Livro: Ha-Joon Chang - Chutando a Escada - Capítulo 2 ("PARTE E")

                                                                                                                                                         

Livro: Ha-Joon Chang - Chutando a Escada



(...)


Pgs. 95-122


"CAPÍTULO 2: "Políticas de desenvolvimento econômico: perspectiva histórica das políticas industrial, comercial e tecnológica"


74 - A Grã-Bretanha instituiu um vigoroso conjunto de políticas destinadas a impedir o desenvolvimento de manufaturas nas colônias, principalmente na América do Norte. List (1885, p.95) relata que, em 1770, William Pitt, o Velho (então conde de Chatham), "preocupado com as primeiras tentativas de implantar a manufatura na Nova Inglaterra, declarou que não se devia permitir que as colônias fabricassem mais do que um cravo de ferradura". (...) Mesmo após a independência, a Grã-Bretanha continuou procurando conservar os Estados Unidos um fornecedor de matéria-prima (principalmente de algodão) , por esse motivo apoiou o Sul na Guerra de Secessão.


75 - Walpole: facilitou a importação de matéria-prima agrícola a fim de incentivar essa atividade nas colônias. Acreditava-se que o incentivo à produção de matéria-prima os "demoveria de continuar desenvolvendo manufaturas que concorressem com as da Inglaterra". Alguns tipos de manufaturas e exportações (produtos que concorressem com as exportações britânicas eram vetados) eram expressamente proibidos nas colônias inglesas. Lembra os eventos trágicos de Índia e Irlanda nesse sentido e acrescenta alguns relativos à América.


76 - ...Quarto, as autoridades coloniais foram proibidas de usar tarifas ou, caso estas fossem consideradas necessárias por motivos de arrecadação (equilíbrio fiscal), encontravam os mais diversos obstáculos


77 - No século XIX, fora das colônias formais, as tentativas da Grã-Bretanha (e dos outros PADs) de tolher o desenvolvimento da indústria nos países menos desenvolvidos assumiram principalmente a forma de imposição do livre-comércio pelos chamados "tratados desiguais" que normalmente envolviam a imposição de tetos tarifários, quase sempre em torno dos 5%, e a privação da autonomia tarifária (Bairoch, 1993, p.41-2). Cita Brasil (1810) e China (pós-Guerra do Ópio) como exemplos. Sião (Tailândia), Pérsia e Império Otomano também. Em 1854, seria a vez do Japão. Nesse contexto, também é interessante observar que, ao forçar a abertura da Coréia em 1876, o Japão reproduziu exatamente o comportamento dos países ocidentais ao impor um tratado que posteriormente a privaria da autonomia tarifária - independentemente do fato de ele mesmo ter perdido a sua. A política industrial nesses países ficava um tanto atada.


78 - A concorrência com as demais potências envolvia disputa pela mão-de-obra. Foi graças às tentativas da França e de outros países europeus de recrutar mão-de-obra qualificada em larga escala que, em 1719, a Grã-Bretanha finalmente se sentiu estimulada a proibir a emigração de trabalhadores especializados, sobretudo mediante o "suborno" ou a tentativa de recrutá-los para empregos no exterior. Até 1825 foi essa luta aí. Os trabalhadores emigrados que não se repatriassem seis meses depois de notificados por um funcionário britânico credenciado (normalmente um diplomata lotado no exterior) eram privados do direito a terras e bens na Grã-Bretanha, além de perderem a cidadania. Liberdade para trabalhador? Que nada.


79 - Em 1750, a Grã-Bretanha adotou uma nova lei, proibindo a exportação de "ferramentas e utensílios" das indústrias da lã e da seda. (...) Em 1774, sancionou-se outra lei de controle à exportação de máquinas das indústrias de algodão e de linho. Em 1781, alterou-se a lei de 1774 de modo que as palavras "ferramentas e utensílios" foram substituídas por "qualquer máquina, motor, ferramenta, prensa, documento, utensílio ou implemento", refletindo a crescente mecanização da indústria.


80 - A Holanda tentou as mesmas políticas por volta de 1751: Lamentavelmente, essa lei teve muito menos sucesso do que a britânica, e a fuga de máquinas prosseguiu tanto quanto a de mão-de-obra (Davids, 1995; De Vries & Van der Woude, 1997, p.348-9).


81 - Landes (1969), Harris (1991) e Bruland (1991), entre outros, documentam um longo rol de ocorrências de espionagem industrial na Grã-Bretanha empreendida por países como França, Rússia, Suécia, Noruega, Dinamarca, Holanda e Bélgica. Muitos governos também organizaram ou financiaram o recrutamento de trabalhadores britânicos e de outros países avançados. A investida da França, com a ajuda de John Law (ver seção 2.2.4), e da Prússia, no reinado de Frederico, o Grande (ver seção 2.2.3), são apenas os exemplos mais conhecidos


82 - ...De toda forma, Chang coloca que essa transferência tecnológica era bem difícil, pois havia muito conhecimento tácito envolvido, difícil de ser "roubado". Mesmo a importação de mão-de-obra especializada comportava alguns limites: Essa gente enfrentava obstáculos idiomáticos e culturais e, mais importante ainda, não tinha acesso à mesma infraestrutura de seus países. Segundo Landes, foram décadas até a assimilação funcionar.


83 - As antigas estratégias também foram usadas no Século XX pela Ásia: É interessante notar que, até recentemente, a redução ou a isenção das tarifas de importação de certos bens de capital (que, curiosamente, coexistiam com restrições à importação de outros) foram um dos instrumentos-chave da política industrial dos países do Leste Asiático.


84 - A estratégia de importação de mão-de-obra especializada era coisa mais do início da revolução industrial ao que parece: Na metade do século XIX, as tecnologias-chave tinham se tornado tão complexas que a importação de mão-de-obra qualificada e de maquinárío já não bastava para se chegar ao domínio de uma tecnologia. Refletíndo isso, a proibição britânica da emigração de trabalhadores especializados e da exportação de máquinas também já fora abolida. Desde então, a transferência ativa, pelo proprietário do conhecimento tecnológico, mediante o licenciamento das patentes, passou a ser um importante canal de transferência de tecnologia em algumas indústrias. EUA e França, entre outros, passaram a pressionar pelos direitos de propriedade intelectual. Entre 1790 e 1850, a maioria dos PADs criaram suas leis de patente (...). Não obstante, essa legislação inicial era altamente deficiente em comparação com os padrões modernos.


85 - ...Na maior parte dos países, inclusive na Grã-Bretanha (antes da reforma de 1 852), na Holanda, na Áustria e na França, a patenteação de invenções importadas pelos cidadãos do país era explicitamente autorizada. Nos Estados Unidos, antes da reforma da Lei das Patentes, em 1 836, concediam-se patentes sem a exigência de nenhuma prova de originalidade, o que facilitava o registro de tecnologias importadas. (...) Até mesmo os Estados Unidos, embora já vigorosos defensores da Lei das Patentes, só passaram a reconhecer copyrights estrangeiros a partir de 1891.


86 - Coloca que a Alemanha costumava burlar a lei de proteção da marca e identificação da origem dos produtos ingleses. Exemplos: ...Outro recurso era enviar alguns artigos desmontados para que fossem montados na Inglaterra (método aparentemente comum no caso dos pianos e das bicicletas) ou colar o selo de identificação da origem em lugares praticamente invisíveis.


87 - Ao fim do capítulo, há uma longa seção resumindo as conclusões. Por exemplo: Conquanto a Bélgica possa ter tido uma taxa tarifária média baixa no século XIX, o governo austríaco, que a governou durante quase todo o século XVIII, era muito mais protecionista, e certos setores foram rigorosamente protegidos até a metade do século XIX. Coloca que Suíça e Holanda já eram muito avançados industrialmente, com pouca necessidade de proteção à indústria nascente.


88 - Inglaterra de 1721 (Walpole) a 1846: Muitas medidas freqüentemente consideradas invenções leste-asiáticas - como os subsídios à exportação e a redução do imposto de importação de insumos para a exportação - foram amplamente adotadas pela Grã-Bretanha nesse período.


89 - Sobre os EUA, sua conclusão é: Sem dúvida, a indústria norte-americana não precisava necessariamente de toda a proteção tarifária de que dispôs, e muitas dessas tarifas duraram mais do que foram úteis. No entanto, também é claro que a economia do país não teria chegado onde se encontra hoje se não houvesse contado com uma forte proteção tarifária, pelo menos a certas indústrias-chave nascentes. Também se deve realçar o papel desempenhado pelo governo no desenvolvimento infra-estrutural e no apoio à P&D, que prossegue até hoje.


90 - França: entre as décadas de 1820 e 1860, o grau de protecionismo francês era realmente inferior ao britânico.


91 - Alemanha: Como ilustra muito bem a experiência prussiana do século XVIII em diante, podia-se fomentar - e se fomentou - a indústria nascente por outros meios que não as tarifas, inclusive mediante investimentos do Estado, parcerias público-privadas e vários subsídios. Acrescenta que algumas indústrias pesadas contaram com forte proteção tarifária no fim do século XIX e no começo do XX.


92 - Suécia: usava estrategicamente as proteções tarifárias. Aliás, é interessante notar que o regime de tarifas da indústria têxtil, aplicado no começo do século XIX, foi, na verdade, a estratégia clássica de promoção do Leste Asiático do fim do século XX (e também da Grã-Bretanha do século XVIII), que implicava tarifas elevadas para os produtos acabados e baixas para a matéria-prima importada. Relembra, ainda, as PPP e que era notável a ênfase dada à educação, à formação técnica e à pesquisa.


93 - Chutando a escada: ...quando estavam em situação de catching-up, os PADs protegiam a indústria nascente, cooptavam mão-de-obra especializada e contrabandeavam máquinas dos países mais desenvolvidos, envolviam-se em espionagem industrial e violavam obstinadamente as patentes e marcas. Entretanto, mal ingressaram no clube dos mais desenvolvidos, puseram-se a advogar o livre-comércio e a proibir a circulação de trabalhadores qualificados e de tecnologia; também se tornaram grandes protetores das patentes e marcas registradas.


94 - ...Por importante que tenha sido para o desenvolvimento da maioria dos PADs, a proteção tarifária - repito - não foi de modo algum o único nem o mais importante instrumento político usado por esses países na promoção da indústria nascente. Havia muitos outros recursos, como os subsídios à exportação, a redução das tarifas dos insumos usados para a exportação, a concessão do direito de monopólio, os acordos para a cartelização, os créditos diretos, o planejamento de investimentos, o planejamento de recursos humanos, o apoio à P&D e a promoção de instituições que viabilizassem a parceria público-privada. (...) os Estados Unidos recorreram à proteção tarifária mais ativamente do que a Alemanha, mas o Estado alemão teve um papel muito mais extensivo e direto na promoção da indústria nascente.


95 - Chang vai citando argumentos a favor do protecionismo. Primeiro que antigamente, além das tarifas, havia certa proteção natural devido aos elevados custos de transporte (a tecnologia, nesse sentido, era bem menos eficiente). Isso aumentava a competitividade da produção local, especialmente se o país fosse muito afastado do país dominante. Outra coisa: ...O problema é que, hoje, a defasagem de produtividade entre os países em desenvolvimento e os desenvolvidos é muito maior do que a existente entre os PADs mais e menos desenvolvidos de outrora. (...) Em outros palavras, diante da defasagem muito maior hoje enfrentada pelos países em desenvolvimento, se quiserem obter os mesmos efeitos, eles têm de praticar tarifas muito mais elevadas do que as outrora praticadas pelos PADs.


96 - No final do século XIX, quando os Estados Unidos ofereciam uma proteção tarifária média de mais de 40% à indústria nacional, sua renda per capita, em termos de PPA, já correspondia a cerca de 3/4 da britânica (US$ 2599 versus US$ 35l l em 1875) (Maddison, 1995). Sem mencionar a proteção natural.


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