Livro: Marcelo de Paiva Abreu - A Ordem do Progresso (2014) - Capítulo 2

                      

Livro: Marcelo de Paiva Abreu - A Ordem do Progresso (2014)



Pgs. 49-64


"CAPÍTULO 2: "A PRIMEIRA DÉCADA REPUBLICANA"


50 - Texto de Gustavo Franco aqui. Coloca que o Brasil conheceria os dois extremos do pensamento monetário. Embate entre metalistas e papelistas. A necessidade de se flexibilizar a política monetária geraria excessos, assim multiplicando resistências, de modo que o experimento papelista teria curta duração


51 - Do ponto de vista comercial, observa-se maior abertura: a razão exportações/ PIB que era de 15,4% em 1870, chega a 18,6% em 1900. O valor das exportações per capita, contudo, que cresce de US$11,7 em 1872 para US$12,9 em 1913, não chega a definir o Brasil como uma economia especialmente “aberta”, pois estes valores estão próximos da média da América Latina “tropical”, isto é, sem incluir Argentina, Uruguai e Chile. Além disso, note-se que a participação brasileira no comércio mundial é muito pequena, inferior a 1% em 1913.


52 - Brasil e mercado financeiro internacional: É importante observar que o grosso desses investimentos teria lugar durante o período 1902-1913: o valor da dívida externa federal, por exemplo, cresceria de £30,9 milhões em 1890 para £44,2 milhões em 1900, mas em 1913 atingiria a cifra de £144,3 milhões. No tocante ao investimento direto, note-se que de 1860 a 1902 o capital das empresas estrangeiras estabelecidas no país atinge £105 milhões, ao passo que o total para as constituídas durante 1903-1913 é da ordem de £190 milhões (Castro, 1978, p. 97).


53 - As dificuldades cambiais do país se tornariam crônicas após a crise de 1891-1892. A taxa de câmbio flutua entre 9 pence e 10 pence por mil-réis até fins de 1895 quando há uma quebra na tendência ascendente da capacidade para importar, à mercê da piora acentuada nos termos de troca, vale dizer, de um colapso dos preços do café, já refletindo as safras resultantes do grande aumento no plantio provocado pelas desvalorizações cambiais no início da década. (...) O déficit em conta corrente cresceria substancialmente, atingindo £2.295 mil em 1895 e £5.014 mil em 1896 e inaugurando um período crítico no tocante às contas externas. Tendo em vista o peso dos compromissos externos anteriormente assumidos – a razão serviço (juros, amortizações, descontos, e comissões) da dívida externa (pública e privada) sobre as exportações atinge valores em tomo de 21% em 1896 e 189710 – e uma conjuntura de semiparalisação dos fluxos de capital para o Brasil, isto é, da dificuldade em se obter acomodação junto aos Rothschild, observa-se uma nova crise cambial que dessa vez leva à moratória em 1898-1900.


54 - Defende que as fortes crises cambiais do período não podem ser explicadas somente pelos preços do café e/ou excessos de flexibilização monetária. Haveria uma crise própria da conta capital em alguns momentos (exagerado endividamento externo? Pra mim, ficou parecendo esse o diagnóstico. Porém, não vejo como separar bem esse fator dos outros...)


55 - Transição para o trabalho assalariado: ...teria um notável impacto “monetário”, pois o pagamento de salários multiplicaria em muitas vezes, por exemplo, as necessidades de capital de giro na atividade agrícola, com isso elevando bastante o grau de monetização e a demanda por moeda na economia.


56 - The Economist (1890) sobre nosso sistema bancário pouquíssimo desenvolvido à época: “...era raro o uso de cheques, com hábito comum ali de reterem os indivíduos em seu poder largas quantias em vez de depositá-las em bancos. Os pequenos negociantes, os taverneiros, por exemplo, no Rio de Janeiro, apenas excepcionalmente depositam nos estabelecimentos. De ordinário preferem ter consigo seu dinheiro até a época de pagamentos..., satisfazendo então os seus débitos com as somas acumuladas em casa no decurso de seis a nove meses. O mesmo sucede com as classes que vivem de salário... os agricultores e outros habitantes do interior amuam grandes somas, para satisfazer suas necessidades; e esse dinheiro leva meses, ou anos, para ir ter aos bancos. A receita das alfândegas, em vez de se depositar em bancos, e por eles transmitir-se ao Rio de Janeiro, acumula-se em somas importantes, expedidas periodicamente pelos paquetes para a capital.” Sem depósitos, os bancos tinham dificuldade para ofertar empréstimos e se tornavam muito sujeitos às flutuações sazonais de demanda por moeda, que tinham a ver com colheitas e afins.


57 - ...Já em fins de 1883, de acordo com o ministro da Fazenda Rodrigues Pereira, “o movimento das transações vinha sendo embaraçado pela falta de meio circulante, atribuída principalmente à migração de dinheiro para algumas praças do Norte, exigida pelas magníficas safras ali colhidas” (Ministério da Fazenda, Relatório, 1884, p. 62). Nessa ocasião, o ministro propôs inclusive a restauração da lei de 1875, que permitia ao Tesouro emissões temporárias para auxílio aos bancos. Essa lei até foi aprovada, mas se mostrou um paliativo insuficiente mesmo para o que pretendia.


58 - Os últimos anos do Império foram marcados pelas frágeis tentativas de se chegar a um meio-termo. Reforma monetária foi proposta e discutida. Com efeito, a necessidade de se expandir a oferta de moeda contrapunha-se à orientação conservadora de sucessivos gabinetes imperiais empenhados em reduzir a oferta de moeda de modo a restabelecer a adesão ao padrão-ouro à paridade de 1846 – 27 pence por mil-réis


59 - Auxílios à lavoura (1889): Tratava-se de um vasto programa de concessão de crédito destinado a servir como compensação aos ex-proprietários de escravos. Sendo, todavia, os auxílios distribuídos pela rede bancária privada, e havendo uma contrapartida de recursos da parte dos bancos da ordem de 50%, o programa resultou em uma distribuição bastante seletiva dos créditos que favoreceria em última instância, como bem colocou o Jornal do Commercio Retrospecto Commercial, 1889, p. 5), “a lavoura que tivesse condições de vida”, dessa forma selando a sorte do segmento insolvente da cafeicultura, vale dizer, das fazendas do Vale do Paraíba. Indiscutivelmente, ao apressar a realocação de recursos inerentes à transição para o trabalho livre, favorecendo os segmentos dinâmicos da lavoura – ou seja, algumas regiões agrícolas em detrimento de outras –, os auxílios reordenavam as benesses econômicas do Estado, e consequentemente reordenavam suas bases de sustentação.


60 - A principal medida de política econômica tomada por Ruy Barbosa foi a lei bancária de 17 de janeiro de 1890 introduzindo diversas novidades na constituição monetária do país. A lei estabelecia emissões bancárias a serem feitas sobre um lastro constituído por títulos da dívida pública, no que o ministro buscara inspiração no sistema de bancos nacionais norte-americanos. Três regiões bancárias seriam formadas, cada qual tendo seu próprio banco emissor. As emissões seriam formadas cada qual tendo seu próprio banco emissor. As emissões seriam inconversíveis, e o total autorizado era de 450 mil contos – o que era mais do dobro do papel-moeda em circulação a 17 de janeiro. No dia seguinte à publicação do decreto o governo convidaria o Conselheiro Francisco de Paula Mayrink para constituir o banco emissor da região central, que jogaria papel preponderante no novo sistema. O novo banco se chamaria Banco dos Estados Unidos do Brasil (BEUB), e iniciaria operações já em fevereiro em uma atmosfera de genuína animação. Houve exceções logo depois. São Paulo acabou criando sua própria nova região bancária, com um banco emissor. De toda forma, ao que entendi, o Encilhamento nascia com essa lei aí.


61 - Por volta de outubro de 1890, o governo mostra preocupações claras com o andamento da especulação bursátil e chega inclusive a tomar medidas para detê-la através de um decreto elevando os depósitos mínimos para a constituição de novas sociedades, o que criaria certa dificuldade na praça. O envolvimento dos grandes bancos da capital com a torrente de novas companhias sendo lançadas, contudo, tornava o problema de se estancar a especulação bastante complexo. O trabalho de “limpar” as carteiras dos bancos de emissão preservando os empreendimentos viáveis se estenderia, na verdade, por vários anos. (...) O movimento de lançamento de novas companhias avançaria ainda mais em 1891.


62 - Os ministros "pós-Ruy" foram hesitantes em conter a farra especulativa. Tal pode ser visto, por exemplo, através do espantoso crescimento da oferta de moeda a partir de setembro de 1890. Nesta data, o papel-moeda emitido atingira o valor de 289 mil contos, e em junho de 1891 este valor atingiria 535 mil contos, ou seja, cresceria cerca de 80%.


63 - Não resta dúvida, por outro lado, de que influências “exógenas”, ligadas aos efeitos sobre as entradas de capital no Brasil do colapso da casa Baring Brothers em Londres, em outubro de 1890, e da moratória argentina, teriam grande influência sobre o mercado de câmbio no Brasil em 1891. Em abril, respondendo aos pedidos do ministro Araripe sobre a possibilidade de apoio à sustentação da taxa de câmbio, os Rothschild responderiam que “o desafortunado estado de coisas que recentemente se tem observado na República Argentina teve um efeito deplorável sobre todos os papéis e sobre todas as questões financeiras relacionadas aos estados sul-americanos”. Em 3 de junho acrescentariam que “pelo que tudo indica, não parece haver qualquer perspectiva de melhores cotações ou negócios mais ativos [com títulos brasileiros] por algum tempo. A confiança do público está ainda muito abalada com os eventos dos últimos 8 ou 10 meses, e além disso, sabe-se que muitas grandes casas têm a totalidade de seu capital preso a papéis argentinos e outros investimentos igualmente invendáveis”.


64 - A crise cambial de 1891 foi seguida de outras dificuldades. Floriano já assume pegando bomba:  ...logo no começo de 1892 tinha lugar a falência da Companhia Geral das Estradas de Ferro do Brasil cujo passivo atingia a espantosa soma de 314 mil contos. Somente ao longo de 1893, contudo, em meio à revolta da Armada, a especulação na Bolsa encontraria afinal o seu desfecho.


65 - Cogitou-se frear/reformar tudo, mas não vingou. Afastada a opção conservadora, a política monetária do novo ministro da Fazenda Serzedelo Correia – um industrialista de certa reputação – consistiu em (i) aprofundar a opção de Ruy Barbosa por um grande estabelecimento bancário líder – destinado a sanear a praça dos “excessos da especulação” –, formado a partir de grandes bancos existentes em má situação; e (ii) procurar apoiar a solidificação de empresas industriais tidas como viáveis, ainda que constituídas no âmago do Encilhamento. Esses dois propósitos talvez contraditórios se traduzem no decreto de 7 de dezembro de 1892 que estabelecia a fusão do BREUB, o grande banco de Ruy Barbosa, com o BB, assim formando o Banco da República do Brasil (BRB).


66 - Desequilíbrios externos e fiscais se acumulavam. Já em dezembro de 1894, o ministro da Fazenda indaga aos Rothschild sobre “algum arranjo financeiro” destinado a prover recursos para o serviço da dívida externa e evitar pressões sobre a taxa de câmbio. Os banqueiros pedem condicionalidades/austeridade. Mais receitas e menos despesas. 


67 - Nenhuma melhora na situação cambial se observaria ao longo de 1896 e 1897, sendo o empréstimo de 1895 rapidamente consumido, e tendo inclusive o governo brasileiro contraído novos empréstimos de curto prazo de modo a evitar pressões adicionais sobre o mercado de câmbio. O enfraquecimento dos preços do café em função das grandes safras de 1896 e 1897, as quais, conforme acima aludido, registravam as consequências do extraordinário aumento no plantio no início da década, contribuíram, a essa altura, de modo decisivo para debilitar as contas externas do país. Ainda havia, por aqui, o sonho do grande empréstimo estrangeiro salvador. 


68 - Por fim, um plano de refinanciamento de pagamentos é finalmente acordado entre o governo brasileiro e a Casa Rothschild, através do qual seria emitido o chamado funding loan. O plano era bastante simples: tratava-se de rolar compromissos externos do governo, vale dizer, o serviço da dívida pública externa e algumas garantias de juros, em troca de severas medidas de saneamento fiscal e monetário. O governo brasileiro, ao longo de um período de três anos, saldaria seus compromissos relativos a juros dos empréstimos federais anteriores ao funding com títulos de um novo empréstimo – o funding loan –, cuja emissão se daria ao par e poderia elevar-se até £10 milhões. As amortizações dos empréstimos incluídos na operação seriam suspensas por 13 anos. (...) Importância especial seria dada ao equilíbrio das contas do governo em moeda forte – o que viria a ser expresso pela separação, consagrada no orçamento de 1900, entre o “orçamento-ouro” e o “orçamento-papel”. Despesas de várias ordens foram reduzidas, especialmente as denominadas em moeda estrangeira, e a tributação efetivamente aumentada através de diversas medidas de modernização administrativa e também através de aumentos nos impostos, destacadamente no imposto de consumo e do selo


69 - Redução do papel-moeda em circulação virou o mantra a partir de então. A ideia explícita era fazer perecer os mais fracos e deixar apenas os empreendimentos mais sólidos, especialmente para normalizar a produção de café. Mais de 10% do papel-moeda chegou a ser incinerado. A consequência mais imediata dessa política seria a avalancha de falências bancárias ocorridas em 1900, uma torrente que tragou o próprio BRB.


70 - ...O programa conseguiria uma apreciação cambial bem distante da paridade de 1846, que romanticamente volta e meia aparecia como meta: a taxa de câmbio permaneceria ao redor de 11 pence por mil-réis durante os anos cobertos pelo esquema, e assim mesmo graças à extraordinária recuperação das exportações observada em 1899, para a qual a borracha contribuiu significativamenteNovamente, não é claro a priori em que medida a apreciação cambial se devia à contração monetária ou a fatores exógenos associados ao balanço de pagamentos tais como, por exemplo, o apogeu das exportações de borracha. Além disso, observa-se uma revitalização das entradas de capital a partir da adoção do programa conservador que revela a influência da percepção dos mercados financeiros internacionais sobre o curso da política econômica do país.


.


Comentários