Livro: Marcelo de Paiva Abreu - A Ordem do Progresso (2014) - Capítulos 5 e 6
Livro: Marcelo de Paiva Abreu - A Ordem do Progresso (2014)
Pgs. 123-137
"CAPÍTULO 5: "POLÍTICA ECONÔMICA EXTERNA E INDUSTRIALIZAÇÃO, 1946-1951"
142 - Texto de Sérgio Besserman Vianna. Diagnostica uma ilusão liberal no início de governo. A política econômica no governo Dutra possui, porém, períodos distintos, delimitados por dois marcos relevantes. O primeiro foi a mudança na política de comércio exterior, com o fim do mercado livre de câmbio e a adoção do sistema de contingenciamento às importações, entre meados de 1947 e início de 1948. O segundo foi o afastamento do ministro da Fazenda, Correa e Castro, em meados de 1949, indicando a passagem de uma política econômica contracionista e tipicamente ortodoxa para outra, com maior flexibilidade nas metas fiscais e monetárias.
143 - Vai jogando fatos (a meu ver, sem explicar muita coisa): ...Inicia-se longa transição de uma década em direção à livre conversibilidade e ao multilateralismo. Em 1949 procede-se a grandes desvalorizações cambiais em relação ao dólar nas principais moedas do mundo. Os Estados Unidos aceitam discriminações contra produtos norte-americanos nos mercados europeus e japonês sem adotar medidas retaliatórias. Em 1950 surge a União Europeia de Pagamentos(UEP) consolidando a ideia de uma lenta transição em direção às trocas multilaterais e à conversibilidade geral das moedas.
144 - Aqui explica melhor as tais "ilusões" do governo Dutra. Eram ilusões de divisas: ...além da perspectiva de uma rápida reorganização da economia mundial de acordo com os princípios liberais de Bretton Woods, havia a esperança de uma significativa alta dos preços internacionais do café, como resultado, principalmente, da eliminação, em julho de 1946, de seu preço-teto por parte do governo norte-americano (Preço-teto que em nenhum momento anterior o livro mencionou... E olha que ele menciona é coisa!). O Brasil tinha acumulado reservas e acreditava que uma política liberal de câmbio seria capaz de atrair significativo fluxo de investimentos diretos estrangeiros, dando solução duradoura para o potencial desequilíbrio do balanço de pagamentos. Assim, voltou a atenção ao combate à inflação, usando políticas contracionistas nos diversos âmbitos. (...) Os preços no Brasil dobraram em relação aos preços nos Estados Unidos entre 1937 e 1945, o que torna evidente a sobrevalorização da taxa cambial. A paridade era fixa.
145 - Ilusão 1: a composição das reservas não podia financiar grandes déficits externos, o que tornava ariscada a pretensão de usar a moeda apreciada para frear a inflação e reequipar as indústrias. As reservas internacionais acumuladas durante a guerra não permitiam financiar déficits da magnitude dos observados com a área conversível: em fins de 1946, dos US$760 milhões de reservas totais, apenas cerca de US$100 milhões eram reservas líquidas disponíveis para a área conversível; o restante compunha-se de libras esterlinas (bloqueadas de fato), moedas inconversíveis (somando US$273 milhões) e ouro depositado nos Estados Unidos, como se verifica na Tabela 5.1. 1 As reservas em ouro (US$365 milhões, 50% do total), porém, eram consideradas pelo governo brasileiro como reserva estratégica, a ser preservada para emergências futuras. (...) O problema fundamental da balança comercial estava no fato de o Brasil obter substanciais superávits comerciais com a área de moeda inconversível, enquanto acumulava déficits crescentes com os Estados Unidos e outros países de moeda forte. Então havia um falso equilíbrio da balança comercial. EUA eram 60% das importações brasileiras e só dólar podia ser usado pra isso.
146 - Pelo jeito, a guerra realmente era melhor que a paz para o Brasil especificamente: O término do conflito mundial afetou também as pautas de exportação e importação do Brasil, com a volta ao mercado dos antigos fornecedores e o início da recuperação econômica. Cai a exportação brasileira de matérias-primas e, principalmente, de manufaturas: estas chegaram a representar 20% da pauta em 1945, caindo para 7,5% em 1946 e continuaram em queda até alcançar menos de 1% em 1952. As importações, por sua vez, enfrentam não apenas as pressões resultantes da necessidade de reequipamento, como um intenso acréscimo de preços, que sobem 64% entre 1945 e 1947. (...) As reservas em moedas conversíveis reduziram-se rapidamente (chegando a apenas US$33 milhões, em fins de 1947), e o Brasil começou a acumular atrasados comerciais (US$82 milhões, em fins de 1947). Muitos fornecedores suspendem suas remessas para o Brasil e diferentes indústrias têm seu ritmo de produção ameaçado por falta de matérias-primas importadas. A imposição de controles seletivos sobre as importações surge, portanto, como necessidade.
147 - A alternativa de desvalorização foi posta de lado pelo governo por várias razões: em primeiro lugar, devido à lição aprendida de que a demanda estrangeira pelo café era relativamente inelástica com respeito ao preço, de modo que uma taxa de câmbio sobrevalorizada poderia ser utilizada para sustentar os preços internacionais do café. Em segundo lugar, pela prioridade concedida ao combate à inflação e à convicção das autoridades governamentais de que alterações na taxa cambial refletiam-se significativamente no nível de preços domésticos. Em terceiro lugar, mais de 40% das exportações dirigiam-se à área de moedas inconversíveis e/ ou bloqueadas, e o café representava mais de 70% das exportações para áreas de moeda conversível; assim, mesmo supondo significativa elasticidade-preço da oferta de outras exportações que não o café, não era justificável uma política de superávits comerciais na áreas de moedas não conversíveis. Essas, além de não ajudarem a minorar o problema cambial com a área conversível, exerceriam pressão para a expansão da base monetária. Finalmente, dada a inelasticidade relativa a preços da demanda de importações, a desvalorização dificilmente reduziria o dispêndio total em produtos importados, assim como não asseguraria qualquer seletividade na composição da pauta (indispensável diante da precariedade dos fornecimentos à atividade industrial).
148 - Melhora das condições externas (inclusive para o preço do café) e controle das importações trouxe alívio nas contas a partir de 1947.
149 - Ainda sobre o câmbio: Outro resultado da manutenção da taxa cambial foi a perda de competitividade das exportações brasileiras – principalmente em relação aos mercados europeus, devido às desvalorizações de 1949 –, mas, também, em geral, dada a inflação interna. As exportações outras que não café contraíram-se significativamente entre 1947 e 1950 (ver Tabela 5.2). Atribuir o fraco desempenho das exportações brasileiras exclusivamente à sobrevalorização do cruzeiro é, entretanto, simplificação perigosa, na medida em que se desconsidera toda uma gama de outras causas: a perda de competitividade, naturalmente decorrente da progressiva reorganização da economia mundial após a guerra; a decisão de evitar acúmulo de moedas inconversíveis com superávits comerciais nessa área; e a opção por reduzir pressões inflacionárias através do aumento da oferta para consumo doméstico.
150 - Dado que a compressão das importações era extrema na área de moeda forte (na área de moeda fraca, expandiram-se as importações, tentando preencher as lacunas), produziu-se tensão em setores chave da economia, nos quais o nível dos estoques estava tão reduzido que a escassez afetava a produção. O aumento da capacidade de importar, devido à elevação dos preços do café e a forte demanda contida por importações levaram o governo Dutra a iniciar certa liberalização na concessão de licenças para importar no segundo semestre de 1950. Ao que entendi, o autor valia que o controle começou como forma de equilibrar as contas, mas foi virando outra coisa: Uma avaliação mais atenta dessa importância deve considerar que o controle teve diferentes fases, através das quais foi sendo crescentemente utilizado com a finalidade de promoção do desenvolvimento industrial por substituição de importações. (...) Mantinha-se a taxa de câmbio sobrevalorizada e progressivamente impunham-se medidas discriminatórias à importação de bens de consumo não essenciais e daqueles com similar nacional.
151 - A taxa de câmbio sobrevalorizada tendeu a alterar a estrutura das rentabilidades relativas, no sentido de estimular a produção para o mercado doméstico em comparação com a produção para exportação. O café exportado, porém, continuou forte, em razão da boa alta do preço internacional.
152 - O crédito industrial cresceu forte mesmo no período austero do governo Dutra. Então, de certa forma, há uma continuidade parcial em relação ao Estado Novo. "É preciso relativizar, portanto, a ideia de que o governo Dutra abandonou as políticas de governo e ações diretas voltadas para a promoção do desenvolvimento industrial". (...) Isto se revela tanto no momento em que libera as importações – entre outras razões para satisfazer a demanda reprimida de bens de capital e matérias-primas da indústria nacional –, como após a instalação do controle, quando este evolui paulatinamente no sentido de introduzir critérios de seletividade. Quando o controle foi criado, não se visava nem se percebia a sua importância para o processo de industrialização. Cita, ainda, a CHESF e outros órgãos.
153 - O tal do Plano Salte ficou mais no papel. Faltava base parlamentar. Aprovado pelo Congresso apenas em 1950, o Plano Salte teve implementação fragmentária e foi oficialmente abandonado em 1951.
154 - Brasil esperava demais dos EUA: Já em 1946 tornava-se pública a posição de considerar que as necessidades de capital dos países da América Latina deveriam ser supridas principalmente por fontes privadas de financiamento, devendo o Brasil ter presente, segundo o governo norte-americano, que seu desenvolvimento dependeria, em última instância, da habilidade de criar clima favorável ao ingresso de capitais privados (Malan, 1984, p. 63-4).
155 - ...Os problemas, na verdade, se avolumavam: Em primeiro lugar, o fluxo de capitais privados internacionais permanece em níveis muito baixos até meados da década de 1950. Em segundo lugar, o objetivo dos Estados Unidos era eliminar as restrições ao comércio internacional. Permaneciam em vigor estritos controles sobre os fluxos financeiros internacionais, o que, ausentes linhas organizadas de crédito, criaria um problema de liquidez mundial somente resolvido no pós-guerra, através da União Europeia de Pagamentos (UEP) e de ajuda financeira norte-americana relacionada ao Plano Marshall e a gastos militares. Em terceiro lugar, parte da saída de divisas deve-se, obviamente, à manutenção de uma taxa de câmbio sobrevalorizada e à expectativa de alteração dessa taxa devido ao equilíbrio forçado no balanço de pagamentos desde 1948, estimulada pela desvalorização da libra esterlina e outras moedas em 1949 e pela proximidade da posse de novo governo. Em quarto lugar, cabe considerar também que, em decorrência do investimento direto ocorrido nestes anos e anteriores – e concomitante aumento do estoque de capital estrangeiro no país (particularmente se se leva em conta os desinvestimentos britânicos então realizados), é natural que ocorresse também algum aumento nas remessas das rendas desses investimentos.
156 - O governo Dutra pretendeu atacar vinte anos de déficit fiscal (em 1946 não deu, devido ao forte aumento dos salários do funcionalismo). Várias contrações - até do crédito - e o PIB cresce 2,4% no primeiro ano (em termos de "per capita", deve ter sido zero). Problema foi que os demais entes federativos - aproveitando maior liberdade da Constituição liberal de 46 - continuaram em forte déficit, o que minava qualquer esforço.
157 - O futuro de Haddad? Apesar da mensagem presidencial de 1947 considerar a reforma tributária como “assunto de inadiável execução”, o que permitiria que o ajuste das finanças públicas não se fizesse exclusivamente às custas de redução dos gastos governamentais, a oposição do setor empresarial e as dificuldades políticas para tramitação de proposta desse teor no Congresso Nacional forçaram o abandono do tema.
158 - A política monetária, contudo, foi pressionada pela expansão do crédito do Banco do Brasil, presidido por Guilherme da Silveira, que em 1948 apresentou crescimento real de 4%, voltado principalmente para o financiamento à indústria. A inflação fica em 5,9% e o PIB cresce 9,7%, puxado basicamente pelo crescimento industrial, calcado na compressão das importações, na existência de crédito e na baixíssima base do ano anterior, quando a indústria praticamente não cresceu.
159 - A substituição de Correa e Castro justamente por Guilherme da Silveira (que foi ministro de junho de 1949 a janeiro de 1951) marca um ponto de inflexão pouco estudado na política econômica do governo Dutra. Era o apelo das eleições. Tudo passa a ser expansionista. (...) Em segundo lugar, na medida em que a combinação de câmbio sobrevalorizado com controle de importações resultava em vigorosos investimentos na indústria de bens de consumo duráveis, aumentava a força e a demanda do setor industrial, assim como a consciência do governo sobre este processo, gerando uma ativa política de crédito para a indústria por parte do Banco do Brasil. Por fim, também ficava claro que o retorno dos fortes fluxos privados internacionais seria um processo lento. (...) Enfim... O final do governo Dutra pode ser caracterizado, portanto, no setor interno, pela retomada do crescimento, do processo inflacionário e pela recorrência do desequilíbrio financeiro do setor público e, no setor externo, pelas expectativas favoráveis decorrentes da elevação dos preços do café e da mudança de atitude do governo norte-americano em relação ao financiamento dos programas de desenvolvimento do Brasil.
Pgs. 138-159
"CAPÍTULO 6: "DUAS TENTATIVAS DE ESTABILIZAÇÃO, 1951-1954"
160 - Também Sérgio Besserman Vianna. A ideia de Vargas: O projeto consistia, em linhas gerais, na ideia de dividir o governo em duas fases: na primeira haveria a estabilização da economia, o que, na visão ortodoxa das autoridades econômicas de então, consistia fundamentalmente em equilibrar as finanças públicas de modo a permitir a adoção de uma política monetária restritiva, e dessa forma, acabar com a inflação. A segunda fase seria a dos empreendimentos e realizações. O projeto, portanto, sustentava-se sobre duas pernas: o “saneamento econômico-financeiro”, isto é, o sucesso da primeira fase, e o afluxo de capital estrangeiro para financiamento de projetos industriais de infraestrutura. Sobre essa segunda parte, ...O outro pilar do projeto traçado foi a formação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU).
161 - A CMBEU era fundamental para o sucesso da segunda fase do projeto do governo por duas razões: primeiro, porque o financiamento dos projetos por ela elaborados, pelo Banco Mundial e pelo Eximbank asseguraria a superação de gargalos na infraestrutura econômica do país (marcadamente nos setores de energia, portos e transportes), fornecendo simultaneamente as divisas absolutamente necessárias para essa finalidade. Ao mesmo tempo, a desobstrução desses pontos de estrangulamento poderia propiciar uma significativa ampliação do fluxo de capital dirigido para o Brasil através de investimentos diretos ou mesmo novos empréstimos feitos por estas duas instituições. Segundo, porque o afluxo de capital estrangeiro permitiria, tal como no governo Rodrigues Alves, que se cumprisse a fase das realizações e empreendimentos sem prejuízo da manutenção de uma política econômica austera e ortodoxa.
162 - Tentou-se, por um período, liberalizar novamente as importações, ainda que parcialmente. Poderia ajudar no controle inflacionário e se encaixava numa perspectiva de melhora do cenário mundial, com bom desempenho das exportações. Avaliava-se que a produtividade dependia das importações. O expansionismo monetário sem as mesmas batia no teto de oferta da economia e acelerava a inflação. Havia uma demanda reprimida por elas. Enfim, era isso ou esterilizar, o que tinha suas complicações. Porém, com a flexibilização, houve impacto violento nas reservas e o controle voltou. Apesar disso, a média mensal de licenciamentos entre agosto e dezembro permaneceu relativamente elevada. Como a posição cambial do país continuou se agravando (as reservas em dólar tornaram-se negativas em US$27 milhões em dezembro), os licenciamentos foram novamente apertados no início de 1952 e voltaram aos níveis dos períodos de maior controle de importações a partir do segundo semestre desse ano. (Alerta que leva-se um tempo até que as medidas surtam efeitos, pois licenças continuam válidas por vários meses. Isso confunde alguns que se põem a analisar o período).
163 - Pra completar a merda (crise cambial)...: Por outro lado, a receita das exportações caiu 20% em comparação com 1951. Foram três as causas principais dessa queda. Em primeiro lugar, os efeitos da sobrevalorização do cruzeiro e das pressões inflacionárias internas. Em segundo lugar, uma crise da indústria têxtil mundial que paralisou as vendas do segundo produto de exportação, o algodão. Finalmente, a expectativa generalizada de desvalorização cambial induziu os exportadores a reterem estoques. Em consequência da retração das exportações, a participação do café nas vendas externas subiu para 74% enquanto em 1951 não atingira 60%. O equilíbrio de 1951 deu lugar a um déficit na balança comercial de US$302,1 milhões, ao esgotamento das reservas internacionais particularmente as conversíveis – e ao acúmulo de atrasados comerciais superiores a US$610 milhões, sendo US$494 milhões em moedas conversíveis. (...) O aporte de recursos sob a forma de empréstimos e financiamentos assim como a entrada de investimentos diretos foram extremamente baixos, embora o Brasil, no quadro geral de escassez desses fluxos de capital, estivesse longe de ser desfavorecido.
164 - Governo não conseguia aprovar fácil aumento de imposto no Congresso e teve que cortar investimentos públicos já que a ideia era fazer cosplay de Campos Sales. O jeito foi melhorar o sistema de arrecadação e aproveitar as receitas do crescimento extraordinário das importações. Resultado teve: A combinação da contenção das despesas da União com o grande aumento da receita e com a orientação imprimida pelo governo federal aos estados e Distrito Federal, cujo déficit foi significativamente reduzido, levou ao primeiro superávit global da União e estados desde 1926. (...) A orientação fiscal do governo foi mantida em 1952. O superávit no orçamento da União foi praticamente igual ao obtido no ano anterior. Não foi possível, entretanto, repetir a performance no orçamento dos estados, Distrito Federal e municípios devido principalmente ao estouro do déficit de São Paulo.
165 - A política monetária tentava ser ortodoxa, mas a de crédito ia no sentido contrário. Isso não estava desconectado do fato de que todos queriam aproveitar aquela temporária flexibilização das importações. ...mais correto do que atribuir a origem do surto de investimentos à expansão do crédito é notar a articulação entre ambos, com a demanda da importação de equipamentos pressionando o crédito e a expansão deste possibilitando a sua realização nos elevadíssimos níveis em que se deu.
166 - Quanto ao desempenho da economia, o PIB real cresceu 4,9% e 7,3% em 1951 e 1952, respectivamente. O setor de serviços, impulsionado pelo comércio importador, foi o que apresentou as maiores taxas de crescimento. A produção industrial, afetada pela liberalização das importações, apresenta as menores taxas anuais de crescimento desde 1947. (...) Os dados significativos do período, porém, mais do que os relativos ao crescimento do produto são, sem dúvida, as elevadas taxas de investimento.
167 - Enfim, não rolou nem a estabilização econômica (crise cambial) nem o cenário externo amigável, já que a eleição de Eisenhower (1953) e mudança de postura do Banco Mundial para com o Brasil resultou em reorientação geral. Com eleições mais próximas, o cenário preocupava.
168 - Contesta que a Lei de Remessa de Lucros tenha sido o pivô do desentendimento com os EUA. Embora não seja possível realizar aqui um exame pormenorizado da questão das remessas de lucro (Vianna, 1987, seção 3.1.1), ou tecer maiores comentários sobre a substância do “nacionalismo do segundo Vargas” (Vianna, 1987, seção 5.2), é certo que a partir do janeiro de 1953, com a promulgação da Lei nº 1.807, conhecida como Lei do Mercado Livre, que concedeu ampla liberdade de movimentos pelo mercado livre de câmbio ao capital estrangeiro no Brasil, além de reconhecer plenamente o direito do reinvestimento, a legislação brasileira para remessa de rendimentos tomou-se das menos restritivas da América Latina, fato do qual o governo brasileiro era consciente. Teria sido muito mais os fatores já expostos anteriormente. No máximo, foi um estopim de atritos. Os atrasados comerciais, sim, eram o que mais pegava e tinham a ver com o colapso cambial. Tampouco outras questões afetando interesses estrangeiros no Brasil, como o monopólio do petróleo ou pendências acerca de ferrovias nacionalizadas levantadas por membros europeus do Banco Mundial parecem ter tido papel determinante, embora certamente tenham constado da pauta dos contatos realizados.
169 - ...Outra repercussão sobre o Brasil da vitória de Eisenhower foi a decisão do governo republicano de colocar-se resolutamente em favor das postulações do Banco Mundial em seu conflito com o Eximbank. Na verdade, desde 1948 que o Banco Mundial já tinha a posição de que o Eximbank deveria fazer empréstimos de longo prazo para o desenvolvimento da América Latina apenas quando o Banco Mundial não quisesse ou não estivesse apto a realizá-los. As razões para esta posição eram de duas ordens. Primeiro, a taxa de juros do Eximbank era menor, o que afastava tomadores de empréstimos do Banco Mundial. Segundo, empréstimos do Eximbank diminuíam a capacidade do Banco Mundial de tutelar a política econômica de governos da América Latina demandantes de crédito. Era o fim da CMBEU. Os projetos aprovados lá sequer tiveram financiamento integral.
170 - O que o Brasil recebeu foi empréstimo, do Eximbank (taxa de 3,5%) para resolver a questão dos atrasados comerciais. Havia taxas múltiplas de câmbio, misturando o livre e o controlado a depender do produto. A SUMOC tinha poderes para alterar as listas das importações a serem pagas através do mercado livre e continuava a existir o controle quantitativo das importações. A ideia era, também, melhorar as exportações, mas essas continuaram fracas em 1953. O que ocorreu foi que, por um lado, as exportações de gravosos não reagiram à desvalorização cambial com que foram beneficiadas (tendo, ademais, os exportadores de produtos com direito a vender menos de 50% no mercado livre iniciado um movimento de retenção dos embarques, na expectativa de tratamento mais favorável) e, por outro, caíram as exportações de café em função de um movimento concomitante de exportadores (que retinham estoques) e compradores (que retardavam a realização de negócios), ambos na expectativa da desvalorização cambial também para o café. O volume de café vendido no primeiro semestre de 1953 foi 11% inferior ao do mesmo período em 1952. Enfim, os atrasados comerciais continuavam a aumentar. Junho:...o Eximbank suspendeu o desembolso da segunda parcela, sugerindo uma renegociação.
171 - O desequilíbrio externo grave foi um dos fatores que levou à queda do ministro Lafer. Foram várias as causas dessa reforma. Uma delas, evidentemente, a difícil situação econômica, à qual falta acrescentar, apenas, uma crise na produção de energia elétrica (provocada por prolongada estiagem) que obrigou ao racionamento no fornecimento à indústria do Sudeste, agravando o clima de descontentamento.
172 - ...Em 23 de março de 1953, eclodiu uma grande greve de trabalhadores paulistas que chegou a paralisar mais de 300 mil operários. Era um sinal contundente de que o prazo concedido a Vargas para justificar as expectativas (de melhoria da qualidade de vida e melhor distribuição de renda) suscitadas na campanha eleitoral estava se esgotando. (...) Um dia antes da eclosão da greve dos 300 mil, Vargas havia sofrido sua maior derrota política desde o início do governo: a vitória de Jânio Quadros nas eleições para a prefeitura da Cidade de São Paulo, sem qualquer sustentação partidária e contra candidato apoiado pelo governador Lucas Garcez e por uma amplíssima coalizão de partidos. (...) Diante dos sinais de debilitamento das bases de sustentação de Vargas, a oposição começou a montar o cerco ao governo. Menciona os novos aliados de Vargas: Goulart e Tancredo Neves. Além da velha guarda, como Oswaldo Aranha (aceno para a UDN).
173 - ...Ainda 1953: A política do novo ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, consistiu numa nova tentativa de estabilização da economia, mantida a visão ortodoxa do problema (isto é, tendo como objetivo uma política fiscal austera e políticas monetária e creditícia restritivas), porém, desta feita, privilegiando o ajuste cambial. (...) A primeira providência foi homogeneizar o benefício cambial dado às exportações (exclusive café), reduzindo as três taxas mistas existentes a uma única, resultante da mistura, em 50%, da taxa dos dois mercados. (...) Exportações cresceram. Com relação ao empréstimo do Eximbank, Aranha tomou posição firme, cobrando a rápida liberação dos US$60 milhões da segunda parcela do empréstimo como condição para a renegociação, o que foi aceito pelo Banco. Em contrapartida, o governo brasileiro reiterou sua intenção de seguir política econômica ortodoxa e fez promessas de austeridade, além de comprometer-se a liquidar os atrasados comerciais com os Estados Unidos até o final de 1953 (adiando de seis meses a data inicialmente acertada).
174 - Explica lá a complicado Instrução 70 da SUMOC. Achei um saco, resumo aqui os resultados: Do lado das importações, as taxas múltiplas de câmbio através do sistema de leilões permitiram, simultaneamente, a realização de amplas desvalorizações cambiais, que vieram substituir o controle de importações como instrumento para o equilíbrio da balança comercial, e a manutenção de uma política de importações seletiva, onerando mais certos produtos e favorecendo a aquisição de outros, de acordo com o critério de essencialidade e, por consequência, de proteção à produção industrial doméstica. Além disso, o recolhimento dos ágios veio constituir importantíssima receita para a União. (Ao que entendi, os inúmeros detalhes podem ser resumidos em: desvalorização cambial seletiva e com aumento de taxação sobre comércio internacional. Se é um bom resumo, vai saber...). Criavam-se, portanto, duas taxas de câmbio para as exportações, ou seja, de Cr$23,32/US$ para o café e a de Cr$28,32/US$ para os demais produtos.
175 - ...A medida gerou receita, mas Aranha não conseguia conter os gastos. Nesse primeiro semestre, entre as causas de crescimento dos gastos do governo estão despesas com aumento nas obras públicas (exemplo: ampliação da produção elétrica), a forte seca que atingiu o Nordeste, um abono elevado concedido ao funcionalismo civil da União e gastos ocorridos em função da realização das eleições municipais. BB pagando atrasados comerciais e socorrendo o Estado de SP piorou a situação. Em 1953, o déficit da União foi de Cr$2,9 bilhões e o dos estados e municípios de Cr$5,4 bilhões. Enquanto as despesas da União cresceram 40,3% em relação a 1952, a receita dos principais impostos aumentou apenas 11,4% e a receita total cresceu 20,6% – praticamente igual à inflação no período, que, avaliada pelo IGP-DI, foi de 20,8%. Já o crédito, em geral, continuou crescendo, mas sem crescimento real para financiamento de atividades econômicas, foi mais para o governo mesmo.
176 - As desvalorizações cambiais parciais da Instrução 70 combinadas à política monetária não muito apertada contribuíram para o salto da inflação anual de 12 para 20%. Quanto ao desempenho da economia em 1953, o PIB apresentou crescimento de apenas 4,7%, inferior ao dos anos anteriores, desde a recessão de 1947. Deve-se notar, entretanto, que a indústria cresceu 9,3%.
177 - Em 1954, as grandes dificuldades surgidas para o programa de estabilização econômica de Oswaldo Aranha ... foram o aumento de 100% do salário mínimo e os problemas do café (..."De fato, até que, nos primeiros meses de 1954, as exportações de café sofressem brusca e violenta retração, a receita em divisas esperada com o café era avaliada, consensualmente, com enorme otimismo, derivado da alta dos preços do produto em 1953-1954."...). Quanto à recomposição salarial, bastaria 49% e Aranha sugeria 33%. Quanto ao café, especialmente as campanhas de boicote ao produto brasileiro nos EUA - consumidores chateados com as especulações envolvendo os preços - determinaram um grande baque. Governo teve que ceder parcialmente aos cafeicultores e desvalorizar, para estes, um pouco o câmbio a partir de agosto.
178 - Em meados de 1954, portanto, o Programa Aranha de estabilização econômica estava comprometido. Seus dois principais objetivos haviam sido enfrentar a difícil situação cambial, originando novas bases para o comércio exterior do país através do sistema de leilões de divisas, e utilizar a receita obtida com o saldo da conta de ágios e bonificações para criar condições para a adoção de políticas monetária e creditícia restritivas, tendo em vista o combate à inflação. Ambos os objetivos foram frustrados.
179 - Coloca que a suposta radicalização nacional-populista de Vargas foi só a parcial e ao final do mandato, ao que entendi. O que importa ressaltar sem correr o risco de leviandade, é que não existe necessidade de uma radicalização nacional-populista da política de Vargas para explicar as intenções golpistas de certos segmentos da sociedade. Aqui temos o futuro de Lula III? Em resumo, a natureza da política de Vargas, que se propunha contentar amplo espectro da sociedade sem a realização de transformações estruturais e sem contar com uma sociedade civil organizada, partidariamente ou não, enfrentava graves dificuldades, quando colocada diante de um quadro de adversidades econômicas.
180 - Mais complexa, e muito mais importante, era a posição da indústria. Como já vimos, a Instrução 70 desagradara ao setor, pois as desvalorizações cambiais implicavam elevação de seus custos. Antes só tinha "lado bom": proteção pelo controle seletivo de importações e importavam barato. (...) Incomodava a indústria, ainda, a redução do crédito do Banco do Brasil às atividades econômicas. O momento decisivo para o ingresso do setor numa posição de franca hostilidade ao governo, entretanto, foi a fixação do aumento do salário mínimo. Quanto à atividade do café, embora não coubesse ao governo responsabilidade pelas mudanças estruturais ocorridas no mercado mundial de café, a oposição acusava a política de preços mínimos do governo e capitalizava intensamente as dificuldades.
181 - Sobre o fim que todo mundo conhece, afirma: O gesto trágico teve profundas repercussões históricas, possibilitando a formação de uma ampla frente antigolpista que assegurou a manutenção da ordem constitucional e converteu o que seria uma antecipação de 1964 numa administração provisória de gestores de negócios. Mais ainda, essa tomada de posição majoritária em defesa da democracia viabilizou e impulsionou no sentido da recomposição da frente de centro-esquerda formada pelo PSD-PTB que seria responsável, mais adiante, pela eleição de Juscelino Kubitschek.
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