Livro: Fabio Giambiagi... - Desenvolvimento Econômico... (2013) - Capítulo 13
Livro: Fabio Giambiagi, Veloso, Pedro Cavalcanti and Pessoa - Desenvolvimento Econômico, Uma Perspectiva Brasileira (2013)
Pgs. 372-395
"CAPÍTULO 13: "EXPERIÊNCIAS COMPARADAS DE POLÍTICA INDUSTRIAL NO PÓS-GUERRA: LIÇÕES PARA O BRASIL"
356 - Texto de Maurício Canêdo-Pinheiro.
357 - Políticas públicas horizontais na provisão de bens públicos: Prover educação de qualidade, garantir direitos de propriedade e reduzir a burocracia nos negócios são exemplos.
358 - A parte "vertical" visaria setores, mas não necessariamente com distorção de preço/intervenção. ...no quadrante inferior direito são classificadas políticas que distorcem os preços relativos de setores específicos (subsídios e proteção comercial para determinados setores, por exemplo). Finalmente, há intervenções de mercado que buscam atingir determinadas atividades (subsídios para pesquisa e desenvolvimento, para treinamento de mão de obra e para investimento em capital, por exemplo) e não determinados setores (quadrante inferior esquerdo).
359 - O learning by doing tem a ver com o argumento da indústria nascente. O mercado não toparia inicialmente essa aventura sem muito apoio. Cabe lembrar que, mesmo quando a proteção é a escolha ótima, esta deve ser diminuída ao longo do tempo, à medida que os custos das firmas forem sendo reduzidos, e deve ser eliminada quando esgotadas as possibilidades de aprendizado. Há o risco de a empresa nunca aprender e/ou ficar sempre utilizando tecnologia defasada.
360 - Coloca que a discussão da complexidade (chama de adensamento) trazida por Hausmann é meio que uma evolução de uma ideia antiga. Note-se que essa abordagem mais recente tem alguma semelhança com a abordagem mais tradicional de encadeamento. Basicamente, alguns setores – especialmente da indústria manufatureira – possuiriam fortes encadeamentos com o restante da economia, pois demandariam muitos insumos de outros setores em seu processo produtivo. Analogamente, também existiriam setores que são muito demandados pelos demais. Nesse caso, por causa dessas externalidades, faria sentido deslocar a economia para os setores que promovem mais fortemente esses encadeamentos. O problema é a forte competição internacional nesse tipo de produto.
361 - A função de produção de determinado bem não é a mesma em todos os países, pois boa parte da tecnologia é tácita ou depende do ambiente econômico e institucional em que está inserida. Assim sendo, a empresa privada local teria um pouco de medo de algumas iniciativas. Incerteza é a palavra. ... o equilíbrio de mercado gera investimento muito pequeno em novos produtos e um nível de diversificação muito baixo.
362 - ...Trata-se de um problema semelhante ao enfrentado pelas firmas que investem em inovação, mas nesse caso o retorno do investimento pode ser protegido por leis de patente e de propriedade intelectual. Nesse caso, sugere-se uma política industrial que, em linhas gerais, deve incentivar o investimento em novos setores ex ante e eliminar setores pouco produtivos ex post. O incentivo deve ser dado somente à firma pioneira e não às imitadoras. Proteção comercial e subsídios à exportação seriam pouco adequados, pois não é possível a discriminação entre pioneiros e imitadores. Empréstimos e garantias por parte do governo, embora consigam atingir as firmas de forma discriminada, sofrem de sérios problemas associados à influência política no direcionamento dos recursos, corrupção e moral hazard.
363 - Comparação de trajetórias e políticas de industrialização:
364 - A destruição da renda per capita japonesa - caiu pela metade - ao fim da guerra teve a ver com destruição do estoque de capital físico. No entanto, o Japão já havia conseguido desenvolver (e manter, mesmo com as baixas durante a guerra) um estoque de capital humano muito acima do padrão de países com renda similar.
365 - ...Em 1950 começou o processo de reconstrução de sua indústria: Resumidamente, a política industrial japonesa do pós-guerra foi colocada em prática a partir de cinco grandes grupos de iniciativas: subsídios diretos (de pouca importância para a mudança estrutural no caso do Japão, já que visavam setores tradicionais); subsídios indiretos; política de fomento à pesquisa e desenvolvimento; controle do comércio internacional, investimento, importação de tecnologia e divisas em moeda estrangeira; tolerância com comportamentos anticompetitivos das firmas doméstica. (chegou a induzir fusões que meio que "cartelizavam" um setor)
366 - Subsídios indiretos japoneses: Nesse último caso, chama atenção o Programa de Investimentos e Empréstimos Fiscais, um programa financiado com recursos dos sistemas de previdência e de poupança e com praticamente metade do tamanho do orçamento fiscal do governo. Esse programa permitia aos burocratas do governo japonês mais flexibilidade para atingir prioridades não cobertas pelo orçamento oficial do governo. Entretanto, a maior parte dos recursos foi destinada para investimentos em infraestrutura, educação, saúde e outras políticas de bem-estar, e não para a indústria.
367 - ...De fato, a indústria foi mais beneficiada por outras modalidades de subsídio indireto, em particular empréstimos a juros subsidiados (concedidos por um sistema bancário bastante controlado pelo governo) e aceleração da depreciação. (...) De todo modo, com exceção da mineração, a parcela subsidiada do investimento em capital foi bastante baixa (geralmente inferior a 5% do total).
368 - Compras governamentais: Saliente-se que, no caso japonês, o poder de compra do governo no fomento a determinadas indústrias domésticas foi amplamente utilizado, mas que na maior parte dos casos a proteção foi decrescendo ao longo do tempo, conforme as empresas foram se tornando internacionalmente competitivas.
369 - O governo japonês muitas vezes coordenou a demanda doméstica por insumos, atuando como monopsonista e conseguindo condições mais favoráveis na transferência de tecnologia de outros países, por exemplo. As tarifas de importação também foram amplamente utilizadas como mecanismo de controle da entrada de produtos importados, mas, com exceção de algumas indústrias tradicionais (alimentos e têxtil, por exemplo), a proteção foi severamente reduzida ao longo dos anos para um patamar bastante baixo.
370 - Com a divisão do país após o final da Segunda Guerra Mundial, a Coreia do Norte herdou a maior parte da indústria, pois até então a Coreia do Sul era especializada em atividades agrícolas. Com a Guerra da Coreia (1950-1953), o estoque de capital foi quase completamente destruído, mas a migração de pessoas do norte para o sul gerou aumento não desprezível de capital humano. Como o Japão, a Coreia do Sul detinha à época um estoque de capital humano (em termos de escolaridade média da força de trabalho) superior ao padrão de países com renda similar e que foi incrivelmente incrementado nos anos posteriores.
371 - Empresas coreanas que cumprissem as metas de exportação eram beneficiadas pelo governo. Além da desvalorização do câmbio, os exportadores passaram a receber acesso preferencial a capital, abatimentos tributários na importação de insumos, depreciação acelerada em bens de capital importados e preços subsidiados para eletricidade e transporte ferroviário.
372 - ...Assim como no caso japonês, o direcionamento de crédito (e outras ferramentas de controle do governo) resultou em uma economia com grandes conglomerados (chaebols).
373 - ...No final da década de 1970, a deposição do governo militar e o choque do petróleo resultaram no desmonte gradativo do aparato mais seletivo de política industrial. Nesse sentido, a despeito das idas e vindas, é possível verificar que a proteção a determinados setores – consubstanciada principalmente nas tarifas de importação, nos abatimentos de impostos e em taxas de juros subsidiadas – foi sendo reduzida ao longo dos anos.
374 - Instrumentos da China: Para atingir os objetivos especificados, a política industrial chinesa tem se valido de diversos instrumentos, muitos deles usados na experiência japonesa e sul-coreana: planejamento e financiamento governamental (investimento direto em infraestrutura, por exemplo); permissão para alguns setores se financiarem via mercado (permissão para listagem em bolsas e abertura de capital, por exemplo); taxas de juros e tributação mais favoráveis para determinados setores (taxas preferenciais em bancos do governo, por exemplo); proteção comercial (tarifária e não tarifária, incluindo quotas de importação e requerimentos de conteúdo local) para setores ainda em desenvolvimento (automóveis, por exemplo); políticas de preços (controle sobre tarifas de água e energia, por exemplo); direcionamento sistemático do investimento direto estrangeiro para determinados setores (pelo licenciamento e aprovação prévia dos mesmos); restrições ao controle estrangeiro de empresas e à atuação de multinacionais em determinadas regiões. (...) Desde 1995, os investimentos diretos estrangeiros são classificados em quatro categorias: projetos encorajados, permitidos, restritos e proibidos.
375 - ...Impostos e taxas também guiam internamente quais os setores prioritários. Com relação à proteção comercial, as tarifas de importação têm sido consistentemente reduzidas desde a entrada da China para a Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001, e as quotas e licenças de importação têm sido gradualmente eliminadas desde 1994. O foco tem sido garantir a competitividade internacional e encorajar a exportação dos setores prioritários e aqueles em que a China tem vantagem comparativa. Para tanto, foram criados incentivos para importação de insumos e tecnologias essenciais para esses setores.
376 - ZEE: ...Algumas delas são meras zonas de processamento de insumos para exportação, outras são voltadas para produtos de alta tecnologia. Note-se que a competição entre essas zonas é fomentada pelo governo chinês.
377 - Brasil e o controle das importações: ...A Lei do Similar Nacional foi sancionada no final do século XIX, mas seu uso foi intensificado a partir de 1949.
378 - JK usava tarifas protecionistas e gigantescas e sistema de câmbio múltiplo: Para permitir o desenvolvimento dos setores escolhidos, foi construído um sistema de proteção cambial que consistia em taxas múltiplas com escala de prioridades. Foi concedida prioridade maior para a importação de matérias-primas essenciais, alguns tipos de equipamentos (como bens de capital associados às indústrias naval e automotiva) e bens que não contassem com oferta doméstica satisfatória, que podiam ser importados a uma taxa de câmbio relativamente mais valorizada.
379 - II PND: As ferramentas de proteção tarifária foram sendo abandonadas (a despeito da manutenção de alíquotas elevadas) em favor do uso cada vez mais intenso, burocratizado e discricionário de mecanismos de proteção não tarifários: exames de similaridade, índices mínimos de nacionalização, margens de preferências para empresas domésticas em compras públicas de bens de capital, entre outras. O resultado foi uma economia ainda mais fechada às importações.
380 - Era PT (creio que o texto é de 2011): ...cada vez com maior ênfase em políticas industriais pesadas. Entre outras ações, o papel do BNDES foi gradativamente aumentado, cresceu a importância de políticas de requerimento de conteúdo local e de uso do poder de compra do governo para estimular a indústria doméstica, foi estimulado o crescimento de campeões nacionais (através de fusões incentivadas pelo BNDES ou por fundos de pensão estatais) e criadas políticas de desoneração voltadas para alguns setores. Também aumentou a ênfase no incentivo à inovação, inclusive com a criação de mecanismos de fomento à pesquisa e desenvolvimento no âmbito do setor privado. No entanto, pouco se avançou em termos de estabelecimento de mecanismos de incentivo condicionados e regras de saída em caso de fracasso da política industrial.
381 - Este seria o principal diferencial da experiência asiática: ...Algum tipo de meta sempre era fixado, normalmente associado à exportação, que, caso não fosse atingida, implicava penalidades ou retirada de benefícios. Além disso, o governo sinalizou de forma crível que a proteção seria reduzida ao longo dos anos. Não podia, assim, haver acomodação no que tange à produtividade. No Brasil, ao contrário, o mercado doméstico se manteve durante muito tempo isolado da competição internacional e nenhuma sinalização de redução da proteção foi emitida para as empresas. A diversificação não veio conjugada à competitividade.
382 - Outra diferença seria que o encadeamento não precisaria se dar a todo custo. Coréia e os insumos: Se fosse possível atingir esse objetivo com algum encadeamento da economia doméstica na direção dos insumos, melhor. Caso isso não fosse viável, nenhum tipo de barreira à importação dos insumos era imposta. Pelo contrário, muitas vezes, a importação de determinados insumos recebia incentivos. Não por acaso, a relevância das importações, em especial de bens de capital para o aumento da produtividade da indústria sul-coreana, é ressaltada por diversos autores. (...) Mesmo a China, que usa políticas de requerimento de conteúdo local mais ativamente, tem uma postura bastante pragmática quanto ao encadeamento local de suas indústrias, induzindo a compra doméstica somente se esta não ameaça a competitividade internacional do setor.
383 - ...Brasil só teria sido assim lá no iniciozinho da substituição de importações. A Lei do Similar Nacional passou a implicar na abordagem contrária da coisa. A Lei de Informática - década de 80 - seria outro exemplo trágico segundo o autor.
384 - Relembra: Japão, Coreia do Sul e China lançaram mão de políticas industriais, mas também de outras políticas que têm efeito positivo no crescimento, em particular o que na segunda seção foi denominado políticas horizontais. O exemplo mais evidente é a questão da educação ("Mesmo a China, cuja renda per capita era aproximadamente 25% da brasileira no início da década de 1950, apresentou desempenho melhor do que o Brasil nesse quesito."). Coréia foi bem superior desde sempre, mesmo em quantidade. Continua sendo. Quantidade e qualidade. Idem pra questão da poupança (a partir do fim dos anos 70), importante para acumular capital físico:
385 - ...Para ilustrar a importância do capital humano para o desenvolvimento dos países, não é por acaso que na China as regiões com maior capital humano são justamente aquelas em que a sofisticação da cesta de produtos exportados é maior.
386 - ...existem evidências de que as externalidades associadas ao investimento direto estrangeiro e à importação de insumos – por exemplo, absorção de tecnologia – somente se manifestam quando o capital humano é suficientemente alto.
387 - A diferença no investimento: ...A título de ilustração, o déficit de infraestrutura brasileiro explica aproximadamente 35% da diferença da taxa de crescimento com relação à Coreia do Sul nas últimas décadas.
388 - Por fim, coloca que os asiáticos quase sempre tiveram um mix macro mais austero que o Brasil.
389 - Conclusões: Em boa parte dos casos, as intervenções de governo mais adequadas para corrigir as externalidades são políticas industriais leves, que contemplam intervenções de mercado voltadas para determinadas atividades (subsídio para P&D é o caso mais emblemático) ou provisão de bens públicos para determinados setores. Políticas industriais pesadas, ou seja, que distorcem o preço relativo de determinados setores, devem ser usadas com moderação e precisam ter mecanismos adequados de incentivo e punição.
390 - ...Em resumo, o sucesso dos países do Leste Asiático é uma combinação de políticas horizontais (investimentos em educação, infraestrutura e inovação, entre outros), políticas industriais leves (investimento na formação de engenheiros, por exemplo) e políticas industriais pesadas bem desenhadas (proteção e crédito direcionados para determinados setores, por exemplo, mas com redução gradual do apoio e exposição dos setores à competição internacional).
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