Livro: Ha-Joon Chang - Chutando a Escada - Capítulo 2 ("PARTE D")
Livro: Ha-Joon Chang - Chutando a Escada
(...)
Pgs. 70-95
"CAPÍTULO 2: "Políticas de desenvolvimento econômico: perspectiva histórica das políticas industrial, comercial e tecnológica"
43 - E quanto à França? Seria mesmo o reino do dirigismo e intervencionismo? Tal caracterização pode se aplicar ao período pré-revolucionário e ao que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, mas não ao restante da história do país. Sem dúvida, a política econômica francesa no período pré-revolucionário - conhecida como colbertismo, por causa de Jean-Baptiste Colbert (1619-1683), o famoso ministro da Fazenda de Luís XIV - era altamente intervencionista. A industrialização viria não por invenção própria, mas por uma sistemática espionagem industrial dos empreendimentos ingleses.
44 - Chang vai pro ataque: Com a queda de Napoleão, estabeleceu-se firmemente o regime de política laissez-faire, que perdurou até a Segunda Guerra Mundial. Muitos historiadores consideram as limitações desse regime a causa principal da relativa estagnação industrial no século XIX (ver, por exemplo, Trebilcock, 1981; Kuisel, 1981). A comparação de Nye dá a medida da coisa:
45 - Obs.: Em aparente contradição com a Tabela 2. 1, a Tabela 2.2 mostra que ainda restava alguma proteção na economia britânica. Isso se deve a que o comércio totalmente livre prevaleceu apenas no caso dos produtos manufaturados (como mostra a Tabela 2.1), de modo que ainda se conservavam certas "tarifas de renda" de artigos de luxo (que se refletem na Tabela 2.2). (...) Irwin (1993) contesta a conclusão de Nye por vários motivos. Sua crítica mais importante é que a maioria das tarifas britânicas remanescentes depois de 1 840 eram "tarifas de renda" impostas aos artigos de luxo e, por conseguinte, tiveram pouco impacto sobre os incentivos industriais. No entanto, em sua resposta, Nye (1993), indica que mesmo as tarifas de renda podem ter tido um impacto significativo sobre a estrutura industrial e que só na década de 1860 as tarifas britânicas passaram a ser principalmente tarifas de renda, o que torna a sua afirmação válida pelo menos até 1860.
46 - Cita Napoleão III (1948-1970) como um entusiasta da política industrial (ok, mas o protecionismo via tarifa da época dele foi baixo e cadente, Chang...). O Estado incentivou ativamente o desenvolvimento infra-estrutural e criou diversas instituições de pesquisa e ensino. Também contribuiu para a modernização do setor financeiro do país, concedendo responsabilidade limitada, investindo e supervisionando instituições financeiras modernas e de ampla escala, como o Crédit Mobilier, o Crédit Foncier (o Banco da Terra) e o Crédit Lyonnais (Trebilcock, 1981, p. 184; Bury, 1964, cap.4).
47 - Chang coloca que a França voltou ao "Estado Mínimo" logo depois disso. Intervindo pouco. ). Ademais, nesse período, a maior parte das tarifas visava à proteção das estruturas industriais existentes (sobretudo na agricultura), não tinha caráter de tipo antecipador, voltado para o upgrading industrial (Kuisel, 1981, p. 18; Dormois, 1999, p.71). Política industrial mesmo só voltaria a ser feita depois da II Guerra.
48 - Experiência sueca de industrialização: Depois das guerras napoleônicas, o governo promulgou uma lei tarifária fortemente protetora (1816), proibindo a importação e a exportação de alguns itens. Isso impulsionou a produção de vestuário, por exemplo.
49 - A "fase livre-cambista" da Suécia foi meio que entre 1830 e 1880: Não obstante, por volta de 1830 a proteção começou a recuar progressivamente (ibidem, p.65). Manteve-se um regime de tarifas muito baixas até fim do século XIX, principalmente com a abolição das tarifas de produtos alimentícios, matérias-primas e máquinas em 1857 (Bohlin, 1999, p. 155). Em 1880, voltaram com tudo as tarifas, especialmente no setor agrícola. A partir de 1892 (e até ceder às imposições de muitos tratados comerciais), o país ofereceu proteção tarifária e subsídios à indústria, sobretudo ao novíssimo setor da engenharia (Chang & Kozul-Wright, 1994, p.869; Bohlin, 1999, p. 156). (...) em 1913 o índice médio das tarifas dos produtos manufaturados se achava entre os mais altos da Europa. Além disso, conforme um estudo realizado na década de 1930, a Suécia ocupava o segundo lugar - superada unicamente pela Rússia, numa lista de quatorze países europeus - em termos de grau de proteção à indústria (Liepman apud Bairoch, 1993, p.26...).
50 - ...Calcula-se que o pais, superado apenas pela Finlândia, teve o segundo crescimento mais rápido (em termos de PIB por hora de trabalho) entre as dezesseis maiores economias industriais, de 1890 a 1900, e o mais rápido de 1900 a 1913 (Baumol et ai., 1990, p.88, Tabela 5.1).
51 - Cita, ainda, subsídios, espécies de PPPs nos setores de infraestrutura e investimento em P & D como chaves do sucesso sueco na época. Tal parceria se desenvolveu a partir do envolvimento do Estado com esquemas de irrigação e drenagem para a agricultura. Aplicou se o mesmo modelo ao desenvolvimento das estradas de ferro a partir da década de 1850. O governo construiu as linhas principais, deixando apenas as secundárias ao setor privado, conforme aprovação governamental. Governo também controlava preços.
52 - Espionagem industrial e viagens para estudo e pesquisa também foram políticas do governo sueco.
53 - Em 1809, criou-se o Ministério da Educação, e o ensino básico já era obrigatório desde os anos 40. A escola secundária pública foi instituída na década de 1860; em 1878, acrescentou-se um ano, o sexto, ao ensino obrigatório. Nos níveis superiores, a colaboração do Estado se deu por meio da criação de institutos de pesquisa tecnológica, sendo o mais famoso deles o Instituto de Tecnologia Chalmers, em Gothenburg, e da transferência para a indústria - particularmente para a metalúrgica e a da madeira - de verbas diretamente destinadas à pesquisa.
54 - A política econômica sueca passou por uma transformação significativa com a vitória do Partido Socialista nas eleições de 1932 (que, desde essa data, passou menos de dez anos fora do governo) e a celebração do "pacto histórico" entre os sindicatos e a associação patronal em 1936 (o acordo Saltsjobaden). (...) Nas décadas de 1950 e 1960, o centralizado sindicado LO (Landsorganisationen i Sverige) adotou o chamado Plano Rehn-Meidner.
55 - Chang coloca que a Bélgica foi o segundo país a pôr em marcha a Revolução Industrial. (Como é pequeno, pouco se fala). Conquanto tenha perdido parte dessa vantagem tecnológica para os concorrentes em meados do século XIX, a Bélgica continuou sendo um dos países mais industrializados e ricos do mundo, especializando se em setores como o têxtil, o do aço, o dos metais não-ferrosos e o químico (Milward & Saul, 1979, p. 437, 441, 446; Hens & Solar, 1999, p.195).
56 - De 1860 pra frente, a Bélgica foi essencialmente livre-cambista, até pela sua superioridade tecnológica. Antes nem tanto: ...no período anterior a esse, a Bélgica foi consideravelmente mais protecionista do que a Holanda e a Suíça (...). Nos primeiros três quartos do século XVIII, o governo austríaco, que controlava o que mais tarde viria a ser a Bélgica, protegeu-a fortemente contra os concorrentes britânicos e holandeses e investiu em infraestrutura industrial (Dhondt & Bruwier, 1973, p.350-1; Van der Wee, 1996, p.65) . No início do século XIX, foi objeto de políticas ICT ativistas, já que fazia parte do Reino Unido dos Países Baixos (1815-1830) no reinado de Guilherme I (...). Ademais, até a década de 1850, algumas indústrias foram vigorosamente protegidas - as tarifas chegavam a 30%-60%, no caso do algodão, da lã e do linho, e a 85% no do ferro. Sua Com Law só foi revogada em 1 850 (Milward & Saul, 1977, p.1 74; Fielden, 1969, p.87) .
57 - Holanda: ...em 1780, a derrota na Quarta Guerra Anglo-holandesa marcou simbolicamente o fim de sua supremacia internacional (Boxer, 1965, cap.10). (...) Qualquer que tenha sido a verdadeira causa, a Holanda não conseguiu se industrializar na mesma proporção das rivais Grã-Bretanha, Alemanha e Bélgica. Apesar disso, graças à força de sua rede comercial, continuou sendo um dos países mais ricos do mundo até o início do século XX (Dhondt & Bruwier, 1973, p. 329, 355).
58 - A Holanda foi um país de laissez-faire durante quase todo o Século XIX e início do XX. Recusava também a Lei de Patentes durante a maior parte do período. Havia (e Chang cita várias) exceções intervencionistas: Em terceiro lugar, o governo holandês criou, organizou e financiou deliberadamente uma empresa privada de gerenciamento das ferrovias nacionais para concorrer com as duas já existentes no setor (Van Zanden, 1999, p.1 79-80) . Essa prática era pouco conhecida na época e, embora negasse vigorosamente o laissez-faire no discurso, na prática foi a precursora da moderna política industrial ativista pró-concorrência. Após a II Guerra, haveria mais políticas industriais ativas.
59 - Holanda ainda era o segundo mais rico do mundo em renda per capita em 1820, segundo estimativas de Maddison. Perdia por pouco da Inglaterra mesmo tendo estagnado. Entretanto, um século depois (1913), havia sido suplantada por pelo menos seis países: Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos, Canadá, Suíça e Bélgica - e quase pela Alemanha. Em 1820, a renda per capita deste país correspondia a cerca de 60% da holandesa (US$ l.561 contra US$ 1.112).
60 - A Suíça foi um dos primeiros países europeus a se industrializar. Biucchi (1973) afirma que a sua Revolução Industrial se iniciou aproximadamente vinte anos depois da britânica. (...) Segundo Milward & Saul (1979, p. 454-5), "em 1822, entre um terço e a metade do fio de algodão tecido na Suíça era importado da Grã-Bretanha. Contudo, em 1835, a importação de fio britânico tinha praticamente cessado". A Suíça foi líder tecnológico mundial em algumas indústrias importantes, principalmente na têxtil de algodão, em muitas áreas da qual era considerada até maís avançada do que a britânica (Biucchi, 1 973, p. 629).
61 - Foi essencialmente um país de laissez-faire e de postura antipatentes (até início do Século XX). Segundo Chang/Biucchi, o protecionismo "natural" contra a concorrência britânica, proporcionado pela intervenção de Napoleão, ofereceu à indústria suíça um respiro decisivo, especialmente diante da defasagem tecnológica que estava se abrindo graças ao sucesso da mecanização da indústria têxtil britânica na época. E sobre o não-respeito aos direitos de propriedade intelectuais: As mais favorecidas foram a química e a farmacêutica, que roubavam ativamente a tecnologia da Alemanha, e a alimentícia, para a qual a inexistência de patentes atraiu o investimento externo direto.
62 - Japão: Nos primeiros estágios de desenvolvimento, o Japão não pôde se valer do protecionismo comercial por causa dos "acordos desiguais" que fora obrigado a firmar em 1858 e que proibiam a fixação de tarifas superiores a 5%. Ao que entendi, até 1911 esteve impedido de usar a proteção tarifária.
63 - Imitando a Prússia, o Estado japonês criou fábricas estatais modelos (ou projetos-piloto) em diversos segmentos industriais - notadamente no da construção naval, no da mineração, no têxtil (algodão, lã e seda) e no militar. Depois eram privatizadas (ainda no século XIX), mas mantinha-se uma política de subsídios. Também a primeira usina de aço moderna (a Siderúrgica Estatal Yawata) foi criada pelo governo em 1901.
64 - O Estado japonês também atuou na área de infraestrutura. O Estado Meiji construiu a primeira ferrovia do país em 1881. O investimento privado no setor só veio com subsídios. Os investidores privados foram de tal modo cautelosos que, em 1881, só se angariou capital para a primeira estrada de ferro entre Tóquio e Amomori mediante a promessa do governo de construir a linha, para os proprietários, com engenheiros do Departamento da Indústria, de isentar de impostos as terras de propriedade da ferrovia e de garantir a esta um retorno líquido de 8% anuais durante dez anos, no trecho entre Tóquio e Sendai, e durante quinze no que ligava Sendai a Aomori" (Smith, 1955, p.43).
65 - Em 1869, o governo japonês iniciou a construção da infraestrutura telegráfica, e, em 1880, todas as grandes cidades já estavam interligadas pelo telégrafo.
66 - Chang coloca que há polêmica sobre todas essas estatais japonesas, alvo de críticas por não serem lucrativas. Porém, outros, como Thomas Smith, apontam essa fase como fundamental: ...abriram-se novos e difíceis caminhos: formaram-se administradores e engenheiros, treinou-se uma pequena mas crescente mão-de-obra industrial, conquistaram-se novos mercados; e o que talvez seja o mais importante: desenvolveram-se empresas que serviriam de base ao futuro crescimento industrial.
67 - Mais Estado japonês: Ademais, o governo japonês implementou políticas destinadas a facilitar a transferência de tecnologia e instituições estrangeiras avançadas. Por exemplo, contratou muitos consultores técnicos estrangeiros; seu número chegou a 527 em 1875, mas declinou rapidamente para 155 em 1885, o que indica uma rápida absorção de conhecimento por parte dos japoneses. O Ministério da Educação foi criado em 1871; na virada do século, afirmava ter atingido um quociente de alfabetização de 100% (McPherson, 1987, p. 30).
68 - Chang coloca que o Japão recebeu influência de inúmeros países na moldagem de suas instituições, combinando aspectos europeus e americanos na sua legislação e instituições de ensino, por exemplo.
69 - Com o fim dos acordos desiguais em 1911, o Estado japonês pós-Meiji promoveu uma ampla reforma tarifária visando proteger a indústria nascente, facilitar a importação de matéria-prima e controlar o consumo de bens de luxo (Allen, 1981, p. 133; McPherson, 1987, p. 32). Tornou-se um dos países mais protecionistas, abaixo dos EUA da época. Entretanto, a proteção era mais focada em alguns setores (tipo como faziam Alemanha e Suécia). Não era um amplo "cobertor protecionista" como existia nos EUA, Espanha e Rússia. Na média, as tarifas não eram imensas, devido aos setores menos protegidos.
70 - Na década de 1920, fortemente influenciado pela Alemanha, o Japão passou a incentivar a racionalização das indústrias-chave, sancionando a formação de cartéis e incentivando as fusões com o objetivo de restringir a "concorrência predatória", obter economias de escala, a padronização e a introdução do gerenciamento científico (Johnson, 1982, p.105-6; McPherson, 1987, p.32-3).
71 - Após a Segunda Guerra Mundial, o crescimento recorde do Japão foi inusitado, particularmente até os anos 70. Entre 1950 e 1973, o PIB per capita cresceu surpreendentes 8% ao ano, mais do que o dobro da média de 3,8% dos dezesseis PADs mencionados (média essa que inclui o Japão) . Entre eles, tiveram melhor desempenho a Alemanha, a Áustria (4,9%) e a Itália (4,8%); nem mesmo o desenvolvimento miraculoso dos países do Leste Asiático, como Taiwan (6,2%) ou a Coréia (5,2%), chegou a rivalizar com o do Japão, apesar do "efeito de convergência" maior que era de se esperar em razão de seu atraso também maior. (Certamente isso teve a ver, entre outros fatores, com o fato de a renda per capita ter caído 48% por volta do colapso da II Guerra. O capital humano permaneceu lá pra reconstruir o físico).
72 - Os países de desenvolvimento tardio imitaram os europeus/EUA na sua ascensão? Mais ou menos. As políticas ICT que eles e alguns outros PADs, como a França, adotaram no pós-guerra eram infinitamente mais sofisticadas e afinadas do que suas equivalentes históricas. Exemplifica: Os países do Leste Asiático valeram-se de subsídios à exportação (tanto diretos quanto indiretos) mais substanciais e mais bem planejados e, aliás, tributaram muito menos a exportação do que seus antecessores (Westphal, 1978; Luedde-Neurath, 1986; Chang, 1993). (...) A coordenação dos investimentos complementares, que antes ocorria um tanto ao acaso, quando ocorria, foi sistematizada mediante o planejamento indicativo e os programas de investimento do governo (Chang, 1993, 1994). Cita mais exemplo que, porém, achei mais mal explicado. Basicamente, Chang alega que houve mais planejamento em geral, como o atrelamento da política educacional à industrial.
73 - A Crise Asiática (97 creio) foi culpa das políticas industriais ativistas? Chang acha bem discutível. Exemplo: ...embora tenha se valido de políticas ICT ativistas, Taiwan não enfrentou nenhuma crise financeira ou macroeconômica. O Japão teria a ver com uma crise estrutural (sua poupança supostamente excessiva, por exemplo) e a Coréia teria, por exemplo, desmantelado boa parte da sua política industrial em meados dos anos noventa (e continua crescendo forte, por sinal, viu Chang?!).
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