Livro: Fabio Giambiagi... - Economia Brasileira Contemporânea (1945-2010) - Capítulo 2
Livro: Fabio Giambiagi... - Economia Brasileira Contemporânea (1945-2010)
Pgs. 43-66
"CAPÍTULO 2: "Dos “Anos Dourados” de JK à Crise Não Resolvida (1956-1963)"
37 - Parte escrita por André Villela. Essas frases de início de capítulo são legais.
38 - Era dourada/JK: A referida efervescência nos campos cultural, artístico e esportivo deveu muito à brilhante fase que a economia brasileira atravessou entre 1956-62. De fato, ainda que tenha havido um arrefecimento da trajetória de expansão econômica em 1962 (e estagnação em 1963), a taxa média de crescimento do PIB nesses seis anos foi de respeitáveis 7,9% a.a.
39 - O crescimento modesto de 1956 - apenas 2,9%, o que na época era meio que 0% em PIB per capita - teve razão de ser numa quebra de safra agrícola. Na época, a agropecuária ainda representava 21% do PIB. Já nos três últimos anos do mandato, o crescimento foi cerca de 10% anual. Em 1961 ainda cresceu 8,6%. Entretanto, certa bomba-relógio foi armada. Se em termos de crescimento do produto o período 1956-63 foi inequivocamente exitoso, o mesmo não pode ser dito com relação ao comportamento da inflação, das finanças públicas e das contas externas do Brasil. Não que Juscelino tivesse herdado uma economia “brilhante” sob esses aspectos.
40 - Os principais índices sociais também avançaram (Porém, os autores não chegaram a comparar com possíveis reduções semelhantes em outros países, ou seja, pode ter sido um fenômeno ocorrido em todos os "emergentes" da época).
41 - Mudança estrutural da economia brasileira a partir do Plano de Metas: A partir da implementação do Programa de Metas, o quadro muda radicalmente: o setor agropecuário perde espaço para o setor industrial e, em 1960, tem peso de 17,8% no PIB (ou seja, um recuo de 5,7 p.p. em apenas cinco anos), contra 32,2% da indústria (25,6% da indústria de transformação). A perda de importância do setor agropecuário teria continuidade nos anos seguintes e, em 1963, a participação desse setor na economia atinge 16,3%, e a da indústria, 32,5% (26,5% no caso da indústria de transformação). Como se vê, a perda de peso relativo do setor primário se deu, essencialmente, em benefício do avanço do setor manufatureiro, tendo a parcela dos serviços no PIB permanecido, grosso modo, constante entre 1956 e 1963 — em torno de 50% do total.
42 - Antigamente, a substituição de importações avançava meio como um colateral do cenário externo complicado, como o período entreguerras. A partir da década de 1940, assiste-se a uma maior intencionalidade no processo de substituição de importações, que passa a ser dirigido pelo governo, valendo-se, dentre outros instrumentos, de seletividade no mercado de câmbio.
43 - O resultado dos maciços investimentos realizados nos setores de infraestrutura básica (energia e transportes, sobretudo) e manufatureiro foi um aumento da taxa de investimento (formação bruta de capital fixo/PIB), que passou de 13,5% em 1955 para 15,7% em 1960 (18% em 1959), chegando a 17% em 1963.
44 - Dentre os subsetores, chama atenção o avanço da participação dos bens duráveis e dos de capital, no qual o processo de substituição de importações mais progrediu. Não resta dúvida de que a vinda das montadoras estrangeiras de automóveis — e o concomitante desenvolvimento de um setor nacional de fornecedores de autopeças — muito contribuiu para o desempenho de ambos os subsetores.
45 - ...Apesar da nítida perda relativa de importância dos bens não-duráveis leve, nota-se que ainda eram o setor majoritário, o que indicava espaço para o avanço do processo de substituição de importações (e, de fato, viria o II PND na década de 70)
46 - Câmbio e instrução nº 70 da SUMOC (embrião do BACEN), de outubro de 1953: Essa norma eliminou o controle de licenças de importação até então em vigor, substituindo-o por um sistema de leilão de divisas. Com isso, introduzia-se um componente mais concorrencial numa política até então essencialmente discricionária. (...) O sistema de taxas de câmbio múltiplas inaugurado com a Instrução 70 vigorou até março de 1961, ainda que tivesse sido ligeiramente modificado com a Lei no 3.244, de 14 de agosto de 1957.
47 - Brasil e café:
48 - ...Grande alta do preço no pós-Guerra: ...os primeiros 10 anos após o final do conflito foram de escassez do produto no mercado internacional, à medida que aumentava a demanda europeia e que fatores climáticos reduziam a oferta mundial. (...) A consequente elevação dos preços do produto — que subiram cerca de três vezes e meia em termos reais (i.e., corrigidos pela inflação dos Estados Unidos) entre 1945 e 1954 — foi favorecida pelo fim do preço-teto estabelecido pelos Estados Unidos durante a guerra e funcionou como forte estímulo à expansão do cultivo do café no Brasil (avançando nas terras do Paraná) e no resto do mundo (Colômbia e África, sobretudo).
49 - ...Uma superprodução veio " a despeito de acordos de contenção da oferta firmados entre o Brasil e outros países produtores". No caso brasileiro, as compras, por parte do governo, dos excedentes de café exerceram forte pressão sobre os gastos do Tesouro nos anos JK, prejudicando em muito a condução da política macroeconômica no período. Tanto veio que o preço baixou um tanto ao final dos anos 50.
50 - Coloca-se que os primórdios do Plano de Metas vieram de uma tal missão Abbink, de 1949, que serviu de base pro parcialmente implementado Plano SALTE. Mais tarde, a CMBEU também faria contribuições. O esforço de planejamento econômico no Brasil — que ganhara fôlego com os trabalhos da CMBEU e, posteriormente, do Grupo Misto Cepal-BNDE — se tornaria permanente a partir da instituição, por Juscelino Kubitschek, do Conselho de Desenvolvimento (Decreto no 38.744, de 12 de fevereiro de 1956), diretamente ligado à Presidência da República. Para a secretaria-geral do novo órgão foi designado Lucas Lopes, que acumularia o cargo com o de presidente do BNDE. Ao longo de 1956, o Conselho de Desenvolvimento foi responsável pela identificação de setores da economia que, uma vez adequadamente estimulados, poderiam apresentar capacidade de crescimento. Além disso — e atendendo à necessidade de ampliação de setores de infraestrutura básica (notadamente nas áreas de energia e transportes, previamente apontadas como pontos de estrangulamento) —, o Conselho elaborou um conjunto de 30 objetivos (metas) específicos, distribuídos segundo cinco áreas, denominado Programa de Metas. Foi realmente um plano sistemático de industrialização.
51 - ...As áreas de energia e transporte receberiam a maior parcela dos investimentos previstos no Programa (71,3%), a cargo quase que exclusivamente do setor público. Para as indústrias de base, foram previstos cerca de 22,3% dos investimentos totais, sob a responsabilidade principalmente do setor privado (por vezes com ajuda de financiamentos públicos). As áreas de educação e alimentação receberiam os restantes 6,4% dos recursos totais.
52 - A implementação do Programa dependeu da adoção de uma tarifa aduaneira protecionista, complementada por um sistema cambial que subsidiava tanto a importação de bens de capital como de insumos básicos, e que atraía o investimento direto por parte do capital estrangeiro.
53 - Números do monitoramento:
54 - Imposto inflacionário: De fato, o principal mecanismo de financiamento do Programa de Metas foi a inflação, resultante da expansão monetária que financiava o gasto público e do aumento do crédito, que viabilizaria os investimentos privados. O BB monetizava o déficit. A arcaica estrutura tributária não permitia aumentar impostos; a lei da Usura impedia, na prática, juros reais para emitir títulos (inflação já estava, desde o início, na casa dos 20%); por fim, a contenção de gastos foi mínima, havendo atrasos em pagamentos, o que nem era o ideal.
55 - As hipóteses macroeconômicas adotadas por seus formuladores foram as mesmas usadas nas projeções do Grupo Misto Cepal-BNDE, a saber: crescimento anual de 2% do produto real per capita entre 1956 e 1960 (inclusive); redução do coeficiente de importações de 14% para 10%; e inflação esperada para os quatro anos seguintes de 13,5% a.a. Confrontando-se essas hipóteses com os resultados efetivos, emerge um quadro misto: se, por um lado, a economia logrou crescer, em média, cerca de 5% a.a. em termos per capita (mais que o dobro dos 2% a.a. previstos) e o coeficiente de importações caiu para cerca de 8% em 1960 (10% previstos), por outro, a inflação média entre 1957 e 1960 (25% a.a.) excedeu largamente os 13,5% antecipados.
56 - Inflação, que chegou a ser 7%, atingiu 24,4% em 1958 - A variação do IGP em 1957 (7%) — bem abaixo dos 24,6% e 24,4% registrados em 1956 e 1958, respectivamente — pode ser creditada à boa safra agrícola naquele ano, juntamente com o controle exercido pelo governo sobre os preços da cesta básica, aluguéis e transportes urbanos. Ver, a respeito, Abreu (1994). O capital externo começou a exigir mais condições para continuar os financiamentos. O FMI queria um choque. JK, gradualismo (...) Contudo, o acirramento do debate e da oposição política ao PEM ao longo do primeiro semestre de 1959 levou Juscelino a romper negociações com o FMI em junho daquele ano. Entre crescer ou estabilizar, Juscelino optou pelo primeiro.
57 - De fato, entre 1956 e 1960, as exportações caíram quase 15% e a dívida externa líquida aumentou 50%, chegando a US$3,4 bilhões (ou 2,7 vezes as exportações totais em 1960). O déficit do governo federal, por sua vez, manteve-se em torno de um terço das receitas totais da União no período.32 Na origem desse desequilíbrio estava o vigoroso programa de obras públicas do governo (em particular, a construção de Brasília) e, sobretudo, os gastos associados à política de compra dos excedentes de café. O financiamento inflacionário dos déficits levou o IGP a crescer 24,4% em 1958, 39,4% em 1959 e 30,5% em 1960. Era este o legado negativo que JK deixava a seu sucessor.
58 - Jânio assume e lança um pacote ortodoxo: uma forte desvalorização cambial e a unificação do mercado de câmbio (Instrução 204 da Sumoc), a contenção do gasto público, uma política monetária contracionista e a redução dos subsídios ainda concedidos às importações de petróleo e trigo. Pôde haver, assim, reescalonamento da dívida externa e novos empréstimos nos EUA.
59 - A renúncia: logo surgiu forte oposição à posse de Goulart entre setores militares e civis, o que, por sua vez, deu origem à organização das forças legalistas, lideradas pelo governador do Rio Grande do Sul (e cunhado de João Goulart), Leonel Brizola, com apoio também de importante dispositivo militar. Ante a escalada das tensões, o Congresso adotou uma solução conciliatória, aprovando a mudança do sistema de governo — que passou de presidencialista para parlamentarista. Um conciliador Tancredo Neves aparecia como primeiro-ministro, nomeando banqueiro - Walter Moreira Salles - para a Fazenda e tranquilizando os conservadores.
60 - Saldo econômico do turbulento ano de 1961, que ainda surfava a maturação de alguns investimentos do passado: ...o PIB naquele ano cresceu 8,6%, embora viesse acompanhado de expressiva elevação do patamar inflacionário, com a variação do IGP passando de 30,5% em 1960 para 47,8% em 1961. A taxa de investimento do país recuou em 1961, para 13,1% do PIB (seu nível mais baixo desde 1950), num indício de que o auge dos investimentos pesados já havia passado. De positivo, o pequeno aumento das exportações (de US$1,3 bilhão em 1960 para US$1,4 bilhão em 1961) e a redução da relação dívida externa líquida/exportações, de 2,7 para 2,0, em igual período.
61 - A decisão de lançar o Plano Trienal teve como pano de fundo a queda da taxa de crescimento da economia em 1962 (para 6,6%, contra 8,6% em 1961), bem como o agravamento do quadro inflacionário (com a inflação, medida pelo IGP, atingindo 6,3%, ou mais de 100% anualizados, em dezembro de 1962). Lançado oficialmente em 30 de dezembro de 1962, seu objetivo mais geral era conciliar crescimento econômico com reformas sociais e o combate à inflação. Além de reforma agrária e renegociação da dívida externa, pretendia garantir um crescimento real dos salários à mesma taxa do aumento da produtividade.
62 - ...Havia, ainda, uma faceta ortodoxa no plano, em razão do imenso déficit público do momento. Previa-se a correção de preços públicos defasados, o realismo cambial, corte de despesas, controle da expansão do crédito ao setor privado e aumento do compulsório sobre depósitos à vista.
63 - Enquanto isso, externamente, o Brasil procurava alívio para os problemas do balanço de pagamentos. Em março de 1963, foi enviada uma missão a Washington, tendo à frente o ministro da Fazenda, San Tiago Dantas, encarregado de negociar o reescalonamento da dívida externa e obter ajuda financeira adicional. Contrariamente à boa acolhida dada a pedido semelhante feito pelo governo Jânio Quadros, em 1961, dessa vez o governo dos Estados Unidos não se mostrou tão disposto a ajudar. Tal posição estava fortemente pautada na deterioração da situação política do Brasil (leia-se guinada à esquerda do governo), o que incluía a aprovação da Lei de Remessa de Lucros (Lei no 4.131, de 3 de setembro de 1962). A lei limitava bastante as remessas e levou a uma queda de 40% do investimento externo médio. Ademais, o desagrado dos EUA vinha desde 1961, com a chamada "política externa independente" inaugurada por Jânio, em conjunto com outros países do então terceiro mundo. Países socialistas e anticoloniais faziam parte da iniciativa.
64 - Assim, frustrada a renegociação, Jango teria guinado ao "populismo": ...Ao final de abril — ... —, o presidente decidiu restituir os subsídios ao trigo e ao petróleo (que haviam sido abolidos em janeiro de 1963), aumentou em 60% os vencimentos do funcionalismo e reajustou o salário-mínimo em 56%. A taxa de inflação mensal — que em abril atingira 1,6%, bem abaixo dos 6,3% à época do lançamento do Plano Trienal — tornou a se acelerar em maio (4,0%), mantendo-se em patamar elevado até o fim de 1963. O Plano Trienal foi decisivamente capado, digamos assim.
65 - ...Enquanto isso, no interior das Forças Armadas, assistia-se à crescente politização de seus quadros, sendo grande a penetração da ideologia de esquerda entre o pessoal subalterno, fato que preocupava a maior parte dos oficiais graduados, receosos da perda de disciplina e de ameaças à hierarquia militar.
66 - Critica o Plano de Metas por ter sido omisso com a educação básica. Ademais, pinta um JK ciente de que os próximos cinco anos teriam que ser necessariamente de "saneamento", em virtude da herança macro pesado. E aí ele voltaria pra pegar a parte boa da coisa de novo, com a "casa arrumada".
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