Livro: Fabio Giambiagi e Ana Cláudia Além - Finanças Públicas - Capítulos 6 e 7

                                                                                                  

Livro: Fabio Giambiagi e Ana Cláudia Além - Finanças Públicas (2011)



Pgs. 165-190


"CAPÍTULO 6: "As Finanças Públicas na Fase Estabilização: 1995/1998"


101 - Os autores observam que os economistas, em 1994, eram céticos sobre a possibilidade de vencer a inflação no longo prazo sem resolver a questão fiscal. No entanto, FHC I empurrou com a barriga a progressiva deterioração fiscal - que ocorreu mais rápida do que se imaginava, perdendo-se o superávit já em 1995 - e dívida cada vez maior (passou de 30 a 39% a dívida líquida). Surpreendentemente, tudo isso sem perder o controle da inflação. Chegou a igualar a dos países desenvolvidos em 1998. A tese da necessidade do "ajuste fiscal verdadeiro" para o sucesso do plano se mostrou exagerada. Ele deveria ter ruído ao(s) primeiro(s) déficit.


102 - Pontos fortes do Plano Real em resumo: A URV ajustou os preços relativos por meses. A abertura com âncora cambial bateu forte na inflação e, por fim, ao menos até antes da crise da Rússia, as reservas cambiais eram fortes. Ademais, havia abundância de capitais externos e taxas de juros altas aqui (bem atrativas).


103 - Tabela NFSP nominal:



104 - ...Aqui a operacional, com os juros reais:



105 - Entre 1991 e 1994, houve superávit primário médio de 2,9%. Vê-se que a deterioração foi forte. Como a despesa com juros também piorou um ponto percentual em média por ano, tem-se um déficit operacional 4,2% maior que na Era Collor-Itamar.


106 - Detalhamento do fiscal em FHC I:



107 - Colocam que, em 1994, os dados ainda não tinham a mesma qualidade que em 1998, daí a maior discrepância. Algumas coisas "passavam" batido, digamos.


108 - As contas dos Estados iam ainda pior que o governo central. Déficit primário médio de 0,4% no período. Foram superavitários entre 1988 e 1994, mas a coisa mudou. Os autores atribuem a reajustes salariais generosos ao funcionalismo entre 1994 e 1995 e ao crescimento do peso dos inativos, muitos com aposentadoria precoce. (Senti falta das tabelas demonstrativas)


109 - Renegociação da dívida mobiliária estadual: ao que entendi, o governo federal assumiu, mas, na prática, o Estado continuaria pagando, mas a ele agora. Ficou acertada taxa de juro real de 6% ao ano independentemente da que vigorasse no mercado. Trinta anos pra pagar. Ademais, a União ficava no direito de reter parcelas estaduais em fundos de participação caso não houvesse pagamento.


110 - Criticam que boa parte do resultado primário tenha sido conseguido com eventos provisórios ou não-recorrentes: CPMF... Receita de concessões... (privatização não conta no "fiscal", mas essa receita aí, temporária e advinda das privatizações, contou. Ou seja, na prática a teoria é outra).



111 - ...A vinculação do CPMF ao setor da Saúde (1997) era só teórica. Na prática, bastava o governo remanejar, para outros setores, verbas que anteriormente ao "imposto" iam para a Saúde. 


112 - ...Enfim, existia mais de 2% do PIB em receitas temporárias. Citaram ainda um aumento de imposto de renda sobre operações financeiras que foi precedido de arrecadação bruta extraordinária por permitir, espertamente, realização dos lucros acumulados até então à antiga taxa de 15%. (Tipo o que o governo queria fazer agora com a MP 1171).


113 - Colocam que entre 1991-94 houve um "boom" das aposentadorias rurais. Ademais, os direitos plantados na CF-88 ao funcionalismo só foram mais colhidos pelos anos 90. Incorporação de anuênios e gratificações nas aposentadorias... Aposentados por tempo de serviço precoces... Etc.


114 - Gastos da União com pessoal:



115 - Além do engessamento de despesas causado pela CF-88, com seus aumentos obrigatórios, houve nítido expansionismo fiscal do FHC I em alguns valores. O reajuste das aposentadorias e pensões se deu em nível superior à inflação (não entendi se meio que acompanharam o ganho real do salário mínimo ou se ficaram entre uma coisa e outra) e houve "incremento das despesas de OCC", explicadas mais abaixo (ponto 117).


116 - Sobre despesa com pessoal, ressaltam que 40% dela está (ou estava) com inativos e 15% se referia aos militares. Assim sendo, mesmo que os três poderes "demitissem" uns 10% dos funcionário, a economia fiscal não seria lá muito grande. 


117 - OCC: aqui era onde o governo fazia a retenção do valor real das aprovações "nominais" para suprir demandas de congressistas ou outro políticos. Despesas não-obrigatórias. Sem a hiperinflação, a barganha política ficou mais nítida. (Incluiriam as "emendas" da vida?). Segue gráfico com seu crescimento real de quase 100% em FHC I:



118 - ...O fato de o aumento ter se dado só depois de 1994/95 mostra que o fim da hiperinflação não foi, talvez, o principal driver da história. Foi decisão de aumentar - ou recompor - gastos sociais mesmo. Educação, transportes, reforma agrária...


119 - Início de 1995 teve reajustes, por parte de prefeitos e governadores, de cerca de 30% ao funcionalismo. Talvez se esperasse que o Plano Real convivesse com inflações anualizadas de 20 a 30%, como ocorreu nos primeiros meses. Entretanto, o plano foi dando certo e o ônus fiscal ficou. Enfim, a corrosão esperada do valor real não aconteceu. O superávit de 0,8% desses entes em 1994 virou déficit de 0,2% em 1995.



Pgs. 191-222


"CAPÍTULO 10: "O Ajuste Fiscal de 1999 e seus Desdobramentos"


120 - Em 1999, a dívida pública já tinha ido tão longe quanto era recomendável naquele momento e as receitas eventuais praticamente desapareciam (se bem que FHC deve ter sonhado em privatizar a "Petrobrax"). Sobreveio um rigor fiscal que não existia desde o PAEG. Chegava a hora da verdade, do ajuste de contas. Ademais, a aposta era de que isso tudo levaria a uma menor pressão sobre os juros, melhorando a relação dívida/PIB.


121 - Logo depois da liquidação financeira do leilão da Telebrás, ocorrida nos primeiros dias de agosto, o Brasil chegou a ter US$74 bilhões de reservas, no conceito de caixa. No final de setembro, esse nível tinha caído para US 45 bilhões, ou seja, uma redução de quase US$30 bilhões em 50 dias.


122 - ...O acordo com FMI ($42 bi) veio como consequência e previa superávits crescentes - 2,6% 2,8% e 3% em 2001. 


123 - ...Assim que o acordo foi firmado, veio a "moratória" de Minas de Itamar (janeiro/99). O efeito era praticamente nulo, pois bastava o governo reter transferências. Porém, o efeito simbólico foi grande. A leitura era de que o Brasil iria começar a afrouxar o fiscal e descumprir tudo, agora que tinha "crédito externo". Novo ataque especulativo ao real. Houve até uma tentativa desesperada do governo de desvalorizar o câmbio em até 10% por 48 horas num sistema esquisito de bandas. Em 15 de janeiro não teve mais jeito e, ao contrário do que disse FHC durante a campanha de 98, deixou-se o câmbio flutuar.


124 - ...O problema extra (além da inflação que viria)? O governo tinha emitido ao final de 1998, como forma de dar credibilidade ao seu compromisso com a moeda forte e secar a procura pelo dólar (tirando a pressão sobre as reservas), uma enorme quantidade de títulos de dívida indexados ao dólar. Cerca de 20% da dívida e 7% do PIB. As empresas puderam fazer hedge com isso. Porém, com a desvalorização, a dívida pública em reais aumentou enormemente numa tacada só. Idem para a parcela de dívida externa.


125 - ...A desvalorização total do câmbio em 1999 foi de 48%. Isso porque cedeu após novo acordo com FMI (ampliando inclusive pra 3 e pouco o superávit previsto meses atrás. Depois, haveria uma revisão em razão dos juros menores, com mercado mais calmo, entre 2000 e 2001), juros altíssimos e Congresso aprovando o pacote fiscal. No auge, foi mais de 80%.



126 - No final de 1989, a dívida interna líquida do governo central era de 8,1% do PIB e a dívida líquida total do setor público era de 40,2% do PIB. Em 1994... 6,7 e 30% respectivamente.


127 - ...No final de 1998, já eram 19 e 39%... E em janeiro de 1999, já se estimava 45%. Parte da população receou uma repetição do confisco "collorido" e correu aos bancos.


128 - ...Temia-se, ainda, um descontrole inflacionário, já que o câmbio descolou tão forte. Porém, com o governo conseguindo controlar isso, parte da confiança retornou.


129 - Austeridade expansionista: a fé na tese tem a ver com a melhora das expectativas. Investimento poderia crescer (devido ao lucro gerado pela queda do salário real) e a taxa de juros diminuir. A redução das incertezas sobre a dívida melhoraria o ambiente de negócios. Enquanto os juros estiverem podendo cair, o mecanismo virtuoso funcionaria. É a tese de Alesina e demais. Aposta-se na redução do "risco-país".


130 - A reforma da previdência, aprovada em 1998, visava desincentivar a aposentadoria precoce (mediante tabela do fator previdenciário, multiplicação baseada na idade e tempo de contribuição) e abolir a regra do valor da aposentadoria baseada no salário dos últimos três anos de contribuição (trabalhador de alta qualificação acabava recebendo mais ou bem mais que a média de suas contribuições durante a vida, era meio que um subsídio).


131 - (Em tempo, após a reforma de 2019, o fator previdenciário diminui sua importância. Surgiram outras regras).


132 - Colocam que as metas de inflação e lei de responsabilidade fiscal se inspiraram na Nova Zelândia da primeira metade dos anos noventa. Lá transformaram um déficit de 3% em superávit de 1%, domaram a inflação e diminuíram a dívida de 50 para 42% do PIB.


133 - Principais medidas da LRF: Regras rígidas de gasto com pessoal (tetos baseados na receita líquida) para os entes e sanções aos estados inadimplentes. 



134 - As privatizações deixaram de ser, em FHC II, fundamentais para impedir a elevação da dívida e atenuar o desequilíbrio externo. O pacote com o FMI garantia uma boa quantia de dólares (além do alívio contra ataques trazido pela maxidesvalorização cambial) e o ajuste fiscal a contenção da dívida. Assim, o ritmo diminuiu tanto em nível federal quanto nos Estados. O setor elétrico, próximo alvo, acabou sem grandes mudanças (exemplificou com a não-privatização da CHESF), emperrando em questões técnicas e legais.


135 - Os Estados e municípios voltaram a ter leve superávit já em 1999. O quadro fiscal, como um todo, mudou bastante em FHC II:




136 - ...Vê-se que todos os entes - mais as estatais - melhoraram suas contas.


137 - Por várias razões, os imensos juros reais passaram a ser menos imensos: i) com a maxidesvalorização, a perspectiva de urna desvalorização adicional, por definição, diminuiu; ii) a nova política cambial liberou as autoridades monetárias da exigência de defender sistematicamente mediante a alta dos juros um nível específico de taxa de câmbio; iii) a melhoria da conta-corrente diminuiu as necessidades de captação externa, que pressionavam para cima as taxas de juros; iv) após alguns meses conturbados, houve uma diminuição do risco-país; v) com o ajuste fiscal, a percepção de risco de moratória interna diminuiu drasticamente, reduzindo-se, em consequência, as taxas nominais exigidas pelos tomadores nos leilões de títulos; e vi) a inflação ajudou a corroer, em parte, os rendimentos reais, principalmente quando deflacionamos as taxas nominais pelo IGP da FGV, já que em 1999 este teve uma variação de 20%, contra apenas 8,9% do IPCA do IBGE. Com isso, as taxas de juros reais caíram substancialmente em relação aos anos anteriores.



138 - Cálculo do déficit em 1999: o livro aqui adotou a corrente que desconta o aumento dos juros reais nos títulos internos indexados ao câmbio (que na prática se comportam como a dívida externa) no resultado total da NFSP. Assim, chegou-se ao "5,2%" da tabela. Porém, se fosse incluído o gasto adicional com juros desses títulos cambiais, o déficit seria de 9%!


139 - Detalhe das contas do governo central:



140 - Detalhe importante: OCC aí tem uma definição e abrangência - critérios mudaram - diferente das anteriores (Collor... Sarney...).


141 - Citam uma série de receitas temporárias que garantiram a progressiva elevação das receitas conforme visto na tabela acima. Houve até majoração da alíquota da CPMF de 0,2 para 0,38% no auge. Mais de 2% do PIB de arrecadação se dava em forma de receitas provisórias.


142 - A segunda metade de 1999 viu a recuperação do real, após os recordes de desvalorização, do PIB e, olhando pelo lado bom da coisa, a inflação corroendo parte do valor dos juros reais. 


143 - ...Por que, com tudo isso, a dívida ainda aumentou em FHC II? Desvalorização cambial levou a ajustes patrimoniais na parte indexada ao dólar. 


144 - Em 2001, houve a crise no setor elétrico e o racionamento. Governo não investia há anos apostando numa privatização e na sorte. Veio o azar. Menor índice pluviométrico anual em décadas. Enfim... recessão temporária da economia. Também a crise argentina, país que era o segundo maior parceiro comercial, no mesmo ano, prejudicou a nossa economia. Os EUA e economia internacional também não vinham bem. Por fim, foi a época do rompimento entre PSDB e PFL, reduzindo a margem de manobra do governo, para dissabor do mercado, o qual, ao final do ano, já se preocupava com uma possível vitória do PT em 2002.


145 - ...Inflação e dólar voariam de abril de 2002 pra frente. Medo de moratória voltou a entrar no radar. Economia, que cresceu 4% em 2000, voltou a crescer 2% ou menos nos anos seguintes.


146 - De toda forma, os autores elogiam as mudanças institucionais e o tripé macroeconômico. país passou por uma fase de modernização institucional em função de diversas reformas que foram feitas com destaque para o fim dos monopólios estatais; a privatização de diversas empresas; uma reforma ainda que parcial da Previdência Social; a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal etc.


147 - ...Colocam como lado ruim da herança: altos passivos interno e externo e o baixo investimento público. Criticam, ainda, que o ajuste fiscal tenha sido mais baseado no lado da receita, apesar da parcial reforma da previdência. 


148 - O FMI cometeu alguns erros ao  diversos programas que apoiou no Brasil nas últimas décadas. Sua insistência inicial em perseguir metas de déficit nominal. no contexto de uma economia com elevada inflação, nas primeiras negociações por ocasião da crise dos anos 1980; a dificuldade em lidar com o fenômeno da indexação; a falta de apoio inicial ao Plano Real etc. podem ser consideradas falhas de entendimento por parte dessa instituição a respeito da situação econômica brasileira. Entretanto, de um modo geral, as prescrições dos programas do FMI. no que tange às contas públicas. refletem a análise econômica convencional: política fiscal austera é um critério que - em maior ou menor grau, dependendo das circunstâncias - deveria pautar o comportamento de todos os governos.


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