Livro: Fernando Carvalho ... and Sicsu - Economia Monetária e Financeira - Capítulos 20 e 21
Livro: Fernando Carvalho, Luiz Fernando De Paula and Joao Sicsu - Economia Monetária e Financeira (2007)
Pgs. 297-313
"CAPÍTULO 20: "INOVAÇÕES FINANCEIRAS E TRANSFORMAÇÕES ESTRUTURAIS DOS SISTEMAS FINANCEIROS"
269 - Do pós-guerra até o fim dos anos sessenta, vigorou Bretton Woods: Entre as medidas mais importantes estavam o estabelecimento de mecanismos de ajuste das taxas de câmbio, se fossem detectados desequilíbrios fundamentais; a definição de mecanismos de ajuste aceitáveis pelos participantes do sistema quando desequilíbrios mais superficiais tivessem lugar; a adoção de controles de movimentos de capital, especialmente os de curto prazo, para evitar que especuladores gerassem pressões instabilizadoras; e a criação de uma instituição, o Fundo Monetário Internacional, para financiar os desequilíbrios de balanço de pagamentos dos países deficitários enquanto seus problemas estivessem sendo corrigidos.
270 - ...Esse sistema funcionou de forma bastante satisfatória durante mais de vinte anos, mas começou a dar sinais de esgotamento ao final dos anos 60. Nesta época, por questões variadas, acumulavam-se pressões inflacionárias em vários países, notadamente nos Estados Unidos, onde um período de recuperação cíclica da economia era reforçado pelo aumento de demanda agregada, apoiado na expansão da participação do país na guerra do Vietnã. Essas pressões inflacionárias eram incompatíveis com a manutenção do sistema de taxas fixas de câmbio e com a fixação do valor do dólar em ouro. O colapso do sistema iniciou-se em 1971, quando o presidente dos Estados Unidos suspendeu a paridade dólar/ouro, e concluiu-se dois anos depois, quando o sistema de câmbio fixo foi formalmente abandonado. E dois anos depois viria o primeiro choque do petróleo para piorar a questão da pressão inflacionária. A década de 70 assistiu a subidas de juros.
271 - ...Instabilidades de preços, de taxas de juros e de taxas de câmbio combinavam-se para criar riscos para aplicadores e tomadores de recursos em escala praticamente desconhecida até então. (...) A tendência à liberalização dos mercados, que, aliás, não se restringia a mercados financeiros, acabou corroendo as barreiras que protegiam nichos de mercado, como, por exemplo, o mercado para serviços bancários, que já vinha sendo solapado pela própria inflação, o que induzia depositantes a procurar aplicações mais seguras fora do sistema bancário tradicional.
272 - Mercados de capitais como mais baratos e eficientes que os mercados de crédito: Numa operação de crédito, o intermediário corre os riscos criados pela possibilidade de inadimplência do tomador e pelo eventual descasamento entre passivos emitidos em favor dos aplicadores e os ativos representados por direitos contra os tomadores. O intermediário cobra de seus clientes o custo de correr esses riscos. A colocação direta de papéis no mercado elimina os riscos do intermediário.
273 - Os tipos de securitização: Na realidade, securitização corresponde a dois tipos diferentes de processos financeiros. Securitização primária corresponde ao apelo crescente à colocação direta de papéis de tomadores junto ao público não financeiro, em substituição ao crédito bancário anteriormente utilizado. Exemplo clássico deste processo é a captação de recursos de curto prazo para financiamento de capital de giro pelas empresas, através da colocação de commercial papers, ao invés da tomada de recursos junto a bancos comerciais. Já a securitização secundária refere-se ao processo de transformação sofrido pelos próprios intermediários financeiros que buscam se adaptar às novas tendências do mercado. Neste caso, o que é securitizado são os ativos dos bancos, representados por empréstimos originalmente realizados aos tomadores finais.
274 - Mais explicações: ...Esses contratos são posteriormente “empacotados” em um único ativo cujo retorno é constituído pelo serviço da dívida criada pelo intermediário, e vendido para um “poupador”, normalmente um investidor institucional, que controle recursos em volume suficiente para absorver esses ativos. A securitização secundária, assim, descreve processos em que obrigações inicialmente geradas sob a forma de crédito são transformadas em “papéis” e repassadas a investidores, liberando recursos para as instituições financeiras retomarem o processo de crédito. Este processo, criado principalmente para resolver a crise do sistema de financiamento da construção norte-americano, permite aos bancos repassar para os aplicadores finais tanto o risco de crédito (probabilidade de calote) quanto o risco de juros (probabilidade de que elevações de juros reduzam o valor dos ativos mais do que o dos passivos) envolvidos na concessão de empréstimos, e também reduzem seus custos de monitoração dos tomadores. (O livro não chegou nisso, mas... Deu merda em 2008)
275 - Outra inovação das décadas recentes são os derivativos: ...em operações financeiras internacionais, derivativos permitem separar os riscos de juros dos riscos de câmbio, os riscos de amortização dos referentes ao serviço de uma dívida etc. Decompõem em riscos e negociam estes separadamente (...), permitindo a cada parceiro aceitar apenas aqueles riscos que lhe atraem, transferindo o restante para outros (isto é, fazendo hedge contra esses outros riscos, o que nada mais é que a compra de contratos que lhe garantam uma compensação contra contingências específicas).
276 - Mencionam o forte crescimento dos derivativos de crédito: O instrumento mais utilizado atualmente é a chamada transferência de calote de crédito (credit default swap). Este instrumento assemelha-se a um contrato de seguro, pelo qual uma instituição compromete-se a comprar o crédito em poder do banco em caso de default, em troca do pagamento de um prêmio. Se o crédito for liquidado normalmente, o banco reterá o ativo em seu balanço, ao custo do prêmio de “seguro” pagão ao vendedor de proteção. Se, ao contrário, houver calote, o vendedor de proteção assumirá a perda, transferindo ao banco o valor do contrato. O uso deste instrumento tem crescido rapidamente nos últimos anos, à frente de qualquer outro instrumento de hedge contra riscos de crédito no sistema bancário.
277 - Mercado de investidores institucionais (essa categoria inclui as seguradoras) e fundos de pensão é outra "novidade": Nos Estados Unidos estes fundos foram criados há relativamente mais tempo que nos outros países, dado o nível relativamente baixo de benefícios tradicionalmente oferecidos pelo sistema público de previdência norte-americano. A complementação de renda via previdência privada tornou-se claramente necessária naquele país antes da maioria dos outros. (...) Com um crescimento menos espetacular, mas ainda assim muito significativo, emergiram também na década de 1980 os fundos mútuos de investimento.
278 - Apontam a tendência à universalização, em contraponto á segmentação de funções, do banco: ...as novas frentes abertas pela inovação financeira, como os processos de securitização e operação com derivativos em um cenário em que fronteiras nacionais são cada vez menos importantes, abrem perspectivas de lucros muito superiores àqueles acessíveis nos tradicionais mercados de crédito.
279 - Choque de cultura entre bancos comerciais e de investimento: Entre os dois tipos de instituição subsistem importantes diferenças em relação à atitude com relação a risco (onde operadores de bancos de investimento são mais propensos a riscos que os operadores de bancos comerciais, voltados para a construção de relacionamentos mais duráveis), à concepção de sucesso (o ganho maior e mais imediato no primeiro caso, o sucesso em estabelecer ligações duráveis no segundo), à relação com o cliente (mais distante no caso dos bancos de investimento que no de bancos comerciais), à remuneração dos funcionários (comissão sobre negócios no caso do banco de investimento, estrutura mais estável e previsível de salários nos bancos comerciais, gerando ainda uma diferença significativa no valor recebido, muito mais alto para os operadores de bancos de investimento), aos procedimentos adotados (operações em mercados de capitais frequentemente exigem decisões rápidas, mesmo em condições de risco, enquanto bancos comerciais exibem processos de decisão mais demorados e hierarquizados) etc.
280 - Bancos de investimento de outros países sofriam (sofrem?) na época: Dado o volume do mercado de capitais americano, os bancos de investimento daquele país têm vantagens competitivas imensas de partida, pelo simples fato de que seu acesso a fontes domésticas de recursos é muito mais imediato do que o de instituições que lutam para entrar no mercado.
281 - A Tabela 20.7 mostra a vertiginosa velocidade com que se criou um mercado internacional em bônus e ações. A única exceção é o Japão, que, por toda a década de 1990, tem se debatido em uma crise financeira doméstica, cujas proporções gigantescas ainda não foram inteiramente calculadas.
282 - Destacam a importância da informatização para a expansão global dos mercados financeiros: Na verdade, contratos complexos como os derivativos estruturados ou o “empacotamento” de obrigações em obrigações derivadas, transacionadas na securitização secundária, não poderiam sequer existir na ausência de métodos de cálculo de risco e estabelecimento de preços permitidos pelo uso de computadores. Do mesmo modo, a comunicação em tempo real permitida pelos novos equipamentos disponíveis permite a atuação simultânea em mercados geograficamente distantes, levando assim ao desenho de transações que consideram elementos de informação gerados no mesmo momento em cada um deles. Aumentam possibilidades de arbitragem, por exemplo.
283 - Quanto ao controle de capitais, cada vez menor: O argumento é especialmente utilizado em contrário a regulações que buscam limitar a circulação internacional de capitais, como controles de aplicações de nacionais no exterior e outros mecanismos de saída de recursos. Aponta-se para a impossibilidade de controle efetivo de saídas de recursos, em função da possibilidade de criação contínua de canais alternativos de circulação quando as autoridades bloqueiam determinada rota. Essas novas possibilidades estariam se tornando possíveis em função das novas tecnologias, embora não seja exatamente claro o modo pelo qual isto funcionaria, à parte atividades abertamente criminosas, como as relacionadas à “lavagem” de dinheiro por organizações ilegais.
Pgs. 314-327
"CAPÍTULO 21: "TEORIAS DE ALOCAÇÃO DE PORTFÓLIO"
284 - Começa repetindo o final do capítulo 4, com a precificação de ativos segundo os parâmetros de Keynes (quase-renda, prêmio de liquidez, custo de carregamento, expectativa de valorização do preço). ...no modelo de equilíbrio do mercado de ativos de Keynes, as compras e vendas de ativos (financeiros e não financeiros) ocorreram até que as taxas de retornos dos ativos sejam idênticas.
285 - O tal do equilíbrio nunca será perfeito, pois agentes divergem sobre expectativas. Daí tanta transação.
286 - Alta demanda por moeda/liquidez: Além deste impacto direto sobre a demanda por bens e ativos, temos que considerar que, ao gerar uma queda do preço à vista dos ativos reais, uma situação de excesso de demanda por moeda também pode afetar as expectativas de quase-rendas desses ativos, deprimindo mais ainda seus retornos esperados. Neste caso, o efeito de um aumento da demanda por moeda, quando não acompanhado pelo aumento de sua oferta, seria recessivo. (Aqui se está considerando a oferta de moeda fixa, não acompanhando).
287 - Keynes analisando os "comportamentos de manada": ...Neste contexto, pode haver convergência de expectativas para baixo ou para cima, com efeito de gerar corridas para liquidez – com consequente elevação das taxas de juros – ou corridas para as compras – gerando “bolhas especulativas”.
288 - O papel das expectativas: Saindo de uma situação de equilíbrio na composição da carteira ampla de ativos, caso haja uma melhoria das expectativas empresariais, de forma que as quase-rendas esperadas na utilização de um bem de capital se elevem, ocorre um aumento no seu retorno esperado total (qk – ck), tornando-o superior aos demais ativos. Essa diferença entre taxas de retorno esperado estimula a compra de bens de capital, fazendo elevar o seu preço à vista – o que por sua vez pode estimular a produção de bens de capital. Evidentemente, como o aumento do investimento, acaba por gerar um crescimento da demanda agregada, é factível que a partir de um primeiro crescimento do investimento dê origem a crescimentos subsequentes das expectativas de retorno do capital, gerando um círculo virtuoso de acumulação de capital. (...) Para Keynes, a potencial instabilidade das expectativas de longo prazo resulta em grande parte da distância entre o prazo de aplicação (compra e instalação do bem de capital) e o de realização do retorno sobre o capital. (em alguns aspectos é algo similar a uma NTN-B longa). Quanto se poderá vender daqui a "x" anos (maturação do investimento) é a pergunta decisiva.
289 - Colocam que o modelo de Keynes acabou ficando pra trás. O de Tobin, por exemplo, exalta o papel das correlações negativas na diversificação de ativos. Criam-se "mix" de menor risco para igual retorno, digamos. No modelo de Tobin, utiliza-se a ideia de que os preços/retornos futuros dos ativos são formados a partir de distribuição probabilística dos preços/retornos dos ativos. Este é o conceito de risco. No mais, traz toda a explicação matemática do que já faço intuitivamente com meu dinheiro há anos. Chega a conclusões como esta: "...os agentes racionais irão sempre diversificar o portfólio, porém a combinação exata entre ativos dependerá da aversão a risco do investidor individual."
290 - Modelo CAPM e HME: ...a carteira ótima sempre corresponderá exatamente à distribuição de ativos no mercado como um todo. (...) Ou seja, digamos que o nosso mercado se compõe de 30% de ativos monetários, 40% de ativos de risco baixo e 30% de risco elevado. Para cada um desses ativos, há um retorno correspondente à relação entre preços à vista e preços futuros. Chegamos à conclusão de que, se os agentes são bem informados, sua carteira ótima se comporá exatamente da proporção 30/40/30 dos três ativos descritos acima.
291 - Outra coisa do CAPM: ...o prêmio de risco que deve ser pago por um ativo – e portanto o que determina o retorno total de ativo – é uma proporção direta do risco que este ativo adiciona à carteira do agente – ou seja, de acordo com as características de risco do ativo que está se comprando. (Exceto renda variável brasileira nos últimos quinze anos rs).
292 - E uma última coisa sobre o CAPM nas conclusões: Por fim, os mercados financeiros não são suscetíveis a variações de preços que não reflitam exclusivamente mudanças dos fundamentos da economia, e portanto “bolhas especulativas” somente são concebíveis enquanto fenômenos de curtíssimo prazo e de efeito irrelevante sobre a alocação de recursos no longo prazo. Este quadro, paradoxalmente, está longe de ser aquele desenhado por Keynes, quando descreveu a relação entre bolhas especulativas e performance macroeconômica em economias de mercado. O preço, no CAPM, está quase sempre saudavelmente atrelado aos fundamentos, em razão da HME.
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