Livro: Ha-Joon Chang - Chutando a Escada - Capítulo 3 ("PARTE A")

                                                                                                                                                          

Livro: Ha-Joon Chang - Chutando a Escada



Pgs. 123-145


"CAPÍTULO 3: "Instituições e desenvolvimento econômico: a "boa governança" na perspectiva histórica"


97 - Esse pacote de "instituições boas" geralmente inclui a democracia, uma burocracia e um Judiciário limpos e eficientes; a forte proteção ao direito de propriedade (privada) , inclusive de propriedade intelectual; boas instituições de governança empresarial, sobretudo as exigências de divulgação de informação e a Lei de Falência; e instituições financeiras bem desenvolvidas. Menos freqüentemente mencionados, mas nem por isso menos importantes, são um bom sistema financeiro público e boas instituições previdenciárias e trabalhistas capazes de oferecer "redes de amparo" e proteger os direitos do trabalhador (Kaufman et al., 1999; Aron, 2000; La Porta et ai., 1999; Rodrick, 1999.).


98 - Sobre democracia: a experiência histórica dos países desenvolvidos conta-nos uma coisa interessante, capaz de levar o leitor a pensar duas vezes antes de acatar a ortodoxia corrente, segundo a qual a democracia é uma condição prévia do desenvolvimento.


99 - ...Pra começar, o sufrágio foi limitadíssimo durante grande parte do desenvolvimento das grandes economias: Por exemplo, na França, entre 1815 e 1830, só podiam votar os homens com mais de trinta anos que pagassem pelo menos trezentos francos em impostos diretos. 0,3% da população. Entre 1830 e 1848, relaxaram-se um pouco as exigências para o direito. 0,6% da população passou a votar.


100 - Na Inglaterra, até 1832, os latifundiários decidiam as eleições distritais por todo tipo de método. Pressão sobre os arrendatários, patronagem, subornos etc. Voto censitário era comum mesmo em meados do século. Não foi senão em 1848, o ano em que a França instituiu o sufrágio universal masculino, que começaram a aparecer formas ainda muito limitadas de democracia nos PADs.


101 - Mesmo após as conquistas democráticas houve momentos de recuo. Exemplo: no fim do século XIX, quando a vitória eleitoral do Partido Social-Democrata se tornou uma possibilidade, pelo menos nas eleições locais, a Saxônia não hesitou em abandonar o sufrágio universal masculino, anteriormente adotado, e passar para o sistema eleitoral de três classes, ao estilo prussiano (que a própria Prússia utilizou de 1849 a 1918) (Ritter, 1990; Kreuzer, 1996). A Saxônia piorou ainda mais as coisas em 1909: Por exemplo, os grandes proprietários tinham três votos adicionais; as pessoas instruídas e maiores de cinqüenta anos também eram beneficiadas com votos extras.


102 - EUA e o racismo: Nos Estados Unidos, a partir de 1870, permitiu-se que os homens negros votassem, já que a Quinta Emenda à Constituição proibiu os Estados de negarem esse direito a quem quer que fosse "por conta da raça, da cor ou da anterior condição servil". Posteriormente, no entanto, os Estados do Sul voltaram a retirar-lhes o direito de voto entre 1890 (Mississipi) e 1908 (Geórgia). Não podendo tomar medidas abertamente racistas, adotaram métodos como os impostos eleitorais e as exigências de propriedade (que também prejudicavam alguns brancos pobres), assim como os testes de alfabetismo (aplicados com extrema indulgência aos brancos).



103 - A Austrália e a Nova Zelândia foram os primeiros países a dar o direito de voto à mulher (respectivamente em 1903 e 1907), se bem que só em 1962 a Austrália o estendeu aos não-brancos. A Noruega concedeu-o às mulheres contribuintes ou casadas com contribuintes em 1907, conquanto o sufrágio universal só tenha sido instituído em 1913 (Nerborvik, 1986, p.125). Nos Estados Unidos, as mulheres só puderam votar em 1920; e no Reino Unido, em 1928. Em muitos outros países (por exemplo, Alemanha, Itália, Finlândia, França e Bélgica), só se outorgou o direito eleitoral às mulheres depois da Segunda Guerra.


104 - Ainda EUA: Por exemplo, em 1821, o Estado de Nova York cancelou a qualificação patrimonial dos eleitores brancos, mas elevou-a a $250 para os negros, "uma importância além do alcance de quase todos os negros residentes no Estado".


105 - O voto secreto não chegou a ser comum antes do século XX. A Noruega, que já era relativamente avançada em relação a instituições democráticas (45% dos homens adultos já votavam em 1814! Reino Unido era 18% em 1832) só o introduziu em 1884. (...) A França só adotou o envelope e a cabine eleitorais em 1913 - várias décadas depois da instituição do sufrágio universal masculino (Kreuzer, 1996).


106 - Compra de votos e fraudes também eram comuns mesmo no país mais avançado do Século XIX.  A primeira tentativa séria de controlar a corrupção eleitoral foi o Corruption Practice Act de 1853-1854. Porém, acabou sendo inócuo. O Corrupt and Illegal Practices Act, aprovado em 1883, logrou reduzir significativamente a corrupção eleitoral, mas o problema persistiu até meados do século XX, sobretudo nas eleições locais (Searle, 1979-1 980; Howe, 1979-1980).


107 - Theodore Roosevelt chegou a lamentar que os parlamentares de Nova York, que praticavam abertamente a venda de votos aos grupos lobistas, "têm da vida pública e do serviço civil a mesma idéia que tem um urubu de um carneiro morto" (Garraty & Carnes, 2000, p.472). (...) O grupo de parlamentares corruptos dos dois partidos, chamado "Cavalaria do Cavalo Preto", cobrava US$ 1.000 por voto em projetos de lei que afetavam o setor ferroviário, e as atuações mais vigorosas chegavam a US$ 5.000 por voto. O grupo também inaugurou os "projetos bordoada", que, quando aprovados, muito prejudicavam grandes interesses ou empresas, e, então, exigia pagamento para derrubá-los.


108 - Chang acrescenta que os países em desenvolvimento adotaram o sufrágio universal em estágios de renda per capita mais baixos que os avançados. Reino Unido de 1928 já tinha renda per capita de cinco mil dólares. Bangladesh, de 1947, por exemplo, tinha nem seiscentos dólares. Traz uma tabela com inúmeros exemplos do tipo.


109 - Passa a analisar a qualidade burocrática na administração pública. Alguns países ainda estão tentando chegar no ideal weberiano. Os novos princípios, em que a administração ganha verniz empresarial, buscando desempenhos e metas e com mais incentivos monetários, nem está em questão nesses casos. Os hoje países desenvolvidos tiveram que passar pela "primeira fase" também. Em parte por serem ostensivamente comprados e vendidos, os cargos públicos eram formalmente encarados como propriedade privada em muitos desses países. Por isso mesmo, até a Terceira República (1873), foi dificílimo introduzir medidas disciplinares contra os burocratas da França. Na Inglaterra, antes da reforma empreendida no começo do século XIX, os ministérios eram estabelecimentos privados que não deviam nenhuma satisfação ao Parlamento, remuneravam o pessoal com honorários em vez de salários e conservavam cargos obsoletos como sinecuras (Finer, 1989). Associada à venda de cargos públicos estava a "terceirização" da coleta de impostos, muito disseminada na França pré-revolucionária, mas praticada também em outros países, inclusive na Grã-Bretanha e na Holanda.


110 - EUA:  Houve um grande clamor pela reforma do serviço público, ao longo de todo o século XIX, para criar uma burocracia profissional e não-partidária, mas não se verificou progresso algum até o Pendleton Act de 1883 (...) (Garraty & Carnes, 2000, p.472, 581 -3). Mesmo depois do Pendleton Act de 1883, que criou a Comissão do Serviço Civil para administrar o recrutamento competitivo na burocracia federal, apenas cerca de 10% dos empregos públicos civis se submetiam ao recrutamento competitivo. Chegaria a 50% em 1897. (...) A Itália e a Espanha prosseguiram com o sistema de favorecimento durante todo o século XIX (Anderson & Anderson, 1978). (...) Mesmo na Bélgica, que, no século XIX, era o país mais industrializado depois da Inglaterra, o serviço público civil não se profissionalizou cabalmente antes de 1933.


111 - O nepotismo corria solto - e apadrinhamento em alguns países - e muitos cargos se tornavam meio que hereditários. Mesmo regiões mais avançadas no assunto estavam sujeitas a sofrerem retrocessos: Na Prússia, a concorrência da classe média baixa instruída foi eliminada com a alteração dos requisitos de admissão, de modo que, na década de 1860, "um processo de recrutamento cuidadosamente controlado produziu uma elite administrativa que incluía a aristocracia e elementos da classe média mais endinheirada (Armstrong, 1973, p. 79-81).


112 - A Prússia, como dito, graças às reformas de Guilherme I e Frederico, O Grande, foi a mais avançada da época na profissionalização do serviço público. Só a partir de 1860 o serviço público britânico se modernizou substancialmente (Hobsbawm, 1999, p.209).


113 - Passa à análise do Judiciário. Há questões polêmicas: Pode-se argumentar que um Judiciário com um alto grau de independência política (por exemplo, o alemão ou o japonês) não é necessariamente o mais desejável, à medida que lhe falta legitimidade democrática


114 - Tal como seus equivalentes nos países em desenvolvimento da atualidade, o Judiciário de muitos PADs sofreu excessivamente a influência política e a corrupção nas nomeações (ou, quando aplicável, nas eleições) até o fim do século XIX ou mesmo depois. Também era freqüente recrutar exclusivamente homens de extração social privilegiada, com pouco ou nenhum preparo em direito, disso resultando que a justiça era muitas vezes ministrada de modo tendencioso e nada profissional.


115 - No século XIX, a Alemanha progrediu enormemente rumo ao "império da lei" e, no fim do período, contava com um Judiciário em grande parte independente. Todavia, ainda faltava igualdade perante a lei, já que os crimes militares e da classe média eram levados ao tribunal com menos diligência e punidos com menos rigor. Esse problema de "justiça de classe" também acompanhou outros PADs da época - inclusive a Inglaterra, os Estados Unidos e a França (Blackbourn, 1997, p.3 84) . Na Itália, pelo menos até o fim do século XIX, os juízes geralmente careciam de formação jurídica e "não podiam proteger a si próprios e muito menos aos outros dos abusos políticos" (Clark, 1996, p.54).


116 - Sobre a qualidade da proteção aos direitos de propriedade, Chang observa que isso envolve fatores demais. É impossível oferecer uma comparação generalizada da qualidade dos regimes de direito de propriedade ao longo da história e em todos os países. Vai tentar algo, porém.


(...)

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