Livro: Ha-Joon Chang - 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo - Capítulos 18 e 19

                                                                                                                                                 

Livro: Ha-Joon Chang - 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo



Pgs. 152-158


"CAPÍTULO 18: "O que é bom para a General Motors não é necessariamente bom para os Estados Unidos"


152 - A tese principal deste capítulo é a de que o que importa não é a quantidade e sim a qualidade da regulamentação empresarial.


153 - Conta um pouco da história da GM. Durante a II Guerra, teria lucrado com ambos os lados. Após, tornou-se a maior empresa do país à época. (...) No verão de 2009, a GM foi à falência. Apesar da sua notória aversão à propriedade estatal, o governo dos Estados Unidos assumiu o controle da empresa e, depois de uma ampla reestruturação, lançou-a como uma nova entidade.


154 - ...Da glória à crise: A princípio, ela acusou os seus concorrentes de dumping e de outras práticas comerciais desleais, e conseguiu que o governo americano impusesse quotas de importação sobre os carros importados, especialmente os japoneses, e obrigasse o mercado interno dos concorrentes a abrir as portas. Nos anos 1990, quando essas medidas se revelaram insuficientes para interromper o declínio, a empresa tentara compensar as suas perdas no setor de fabricação de automóveis desenvolvendo a sua sucursal financeira, a GMAC (General Motors Acceptance Corporation). A GMAC foi além da sua função tradicional de financiar compras de carro e começou a realizar transações financeiras independentes. A GMAC teve bastante êxito; em 2004, por exemplo, 80% do lucro da GM foi proveniente da GMAC


155 - ...Chang coloca que foram todas boas decisões pra GM, mas ruins para os EUA. A General Motors não precisou ser obrigada a aumentar a produtividade. Capengou por décadas, digamos assim. Enquanto isso, os executivos ganhavam salários altíssimos e distribuíam gordos dividendos e recompras de ações aos acionistas (boa parte transitórios, que não ligavam pra longo prazo).


156 - ...o que é bom para alguns stakeholders da empresa, como os executivos e os acionistas de curto prazo, pode não ser bom para outros, como os funcionários e os fornecedores


157 - No início da década de 1990, a revista de negócios estabelecida em Hong Kong, publicada em inglês, Far Eastern Economic Review, publicou um número especial sobre a Coreia do Sul. Em um dos artigos, a revista expressou perplexidade diante do fato que, embora fossem necessárias 299 licenças de até 199 agências reguladoras para abrir uma fábrica no país, a Coreia do Sul crescera mais de 6% do ponto de vista per capita nas três décadas anteriores. Como isso era possível? Como pode um país com um regime regulatório tão opressivo crescer tão rápido? Japão e Taiwan também regulavam bastante entre 1950 e 1980, afirma. O milagre asiático foi e é (na China) regado a isso. América Latina e África, que foram na onda da liberalização crescente, não tiveram bons resultados.


158 - ...em um país que está crescendo rápido e no qual boas oportunidades de negócios estão surgindo o tempo todo, até mesmo o incômodo de obter 299 licenças não dissuadiria os empresários de abrir uma nova linha de negócios. Em contrapartida, se no final do processo houver pouco dinheiro a ser ganho, até mesmo apenas 29 licenças poderão parecer opressivas.


159 - Ademais, há regulações e regulações: Por exemplo, regulamentar a intensidade da atividade das fazendas de peixes pode reduzir os lucros destas últimas mas ajudar a indústria das fazendas de peixes como um todo ao preservar a qualidade da água que elas precisam usar. Outro exemplo é que poderia ser do interesse de empresas individuais empregar crianças para reduzir a sua folha de pagamentos. No entanto, o uso difundido da mão de obra infantil diminuiria a qualidade da força de trabalho a longo prazo por tolher o desenvolvimento físico e mental das crianças. (...) as empresas frequentemente não investem o bastante no treinamento dos seus funcionários, simplesmente porque têm medo de que outras empresas os roubem e obtenham benefícios à custa do seu esforço inicial. Nessa situação, o fato de o governo impor a todas as empresas um requisito para o treinamento profissional poderia na realidade aumentar a qualidade da força de trabalho, favorecendo com isso, no final, todas as empresas. É o comitê executivo da burguesia em ação.



Pgs. 159-166


"CAPÍTULO 19: "Apesar da queda do comunismo, ainda estamos vivendo em economias planejadas"


160 - Tese: Os governos nas economias capitalistas também praticam o planejamento, embora de uma maneira mais limitada do que no planejamento central comunista. Todos financiam uma parcela significativa do investimento em P&D e infraestrutura. Cita ainda as atividades das estatais, a política industrial e os planejamentos indicativos. 


161 - Coloca que a URSS combinava alta tecnologia de mísseis com filas por pão e açúcar. Dizem que nos anos 1980, a segunda maior causa de incêndios em Moscou era — acredite ou não — televisões que explodiam. Os grandes cientistas russos eram tão inventivos quanto os seus equivalentes nos países capitalistas, mas o restante do país não parecia ser capaz de viver à altura do mesmo padrão. (...) praticamente todos os empreendimentos eram administrados por administradores profissionais (com exceções secundárias como os pequenos restaurantes e cabeleireiros), o que impedia o surgimento de empreendedores visionários. A remuneração máxima de um administrador também era limitada. Chang criticou também o pleno emprego a todo custo: ...ao tentar reformar a economia soviética, Gorbachev frequentemente mencionava o problema da disciplina no trabalho.


162 - ...Não traz dados, mas afirma: ...Além disso, nos anos 1960, o igualitarismo ideal dos primórdios do comunismo tinha dado lugar ao realismo, e a remuneração relacionada com o desempenho se tornara a norma, mitigando (se bem que de modo algum eliminando) o problema do incentivo.


163 - Marx e as contradições da economia capitalista: ...apesar da crescente interdependência entre as empresas, argumentavam os marxistas, a propriedade delas permanece firmemente em mãos privadas separadas, o que torna impossível coordenar as ações dessas empresas interdependentes. É claro que as variações de preços garantem que exista alguma coordenação ex post das decisões das empresas, mas a sua amplitude é limitada e o desequilíbrio entre a oferta e a procura, criado por essa (em termos não marxistas) “incapacidade de coordenação”, se acumula em crises econômicas periódicas. Durante uma crise econômica, rezava o argumento, um grande número de recursos valiosos é desperdiçado. Muitos produtos não vendidos são jogados fora, máquinas que produziam coisas agora indesejadas são inutilizadas, e trabalhadores capazes e dispostos a trabalhar são demitidos devido à falta de demanda. Com o desenvolvimento do capitalismo, prognosticaram os marxistas, essa contradição sistêmica se tornaria maior e, por conseguinte, as crises econômicas se tornariam cada vez maiores e mais violentas, finalmente derrubando todo o sistema.


164 - ...Para Chang, os marxistas podem ter estado certos ao pensar que o desenvolvimento das forças produtivas, por aumentar a interdependência entre diferentes segmentos de capital, aumenta a necessidade do planejamento central. No entanto, eles deixaram de reconhecer que isso também torna a economia mais complexa, tornando mais difícil planejar centralmente. (...) O planejamento central funcionava bem quando os objetivos eram relativamente simples e claros, como foi presenciado no sucesso da industrialização nos primórdios da União Soviética, quando a principal tarefa era produzir um número relativamente pequeno de produtos fundamentais em grandes quantidades (aço, tratores, trigo, batata etc.). (...) Uma solução óbvia foi limitar a variedade de produtos, mas isso deixou os consumidores extremamente insatisfeitos. Mesmo assim era difícil, havendo escassez, excessos (de outros produtos) e filas.


165 - Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, as economias dos principais beligerantes capitalistas, os Estados Unidos, o Reino Unido e a Alemanha, foram todas centralmente planejadas em tudo exceto no nome.


166 - O "planejamento indicativo" é um trabalho em conjunto com o setor privado. Definem-se objetivos comuns e cada qual cuida da sua parte. ...o governo se esforçará ao máximo para atingi-los mobilizando vários incentivos (p. ex., subsídios, a concessão de direitos de monopólio) e punições (p. ex., regulamentações, a influência por meio de bancos estatais) que têm à sua disposição. Cita França, Finlândia, Noruega e Áustria como exemplos de sucesso no uso dessas políticas. As economias do milagre asiático, o Japão, a Coreia e Taiwan, também usaram o planejamento indicativo entre os anos 1950 e 1980. Já a Índia é citada como mau exemplo do uso. Não entra no assunto, porém.


167 - No caso das políticas industriais, o uso é ainda mais difundido. Até mesmo países que não praticaram o planejamento indicativo, como a Suécia e a Alemanha, praticaram a política industrial setorial.


168 - Ainda tem as estatais: A parcela de empresas estatais na produção nacional pode chegar a mais de 20%, como no caso de Cingapura, ou ser apenas de 1%, como no caso dos Estados Unidos, mas a média internacional gira em torno de 10%. (...) Quando consideramos o fato que as empresas estatais geralmente atuam em setores que exercem um impacto desproporcional no restante da economia, o efeito indireto do planejamento por intermédio das empresas estatais é ainda maior do que é indicado pelo percentual de participação das empresas estatais na produção nacional.


169 - EUA podem não ter muitas estatais, mas o planejamento estatal está forte na área de P & D por exemplo. Entre os anos 1950 e 1980, a participação do financiamento do governo na P&D total no suposto livre mercado americano representou entre 47 e 65%, dependendo do ano, enquanto esse percentual ficou em torno de 20% no Japão e na Coreia e em menos de 40% em vários países europeus (p. ex., Bélgica, Finlândia, Alemanha e Suécia).


170 - Chang coloca que nenhum CEO seria aplaudido ao anunciar que a corporação vai apenas seguir os sinais dos preços de mercado, agindo em total flexibilidade. Espera-se que um(a) CEO tenha um plano! Onde irá expandir, contrair... Expectativas de lucro (ou mesmo prejuízo inicial)... Fusões ou não. Etc. As empresas planejam as suas atividades, às vezes nos mínimos detalhes. Na realidade, foi aí que Marx teve a ideia de planejar centralmente toda a economia. Na época de Marx, apenas as empresas privadas planejavam, porém. Coloca que, com o desenvolvimento do capitalismo, uma quantidade cada vez maior de áreas da economia passou a ser dominada por grandes corporações. Isso significa que a área da economia capitalista que é coberta pelo planejamento na realidade cresceu. Para dar um exemplo concreto, hoje em dia, dependendo da estimativa, de um terço à metade do comércio internacional consiste de transferências entre diferentes unidades dentro de corporações transnacionais. A economia hoje seria mais "organizacional" que propriamente "de mercado".


171 - ...Entre o planejamento que está tendo lugar dentro das corporações e vários tipos de planejamento do governo, as modernas economias capitalistas são planejadas em um grau bastante elevado. Quanto mais rico o país, mais planejado. O mercado seria, segundo Chang, como o sal, essencial, mas numa determinada medida e nunca sozinho.


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