do congelamento tiveram reflexos negativos nas vendas do comércio varejista e no ritmo de produção industrial. Assim, em contraste com o Plano Cruzado, a inflação do congelamento não podia ser atribuída a pressões de demanda. A inflação registrada na vigência do congelamento se originava de um conflito distributivo de rendas no setor privado e entre os setores privado e público. Os preços relativos da economia não se encontravam em equilíbrio em 12 de junho de 1987 devido à majoração defensiva dos preços diante da expectativa do novo congelamento e aos aumentos promovidos pelo governo nos preços administrados e tarifas públicas. A flexibilidade do novo congelamento permitiu que os aumentos de preços decretados na véspera do Plano Bresser fossem repassados aos outros preços da economia, gerando inflação e neutralizando parcialmente a transferência de renda para o setor público.
357 - A política cambial mais realista ia mudando as contas externas: O saldo da balança comercial passou de um déficit de US$40 milhões em fevereiro de 1987 para um superávit de mais de US$1,4 bilhão a partir de junho.
358 - A partir de agosto, pressões inflacionárias foram levando a autorização de reajustes cada vez maiores e mais frequentes. O congelamento ia caindo. Antecipações salariais de reajustes também iam sendo liberadas e a espiral ascendente de preços e salários voltava a funcionar. (...) O crescimento dos salários reais ganhou novo impulso com a proliferação de acordos de reposição salarial dentro do próprio governo, os quais minaram as últimas chances de se alcançar a anunciada redução do déficit público. Mensuradas pelo conceito operacional, as necessidades de financiamento do setor público somaram 5,4% do PIB em 1987. Com a inflação oficial no patamar de 14% em dezembro, sob uma onda de rumores de um iminente novo congelamento, e diante do desgaste provocado pelas resistências à sua proposta de uma reforma tributária progressista, o ministro Bresser Pereira pediu demissão.
359 - Maílson de Nóbrega inicia a política do feijão com arroz. Em janeiro de 88 voltam a pagar juros da dívida externa. Suspendem por dois meses reajuste salarial de servidor público, por exemplo. Medidas que vão levando a uma pequena diminuição do déficit fiscal e expectativa de manter a inflação nos 15% ao mês! Até funcionou para conter a explosão inflacionária num primeiro momento, já que até acreditaram nas reiteradas promessas de que não haveria congelamento. Porém, quando a coisa está desequilibrada, qualquer choque acelera a inflação. ...já no segundo trimestre do ano, as taxas mensais de inflação superariam 19% em abril e junho, em virtude do aumento da velocidade de correção dos preços públicos e de um choque agrícola desfavorável, que elevou os preços no atacado (IPA-OG-Agricultura) em média 24% ao mês neste período. O fracasso da política como um todo ficaria claro logo em seguida. (...) Aumentos de preços defensivos diante da ameaça de um congelamento, aliados à entressafra da carne, levaram a taxa de inflação a bater novo recorde em outubro: 27,2%.
360 - A questão da moratória: O balanço das vantagens e desvantagens da moratória é ambíguo. Seus defensores apontam como ganhos: a economia de US$4,5 bilhões; o estancamento das perdas de reservas cambiais; e o fortalecimento da posição negociadora brasileira.26 Seus opositores contabilizam como custos visíveis, a perda e o encarecimento das linhas de crédito de curto prazo, e como custos invisíveis, de difícil mensuração: a inibição de um maior ingresso de recursos externos de fontes diversas, inclusive do FMI; a perda de oportunidade de fechar um acordo com os bancos credores em condições mais favoráveis quanto às taxas de juros e aos prazos; e o afastamento dos investimentos estrangeiros. Como o governo voltou a pagar em 88, volta a haver a perspectiva de renegociação favorável da dívida. O lado positivo da coisa.
361 - Colocam que a CF de 88 dificultou várias questões fiscais, criando vinculações de receitas e gastos e novas despesas. A estabilidade adquirida pelos funcionários públicos com mais de cinco anos de serviço exemplifica o enrijecimento das despesas de pessoal. (...) Além disso foram criados novos encargos sociais e elevados alguns já existentes, com reflexos nas contas da Previdência Social e nos custos de produção, tais como: o aumento de 10% para 40% do saldo do FGTS da multa em caso de demissão sem justa causa; a redução da jornada semanal de trabalho de 48 para 44 horas; o aumento do custo da hora extra; e a ampliação dos prazos das licenças-maternidade e paternidade.
362 - Fim do ano veio um "pacto social", negociação dos reajustes de preços e salários a taxas altas já vigentes. O principal mérito do pacto social consistiu em conter temporariamente a ameaça da hiperinflação. (...) A timidez das metas inflacionárias acordadas reflete claramente as dificuldades em romper a inércia inflacionária por consenso, distribuindo de forma equânime as perdas e os ganhos inerentes a uma queda substantiva da inflação. Em dezembro já estava todo mundo brigando e ressentido e a inflação batia 28%. O Plano Verão veio em 14 de janeiro de 1989. Um plano misto. Taxas de juros reais elevadas e fim das indexações. A política monetária seria restritiva e as importações flexibilizadas.
363 - ...Os salários foram convertidos para novos cruzados tomando como base o poder de compra médio nos últimos 12 meses, ou seja no período de janeiro a dezembro de 1988. Sobre esses valores aplicar-se-ia a URP prefixada em 26,1% para janeiro de 1989. Depois seria livre-negociação salarial. Já os preços seriam congelados por tempo indeterminado. Na véspera do anúncio do congelamento, porém, foram autorizados aumentos para os preços públicos e administrados: 33,3% para o pão; 47,5% para o leite; 63,5% para as tarifas postais; 35% para as tarifas telefônicas; 14,8% para a energia elétrica; 19,9% para a gasolina; e 30,5% para o álcool, entre outros. Além de recompor eventuais defasagens em relação aos custos de produção, o realinhamento dos preços, a exemplo do Plano Bresser, deveria gerar uma margem de folga para suportar o congelamento.
364 - ...Teve até isto aqui: A cotação do dólar norte-americano foi fixada em NCz$1, o que refletia uma desvalorização do cruzado da ordem de 18%. Acreditava-se que a relação unitária entre o cruzado novo e o dólar norte-americano teria um efeito psicológico positivo, na medida em que fosse percebida como um indicador da disposição efetiva do governo em combater a inflação doméstica e, assim, sustentar a nova paridade a médio prazo. Em contraste com o Plano Bresser, mais na linha do Plano Cruzado, as minidesvalorizações diárias do cruzado foram suspensas: a taxa de câmbio permaneceria fixa por tempo indeterminado. Corte de despesas estatais e até privatizações também faziam parte do plano.
365 - A teoria do plano: A execução do Plano Verão pretendia produzir dois ou três meses de taxas de inflação baixas com a economia desindexada e, assim, induzir os agentes econômicos a ampliar as periodicidades dos reajustes nas negociações sobre as regras futuras de indexação. Nesta fase seria também aprofundado o ajuste fiscal. As taxas de juros elevadas promoveriam uma recessão suave a curto prazo, o que facilitaria a eliminação gradual do congelamento. O congelamento de preços seria conduzido sob a forma de uma sucessão de congelamentos de menor escopo e de pequena duração, o que permitiria tatear o equilíbrio de preços da economia. Enfim, era um plano que apostava fortemente nas boas expectativas dos agentes (talvez no período de maior descrédito quanto aos planos...)
366 - A prática: Os resultados dos primeiros meses do Plano Verão não corresponderam às expectativas do governo. A variação oficial do IPC em fevereiro ficou em 3,6%. Porém, já em março, segundo mês do congelamento, a inflação alcançou 6,1%, influenciando negativamente o curso das negociações sobre as novas regras de indexação da economia. Sem o braço da política fiscal, cujo ajuste anunciado não se materializou, o governo se viu obrigado a manter as taxas de juros excessivamente elevadas por um período mais longo do que previsto inicialmente, o que agravou ainda mais o desequilíbrio fiscal. Segundo estimativas do próprio governo, o custo da conta de juros da dívida interna após o Plano Verão deveria alcançar 3% a 4% do PIB em 1989, o que sinalizaria um déficit operacional para o setor público da ordem de 6% a 7% do PIB. Em bases anuais o déficit operacional de fato acabou alcançando, em 1989, 6,9% do PIB em comparação com 4,8% no ano anterior. Ocorreu que muita gente ganhava com taxas de juros reais altas, beirando 13 a 14%. O consumo não caiu. Além disso, a falta de credibilidade no programa também impulsionou o consumo, pois a aposta na fragilidade e na transitoriedade do congelamento começou mais cedo do que se esperava.
367 - Nova mudança de política: Em fins de abril o governo deu os primeiros passos na direção da reindexação da economia. Atendendo a demanda de um indexador oficial, foi criado o BTN (Bônus do Tesouro Nacional), sucedâneo da extinta OTN, corrigido mensalmente com base na variação do IPC. O novo indexador só poderia ser utilizado em novos contratos, com prazo mínimo de 90 dias. Na mesma ocasião, o governo estabeleceu as regras do descongelamento: após a primeira revisão dos preços, sem data marcada, a ser autorizada pelo ministro da Fazenda, os reajustes só poderiam ocorrer em intervalos de 90 dias, exceto em casos excepcionais. Além disso, o governo ratificou a decisão de não submeter uma proposta de política salarial ao Congresso, embora procurasse induzir, com os reajustes trimestrais de preços e os prazos mínimos de 90 dias para os contratos pós-fixados em BTN, a adoção da trimestralidade. Em maio veio o descongelamento dos "preços competitivos" e reindexação dos salários a um gatilho de 5%. A inflação mensal voltou a buscar os dois dígitos. E a partir daí foi galopando: Em fevereiro de 1990 alcançou mais de 70% e, em março, o pico de 84%, ou seja mais de 4.800% nos últimos 12 meses.
368 - ...No contexto de taxas mensais de inflação de dois dígitos e reajustes salariais mensais, podia-se projetar a curto prazo uma redução dos prazos de indexação vigentes, com o virtual abandono da trimestralidade nos reajustes de preços e a reinstituição das minidesvalorizações cambiais diárias. Assim, o governo encaminhou-se rapidamente para o estabelecimento de uma economia tão ou mais indexada do que antes do Plano Verão, com o fator agravante de um maior desequilíbrio fiscal. (...) A despeito das expectativas pessimistas no início do ano, da forte aceleração inflacionária e das altas taxas de juros o crescimento do PIB em 1989 foi de 3,2%, em contraste com a estagnação no ano anterior. (...) Após a queda proporcionada pelo Plano Verão, em meados de 1989 já se projetava para o segundo semestre de 1989 o retorno a uma taxa de inflação de 20% ao mês. Essas expectativas se revelaram otimistas (...).
369 - O produto real da economia brasileira se expandiu à taxa média de 4,4% ao ano entre 1985 e 1989. A análise dos índices trimestrais do PIB real revela que a estagnação da produção se iniciou no final de 1986, após dois anos consecutivos de crescimento superior a 7% ao ano. Entre 1980 e 1989 o PIB cresceu apenas 2,9% ao ano em contraste com mais de 8% ao ano na década de 1970. Levando em conta o crescimento populacional de 2% ao ano, a renda per capita da economia brasileira avançou apenas 0,9% ao ano na década de 1980. E toda essa estagnação sequer foi para resolver problemas (estabilização, equilíbrios etc.). Logo, pode ser considerada uma década perdida. A estagnação prolongada, a falta de sucesso no combate à inflação, as incertezas quanto às renegociações externas, o agravamento do desequilíbrio fiscal, as indefinições da política industrial e as ameaças ao capital estrangeiro não criaram um clima propício à retomada do crescimento sustentado na segunda metade da década de 1980.
370 - A poupança externa, que representou cerca de 4% do PIB em média na década de 1970, virtualmente desapareceu a partir de 1984, em decorrência do equilíbrio da conta corrente do balanço de pagamentos em resposta à suspensão dos empréstimos externos voluntários em 1982. A poupança nacional também caiu devido à redução da poupança pública que, após representar 4,5% do PIB na média da década de 1970, tornou-se negativa a partir de 1982. A carga tributária líquida do governo caiu de 15% do PIB na média da década de 1970, para 10% do PIB na primeira metade da década de 1980 e para menos de 10% do PIB a partir de 1985. A recuperação do investimento exigiria, assim, necessariamente por uma recomposição da carga tributária líquida e, consequentemente, da poupança do governo, de pelo menos 5% do PIB. Ressalta-se, inclusive, que o cenário externo era "bom", em termos de balança comercial (termos de troca, superávits recordes e coisa e tal).
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