Livro: Marcelo de Paiva Abreu - A Ordem do Progresso (2014) - Capítulo 13
Livro: Marcelo de Paiva Abreu - A Ordem do Progresso (2014)
Pgs. 277-294
"CAPÍTULO 13: "AJUSTE EXTERNO E DESEQUILÍBRIO INTERNO, 1980-1984"
315 - Dois autores aqui. Texto de Dionísio Dias Carneiro e Eduardo Marco Modiano. A dificuldade de renovação de empréstimos evidenciava que já não havia disposição dos credores internacionais para financiar um ajuste sem pesados custos internos no curto prazo. (...) Do final de 1980 a meados de 1984, as linhas gerais de política macroeconômica passaram a ser ditadas pela disponibilidade de financiamento externo.
316 - Período "tudo por divisas" - 81/82: A lógica dessa política é fazer com que a queda da demanda interna tome as atividades exportadoras mais atraentes, ao mesmo tempo que reduz as importações. Vieram o arrocho salarial (regras de reajuste mais rígidas) e controle de gastos (corte de investimentos das estatais). Além do aumento de imposto (IOF e manipulação das faixas de renda do IRPF, aumentando cobertura).
317 - Houve forte freio no crédito, mas não mudou muita coisa. O efeito das políticas restritivas de demanda na taxa de inflação foi praticamente nulo, contrapondo-se ao otimismo deflacionista que se inspirava nas estimativas de Lemgruber (1974) e Contador (1977, 1982). A rigidez da inflação em 1981 reforçaria a tese inercialista, que emergia dos resultados analíticos de Resende e Lopes (1981, 1982), Lopes (1983) e Modiano (1983a), entre outros.
318 - Quanto à restrição externa, as reservas não secavam já que continuava a política de endividamento. A escalada das taxas de juros internacionais de quase 4 pontos percentuais em 1981 adicionou, porém, cerca de US$3 bilhões ao pagamento dos juros da dívida externa, que absorvia então 40% das receitas com exportações. Nestas condições, a captação externa de recursos elevou em 14% a dívida de médio e longo prazos e permitiu ainda um aumento das reservas cambiais de US$600 milhões.
319 - A economia brasileira passava por uma recessão profunda, que culminou com uma queda de cerca de 10% no produto industrial em 1981, liderada pelas retrações de 26,3% e 19% nos segmentos de bens de consumo duráveis e de bens de capital respectivamente. Um declínio no PIB real foi observado pela primeira vez no pós-guerra.
320 - Bacha (1983) estimou que a decisão de não recorrer ao suporte do FMI para um programa de estabilização aparentemente ortodoxo deve ter custado ao país cerca de US$400 milhões na conta de juros. O governo parecia temer que o FMI demandasse drásticas mudanças em sua estratégia de ajustamento estrutural de longo prazo e restringisse sua liberdade em relação à política econômica. O mais provável, porém, é que a ida ao Fundo fosse considerada uma demonstração de fraqueza, que minaria o já frágil suporte político do governo. Mesmo em 1982, já com o déficit em conta corrente enorme ao fim do ano, o governo continuava a fingir que não precisava do FMI. Eleições civis vinham aí.
321 - Chega a ficar engraçada a história... A seriedade do ajustamento às novas restrições externas foi reforçada por uma reunião extraordinária do Conselho Monetário Nacional, que votou um compromisso formal de austeridade para o ano seguinte sob a forma de um documento chamado “Programa para o Setor Externo em 1983”. As assertivas básicas do documento eram de que as exportações deveriam crescer 9,5% e as importações deveriam ser reduzidas em 17% de forma a gerar um superávit comercial de US$6 bilhões para 1983. Apesar dos desmentidos oficiais, era óbvio que o programa seria a base para um acordo com o FMI. (...) a proximidade das eleições gerais (marcadas para 15 de novembro) obrigou o governo a adiar o pedido formal de auxílio ao FMI até o final de novembro. Muita safadeza rs: ...Três dias após as eleições de novembro, o ministro do Planejamento admitiu que o Brasil já vinha “adotando uma política econômica dentro dos padrões recomendados pelo FMI”.8 Em 20 de novembro foi feito o anúncio oficial de que um programa seria submetido à consideração do Fundo e que havia sido obtido um acordo formal com os bancos privados sobre quatro pontos ou “projetos”, como passaram a ser chamados (...).
322 - A economia brasileira ficou praticamente estagnada em 1982, com um crescimento real do PIB de apenas 0,8%. O produto real da agropecuária, que crescera 9,6% e 8% em 1980 e 1981, contraiu-se 0,2% em 1982. A produção industrial permaneceu nos mesmos níveis registrados em 1981. A taxa de inflação em 1982 também não se modificou em relação ao ano anterior. A variação em 12 meses do IGP-DI acumulou 100% no final de 1982.
323 - Em fevereiro de 1983 viria a maxidesvalorização do câmbio (30%). A partir de então, o câmbio acompanharia a inflação, digamos assim. Para que os trabalhadores pagassem a conta do combate à inflação, rolaram medidas de desindexação para as regras de negociação e reajustes. Assim, a desindexação salarial e a aceleração inflacionária resultaram numa queda de cerca de 15% no poder de compra dos salários ao longo do ano de 1983.
324 - ...Uma combinação de fatores, tais como a recessão interna, a queda do salário real, a desvalorização cambial, as quedas do preço internacional do petróleo e da taxa de juros, e a recuperação da economia norte-americana, que se fortaleceu durante a segunda metade do ano, contribuiu para o cumprimento de praticamente todas as metas relacionadas com as contas externas em 1983. Não era algo 100% estrutural, portanto. A redução de 20,4% nas despesas com importações, para 6,8% do PIB, foi obtida graças à queda de 4,7% no preço internacional do petróleo, aos controles diretos, à contração da demanda induzida pela recessão, além da substituição de longo prazo permitida pela entrada em operação de vários projetos novos desenvolvidos no âmbito do programa de investimentos pós-1975.
325 - Na batalha contra a inflação é que a coisa foi meio frustrante. Acelerou pra perto de 200%. Embora o impulso inicial possa ser atribuído à desvalorização cambial, a aceleração inflacionária foi posteriormente sustentada por um choque agrícola. Ainda teve enchente e seca no meio da coisa.
326 - Havia ainda problemas técnico-metodológicos para cumprimento das metas de redução do déficit em relação ao PIB com o FMI: A variável fiscal utilizada pelo Fundo era altamente sensível à inflação, mesmo quando sua trajetória era comparada com a evolução do PIB. A relação entre as necessidades (nominais) de financiamento do setor público e o PIB aumentava num contexto de aceleração inflacionária, tal como em 1983, pois a correção nominal do saldo da dívida refletia a variação dos preços ao longo do ano, enquanto o PIB espelhava o nível médio de preços no ano. Durante o ano foram ajustando isso. Com o novo critério, o déficit público cairia de 6,2% do PIB em dezembro de 1982 para 3% do PIB no final de 1983. O ajuste das finanças públicas contou com cortes significativos nas despesas de capital das empresas estatais, o que contribuiu para que a taxa de investimento da economia caísse do patamar de 23-24% do PIB vigente até 1982 para 19,9% do PIB em 1983.
327 - FMI já estava ajudando em 1984. O governo se sentiu à vontade pra fazer socialização das perdas (TBTF?): No primeiro trimestre de 1984, com o fim da especulação contra o cruzeiro, o governo socorreu o sistema financeiro, trocando a maior parte dos títulos indexados em dólar por títulos indexados em cruzeiros, absorvendo as perdas derivadas das especulações malsucedidas.
328 - O período 81 a 83 foi de forte recessão industrial. O extremo: a queda ininterrupta da produção de bens de capital entre 1981 e 1983 acumulou 55%, acompanhando a queda da taxa de investimento da economia no período. As outras tiveram retrações mais modestas.
329 - Contexto em 1984: O vigor da recuperação norte-americana nos primeiros dois trimestres de 1984 foi de importância fundamental para o relaxamento da restrição externa e, consequentemente, para o desempenho da economia brasileira em 1984. Somente no primeiro semestre, as exportações de aço aumentaram 40%, aproveitando-se do surto de importações que levou os Estados Unidos a aumentarem suas importações da América Latina nos primeiros cinco meses de 1984, em comparação com o mesmo período do ano anterior, a uma taxa superior a 50%. As exportações de manufaturados responderam ao reaquecimento do comércio mundial, liderado pela recuperação norte-americana, estimulando a demanda no setor industrial e, via efeito multiplicador interindustrial, no resto da economia. Por outro lado, o aumento violento nos preços agrícolas, ao aumentar a renda do setor rural, também propiciava maiores compras de bens intermediários e maquinaria da indústria. Já no primeiro trimestre de 1984, havia sinais indubitáveis de recuperação da atividade industrial, quando o nível de produção cresceu 4 pontos percentuais em relação ao primeiro trimestre de 1983. (...) Aliado ainda à queda do preço internacional, o aumento da produção doméstica permitiu uma redução nas despesas de importações de petróleo da ordem de US$4 bilhões no mesmo período.
330 - ...Além da recuperação do salário real, o consumo foi ainda impulsionado a partir do terceiro trimestre do ano pela exacerbação das expectativas inflacionárias em função da própria demanda de recomposição das perdas salariais, do boom nos mercados financeiros, da política monetária frouxa e do aumento da frequência dos reajustes das tarifas públicas. Os setores industriais se recuperavam também. O de bens de capital finalmente cresceu. Quase 15% logo. A agricultura foi bem, mas... A insensibilidade das taxas de inflação ao aumento da oferta agrícola era apenas mais um sintoma da indexação crescente da economia. A inércia comandava os preços. A inflação, medida pelo IGP-DI da FGV, acumulou uma variação de 223,8% ao longo de 1984, o que configura razoável estabilidade em relação à taxa de 211% observada no ano anterior. (...) A estabilidade das taxas mensais até agosto, em torno de 10% ao mês, reforçava o caráter inercial do processo inflacionário brasileiro e sua relativa invariância ao nível de atividade.
331 - ...A proposta "Larida" partia desse diagnóstico: ...Ambas as propostas pressupunham resolvidos os conflitos distributivos de renda, por trás da estabilidade das taxas mensais de inflação. Tanto a definição das regras de conversão da “moeda indexada”, quanto a fixação dos níveis de preços e salários do congelamento no “choque heterodoxo”, requeriam a aceitação pacífica de um padrão de distribuição da renda pré-determinado.
332 - ...Acelerando (citam a previsão de safra ruim pra 1985 e empresas em geral ainda querendo recuperar margem de lucro desde a recessão): ...A variação média do IGP-DI entre outubro e dezembro atingiu 11,1% ao mês, o que corresponde a uma taxa anual da ordem de 250%. (...) a habilidade dos potenciais perdedores em transferir ao menos parte de suas perdas para o governo, levou as finanças públicas a um estado de desordem desde o nível do governo central, estreitamente definido, até as empresas estatais.
333 - Contas externas em 1984: Graças à expansão das exportações e à nova queda das importações, o superávit comercial brasileiro acumulou US$13,1 bilhões em 1984, superando em US$4 bilhões a meta acordada com o FMI e em US$3 bilhões a conta líquida de juros, pela primeira vez desde o choque do petróleo. O saldo da conta corrente do balanço de pagamentos, em declínio a partir de 1982, encontrava-se praticamente em equilíbrio no final de 1984. As reservas internacionais foram incrementadas em mais de US$7 bilhões, resultando num saldo cerca de 160% superior àquele registrado em dezembro de 1983. Assim, apesar de um acréscimo na divida bruta da mesma ordem de magnitude de 1983, em termos líquidos a dívida externa cresceu em 1984 a uma taxa bem mais moderada do que nos anos anteriores. Otimismo tomou conta dos analistas. O Brasil voltaria a crescer forte e saldar os compromissos externos. O FMI, entretanto, incomodado com o descumprimento de algumas metas fiscais, o que dificultava o combate à inflação, aguardou o novo governo, agora civil, assumir para retomar a negociação.
334 - Os autores avaliam que o FMI focou muito no ajuste externo e foi flexível com o interno. O lado fiscal e a inflação tornavam todo o ajuste externo meio que limitado. O plano trienal do FMI promoveu um ajustamento recessivo, baseado na redução do investimento público, na aceleração das desvalorizações cambiais, em taxas de juros mais elevadas e na correção de alguns preços domésticos de forma a incentivar exportações.
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