Livro: Krugman et al. - Economia Internacional (2015) - Capítulo 20
Livro: Krugman et al. - Economia Internacional (2015)
Pgs. 488-516
"CAPÍTULO 20: "Globalização financeira: crise e oportunidade"
446 - Ações, títulos e moedas são negociados de forma bastante internacional hoje em dia. O mercado internacional de capitais não é realmente um mercado único; em vez disso, é um grupo de mercados estreitamente interligados em que ocorre as trocas de ativos com alguma dimensão internacional. Os comércios em moeda internacional realizam-se no mercado de câmbio estrangeiro, que é uma parte importante do mercado internacional de capitais. Os principais intervenientes no mercado internacional de capitais são os mesmos que no cambial (Capítulo 14): os bancos comerciais, grandes corporações, instituições financeiras não bancárias, bancos centrais e outras agências governamentais.
447 - Troca de bens/serviços por bens/serviços é o que mais se conhece. Um segundo conjunto de ganhos do comércio resulta das trocas intertemporais, que é a troca de bens e serviços por créditos de bens e serviços futuros, ou seja, por ativos.
448 - ...A seta horizontal inferior na Figura 20.1 representa a última categoria de transações internacionais, as transações de ativos por ativos, como a troca de bens imóveis localizados na França por títulos do tesouro dos Estados Unidos. Na Tabela 13.2, que mostra o balanço das contas de pagamentos dos Estados Unidos em 2012, você verá sob a conta financeira tanto uma compra de US$ 97,5 bilhões de ativos estrangeiros por residentes dos Estados Unidos quanto uma compra de US$ 543,9 bilhões de ativos dos Estados Unidos por residentes estrangeiros. (Estes números não incluem derivativos; o BEA informa apenas o comércio líquido de derivados).
449 - O comércio de ativos é capaz de gerar mesmo retorno com risco menor (diversificação de portfólio e etc.). Como somos, em geral, avessos ao risco, tem-se, assim, ganhos de bem-estar.
450 - O termo sistema bancário offshore é usado para descrever o negócio que escritórios de bancos estrangeiros conduzem fora de seus países de origem.
451 - Um depósito offshore nada mais é que um depósito bancário em uma moeda diferente do país no qual reside o banco — por exemplo, depósitos em iene em um banco de Londres ou depósitos em dólar em Zurique. Muitos dos depósitos no mercado cambial são depósitos offshore. Depósitos de moeda offshore são geralmente referidos como Eurodivisas, que é um termo mal aplicado, já que muito da negociação de eurodivisa ocorre em centros não-europeus, como Singapura e Hong Kong. Os depósitos de dólar localizados fora dos Estados Unidos são chamados de Eurodólares. Os bancos que aceitam depósitos denominados em eurodivisas (incluindo eurodólares) são chamados de Eurobanks. O advento da nova moeda europeia, o euro, tornou esta terminologia ainda mais confusa!
452 - ...O principal fator por trás da rentabilidade contínua de negociação de eurodivisas é regulatório: na formulação de regras bancárias, os governos nos principais centros de eurodivisa discriminam entre depósitos denominados em moeda doméstica e aqueles denominados em outras moedas, e entre as transações com os clientes domésticos e com clientes estrangeiros. Depósitos de moeda nacional geralmente são mais fortemente regula‑ mentados como uma forma de manter o controle sobre a oferta de moeda doméstica, enquanto os bancos têm mais liberdade nas suas relações em moeda estrangeira.
453 - Os bancos sombra estão intimamente interligados com bancos como credores e devedores.
454 - Razões da estrutural fragilidade do sistema financeiro: A razão é que muitos ativos são ilíquidos e não podem ser vendidos rapidamente para cumprir obrigações de depósito sem perda substancial para o banco. Se há um clima de pânico financeiro, portanto, a falência do banco pode não ser limitada aos bancos que têm má gestão de seus ativos. (...) Títulos e valores mobiliários, em contraste, podem ser vendidos, mas se as condições de mercado são desfavoráveis, o banco pode ter que vender com perda, se for forçado a fazê‑lo em cima da hora. Enfim, parte dos ativos serão ilíquidos (empréstimos) e outra será liquidada com prejuízo (títulos, por exemplo). Adeus, banco!
455 - A ausência de seguro de governo é uma razão que os legisladores às vezes dão para a regulamentação comparativamente leve de operações offshore dos bancos, bem como para o sistema bancário sombra.
456 - Narram uma série de restrições regulamentais que os bancos comerciais possuem. Um exemplo: "...Os bancos podem ser forçados a vender ativos que o examinador considere arriscados ou adaptar seus balanços evitando empréstimos que o examinador ache que não serão reembolsados. Em alguns países, o banco central é o principal supervisor do banco, enquanto em outros, uma autoridade de supervisão financeira separada lida com esse trabalho."
457 - "Resgates" temporários do emprestador de última instância (banco central) não impedia que, eventualmente, houvesse necessidade de resgates definitivos. Na virada para os anos 90 e na crise de 2007-2009, muitos bancos tiveram de ser resgatados.
459 - O problema disso tudo, como sabido, é que ser grande demais para falir (receio de evitar reações em cadeia que pegariam até os "inocentes") pode levar a comportamentos irresponsáveis, privatizando lucros/crescimento e socializando prejuízos. O famoso risco moral. Em 1984, quando o sétimo maior banco quase quebrou, o governo salvou até depósitos com valor acima do previsto pela FDIC, tudo por medo de contaminação de falências. Suécia e Japão passaram por dilemas parecidos anos mais tarde.
460 - ...Por essa razão, os economistas estão cada vez mais a favor de freios do tamanho das empresas financeiras, apesar do possível sacrifício das eficiências de escala. Como o ex‑presidente da Reserva Federal Alan Greenspan disse: “Se eles são grandes demais para falir, eles são grandes demais.”
461 - O grande sistema bancário "offshore" (eurodivisas e tal) parece ainda mais frágil. Um exemplo: o seguro de depósito é essencialmente ausente no sistema bancário internacional. Em geral, regular atividades internacionais é bem difícil.
462 - Em 1988, o Comitê da Basileia sugeriu um nível minimamente prudente de capital do banco (geralmente falando, 8% dos ativos) e um sistema de medição de capital. Essas orientações, amplamente adotadas em todo o mundo, tornaram‑se conhecidas como Basileia I. O Comitê revisou a estrutura da Basileia I em 2004, emitindo um novo conjunto de regras para o capital bancário, conhecido como Basileia II. Veio a crise de 2008: a crise revelou deficiências no Basileia II que levaram o Comitê da Basileia a concordar sobre uma nova estrutura, a Basileia III, que descreveremos mais adiante.
463 - Os bancos em todo o mundo, mas especialmente nos Estados Unidos e Europa, eram ávidos compradores de ativos securitizados relacionados aos subprime, em alguns casos com a criação — fora do alcance dos reguladores — de veículos extrabalanço e opacos para tal finalidade.
464 - Ativos de alto risco foram misturados aos de baixo risco, para assim seguirem disfarçados, minimizando a necessidade regulamentar de capital bancário: Os bancos estavam ansiosos para explorar brechas nas regras prudenciais, incluindo as diretrizes Basileia II, a fim de minimizar a quantidade de capital que eram obrigados a usar contra ativos e, assim, maximizar a quantidade que eles poderiam emprestar para comprar os produtos de crédito securitizados.
465 - As dificuldades do BNP Paribas em agosto de 2007 já era o início (ainda relativamente leve) da crise: O Banco Central Europeu interveio como emprestador de última instância para o mercado interbancário europeu, e a Reserva Federal seguiu nos Estados Unidos, anunciando que aceitaria títulos lastreados em hipotecas como garantia para empréstimos aos bancos. Os mercados de ações caíram em todos os lugares. A economia norte‑americana entrou em recessão no final de 2007, empurrada pelo desaparecimento do crédito e por um mercado imobiliário em colapso.
466 - Março de 2008: ...Em um resgate organizado às pressas, a Reserva Federal comprou US$ 30 bilhões de ativos “tóxicos” do Bear para persuadir o banco J. P. Morgan Chase a comprar o Bear a um preço de liquidação. A Reserva Federal foi criticada por não aniquilar os acionistas do Bear (para dissuadir o risco moral) e pôr dinheiro do contribuinte em risco.
467 - O banco de investimento Lehman Brothers pediu concordata em 15 de setembro de 2008, após esforços frenéticos, mas sem sucesso, do Tesouro dos Estados Unidos e da Reserva Federal para encontrar um comprador. Ainda há controvérsias sobre o estatuto jurídico das autoridades dos Estados Unidos para ter evitado o colapso. Um dia depois, a gigante AIG estava sob risco de cair. Temendo o pior, o governo resolveu intervir e emprestou 85 bilhões.
468 - O Congresso dos Estados Unidos, depois de muito debate, aprovou uma conta que alocava US$ 700 bilhões para compra de ativos problemáticos dos bancos, na esperança de que isso lhes permitisse retomar empréstimos normais — mas, no final, os fundos não foram usados para essa finalidade. O tumulto pós‑Lehman espalhou‑se para a Europa, onde diversas instituições financeiras faliram e os governos da UE emitiram garantias de depósitos cobertores para evitar as corridas bancárias.
469 - Alguns bancos europeus precisavam de dólares para honrar empréstimos usados para comprar os ativos tóxicos dos EUA pré-crise. Não queriam vender, "agora", os ativos com grande prejuízo. Apesar de os passivos de dólar em papel dos bancos serem equilibrados com ativos de dólar, a incompatibilidade entre os ativos e passivos de liquidez criou uma incompatibilidade monetária, uma vez que os bens já não poderiam ser vendidos rapidamente pelo valor de face. Onde esses bancos conseguiriam empréstimos em dólares rapidamente agora que os mercados de crédito privado em dólar estavam congelados? Alguns, mas não todos, foram capazes de pedir emprestado à Reserva Federal por intermédio de afiliados dos Estados Unidos. Outros bancos europeus não tinham garantias aceitáveis para o FED.
470 - ...Bancos europeus tentaram resolver isso por meio de umas operações de swap, trocando euro por dólar, mas a oferta estava baixa. Em particular, a escassez de dólares levou a uma tendência de a moeda fortalecer‑se acentuadamente no mercado à vista. O FED teve que entrar emprestando aos bancos centrais de todo o mundo. A Figura 20.3, ..., ilustra a notável rede de linhas de swap que emergiu. (...) A Reserva Federal reduziu suas linhas de swap em fevereiro de 2010, mas reativou algumas quando a crise da dívida europeia entrou em erupção pouco depois e os mercados interbancários novamente tornaram‑se agitados (Capítulo 21).
471 - Mencionam as regras mais rígidas de Basiléia III, buscando mais transparência e segurança contra crises. Um exemplo: Com grande importância, Basileia III propõe também que seja calculada uma Proporção de Cobertura de Liquidez, pela qual os bancos seriam obrigados a segurar dinheiro sufi‑ ciente ou títulos altamente líquidos para cobrir 30 dias da saída de dinheiro em condições específicas de crise. Uma relação estável de financiamento líquido visa a limitar a dependência dos bancos de financiamento por atacado de curto prazo (em contraste com depósitos de varejo).
472 - Em 2010, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a Lei Dodd‑Frank, que, entre outras coisas, autoriza o governo a regular instituições financeiras não bancárias consideradas “sistemicamente importantes” (como o Lehman ou AIG) e também permite que o governo assuma essas empresas, em grande parte, da mesma forma que o FDIC assume e resolve a falência de bancos.
473 - Possíveis problema das regras Basiléia: concentração dos bancos nos ativos mais arriscados possíveis de cada categoria de exigência de capital. Se um ativo pode dar um retorno um pouco maior e tem a mesma "classificação de risco" de outro menos rentável, todo mundo vai querer maximizar a quantidade desse mais rentável. Foi o que aconteceu com os securitizados subprimes lá.
474 - Em 1970, os ativos externos detidos por residentes dos Estados Unidos eram iguais em valor a 6,2% do capital social norte‑americano (incluindo habitação residencial). Os créditos estrangeiros sobre os Estados Unidos ascenderam a 4,0% do seu capital social. Até 2008, os ativos de propriedade norte‑americana no exterior igualaram 46,6% do capital dos Estados Unidos, enquanto os ativos estrangeiros nos Estados Unidos tinham aumentado para 54,7% no país. Krugman e demais dizem que dá pra chegar a 80%, já que a economia dos EUA é cerca de um quinto da mundial. Seria o esperado da máxima diversificação internacional de ativos e riscos. O viés doméstico observado em quem investe em equity é difícil de entender.
475 - Colocam que outros países estão mais "diversificados" que os EUA.
476 - ...Em tese, tudo isso deveria reduzir riscos, mas pode não ser bem assim. A maioria desses ativos e passivos externos são instrumentos de dívida, incluindo as dívidas bancárias, em alguns casos, conduzidas por arbitragem regulatória. É provável que incluam empréstimos arriscados sistemicamente, como quando um banco no Reino Unido empresta fundos de curto prazo para investir em títulos menos líquidos no exterior. Assim, mesmo que os dados mostrem que o volume de transações de ativos internacionais aumentou enormemente nas últimas décadas, eles também nos lembram que não há nenhuma medida infalível da extensão socialmente ideal do investimento estrangeiro.
477 - A mobilidade transnacional de capital parece, porém, por outras medidas, ainda bem aquém do prometido. Em tese, países de baixo potencial de poupança receberiam investimentos externos a fim de aproveitar oportunidades produtivas. Entretanto, os dados mostram pouca diferença entre investimento e poupança interna. O mercado de capitais mundial, de acordo com essa visão, não faz um bom trabalho de ajudar os países a colherem os ganhos de longo prazo do comércio intertemporal.
478 - ...Uma explicação alternativa da alta correlação poupança‑investimento é que os governos tentaram gerir a política macroeconômica para evitar grandes desequilíbrios de conta‑corrente. Em qualquer caso, os eventos parecem estar ultrapassando esse debate específico. Para os países industrializados, a regularidade empírica observada por Feldstein e Horioka parece ter enfraquecido recentemente perante os altos desequilíbrios externos de Estados Unidos, Japão, Suíça e alguns dos países da zona do euro.
479 - Isto aqui abaixo seria o medo de que os depósitos em dólar fora dos EUA não fossem "resgatados/salvos/sei lá":
480 - Testes de eficiência do mercado usando a questão do câmbio e paridade de juros: Uma vez que a diferença de juros, Rt − R*t , é a previsão para o mercado, uma comparação entre essa mudança na taxa de câmbio prevista e a alteração da taxa de câmbio real, que ocorre posteriormente, indica a habilidade de previsão do mercado. Resultados estatísticos foram bem ruins. Não seria um bom preditor de nada. O mais curioso é que descobriram erros/vieses recorrentes. (...) Uma explicação dos resultados da pesquisa descrita é que o mercado cambial simplesmente ignora as informações facilmente disponíveis na fixação das taxas de câmbio. (...) Contudo, antes de ter chegado a essa conclusão, lembre‑se que quando as pessoas são aversas ao risco, a condição de paridade de juros pode não ser totalmente responsável por como as taxas de câmbio são determinadas.
481 - Câmbio e o cemitério dos analistas/economistas: Uma das constatações mais preocupantes é que a previsão de modelos de taxas de câmbio, com base em variáveis “fundamentais” padrão, como reservas de dinheiro, déficits do governo e desempenho da produção não funcionam bem — mesmo quando valores reais (em vez de previstos) dos fundamentos futuros são usados para formar previsões de taxa de câmbio! Com efeito, em um famoso estudo, Richard A. Meese, do Barclays Global Investors, e Kenneth Rogoff, da Universidade de Harvard, mostraram que um modelo ingênuo, “random walk”, que apenas leva a taxa de câmbio de hoje como o melhor palpite de amanhã, tem melhor desempenho.
482 - ...A pesquisa mais recente confirmou, no entanto, que enquanto o passeio aleatório supera modelos mais sofisticados para previsões de até um ano de distância, os modelos parecem servir melhor em horizontes de mais de um ano e têm poder explicativo para movimentos de taxa de câmbio de longo prazo. (...) Uma linha de pesquisa adicional sobre o mercado cambial examina se a taxas de câmbio foram excessivamente voláteis, talvez porque o mercado de câmbio estrangeiro “exagere a reação” aos eventos.
483 - Tudo isso tem a ver com a necessidade ou não de controlar o câmbio (ele ajuda a alocar bem os recursos internacionais? O quanto tem de pura emoção prejudicial?). A evidência ambígua sobre o desempenho do mercado cambial exige uma visão aberta. Um julgamento que o mercado está fazendo seu trabalho bem apoiaria uma atitude de liberalidade pelos governos e uma continuação da presente tendência de aumento da integração financeira transfronteiriça no mundo industrial. Um julgamento de falência de mercado, por outro lado, pode implicar a necessidade de maior intervenção cambial pelos bancos centrais e uma inversão da tendência global em direção à liberalização financeira externa. As apostas são altas, e mais pesquisas e experiências são necessárias antes que uma conclusão firme possa ser alcançada.
484 - O resumo ao final do capítulo ficou bem legal lá.
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