Livro: Fabio Giambiagi e Ana Cláudia Além - Finanças Públicas - Capítulos 4 e 5

                                                                                                 

Livro: Fabio Giambiagi e Ana Cláudia Além - Finanças Públicas (2011)



Pgs. 115-136


"CAPÍTULO 4: "As Finanças Públicas Antes de 1980"


59 - O PAEG: política de redução do déficit fiscal; política tributária visando combater a inflação e aumentar a arrecadação, corrigindo também distorções (não aprofunda); política bancária visando fortalecer o crédito; política de investimentos públicos em infraestrutura; política cambial e de comércio exterior; política de consolidação da dívida externa e restauração do crédito; política salarial compatível com o combate à inflação.


60 - No início dos anos 60, o crescente déficit fiscal pressionava os preços. Havia precariedade na arrecadação. As operações e reservas do BB eram a política monetária. Brasil não conseguia emitir títulos públicos relevantes, até devido à lei da usura (juros de no máximo 12% ao ano). As ORTN, criadas já em 1964, driblaram essa lei e criaram a oportunidade de financiamento do governo para além do curto prazo. Era a correção monetária. Finalmente autoridades monetárias poderiam fazer operações de mercado aberto significativas (como é hoje). Houve estímulo à poupança individual e recurso adicional pra cobrir o déficit. Atrasos nos pagamentos passaram a ter correção real também.


61 - ...O problema é que tudo isso abrindo caminho para os dois próximos problemas: forte endividamento e indexação da economia.


62 - Antes de 64, a SUMOC eram uma espécie de BC: política cambial, de juros... tetos e taxa de redesconto. Ela e o BB, que era inclusive emprestador de última instância e fonte dos depósitos voluntários dos bancos privados, tinham o impacto sobre a coisa toda. Dividiam a política monetária. Depois de 64, a "dupla" seria BC e BB. Na prática, o Banco do Brasil podia até emitir moeda, isso por meio da famosa "conta-movimento" que tinha no BC. Em tese, era algo criado para o curtíssimo prazo, liquidação em uma semana ou coisa do tipo. Na prática, isso foi sendo flexibilizado. No auge, a conta-movimento chegou a ultrapassar a base monetária. Acabava que o BB expandia o crédito como queria. Tudo que estava fora do orçamento tradicional (aprovado no Congresso e tal) e o governo queria gastar, ia por essa conta aí. Até coisas que contrariavam as disposições da CF eram feitas. (Haja pedalada!)


63 - ...No BC, também rolava uma confusão. Envolvia-se até em atividades de fomento. 


64 - Lei Complementar nº 12/1971: retirou controle do Legislativo sobre a dívida. A partir dela, o BC podia emitir títulos por conta do Tesouro, sem passar pelo orçamento geral. Os títulos públicos deixavam de ser apenas para giro da dívida ou fins de política monetária. Meio que entrava na política fiscal mesmo. Atividades de fomento e etc. Era o nebuloso "orçamento monetário". A política fiscal puxava a monetária. Créditos, subsídios e déficits eram "cobertos".


65 - ...Agora era os deputados/senadores que corriam atrás do Executivo para aprovar verbas e projetos extraorçamentários locais (de suas bases eleitorais e tal). 


66 - Havia o OGU, o orçamento das estatais, o orçamento monetário e a conta da dívida. O Congresso só controlava o primeiro, que foi perdendo importância. A aprovação de cada orçamento era submetida a autoridades distintas, em diferentes períodos do ano e baseada em planilhas de parâmetros prospectivos não uniformes. Uma consolidação global das contas públicas era impossível.


67 - Colocam que, de fato, existia uma fusão financeira entre as três instituições: BC, BB (que, de certa forma, comandava tudo com seus desequilíbrios) e Tesouro. O endividamento público era algo difícil ou talvez impossível de monitorar e controlar.


68 - Falam sempre da absorção pelo BC da dívida externa brasileira. Pelo que estou entendendo, isso envolvia dívidas privadas também? Ou não? Socialização dos prejuízos? Mais à frente, fica claro que o BC no mínimo "hedgeava" a coisa (no pior momento histórico possível), assumindo riscos de desvalorização da moeda local e flutuação das taxas de juros externas (tudo que ocorreu no período 80-83!). Com as crises, os juros subiram, o investimento diminuiu, o crescimento secou e a dívida aumentou.


69 - Pelos gastos "extraorçamentários" o governo acomodava as demandas dos grupos de pressão sem ter que lutar por aumento de impostos. Qualquer coisa, rolava um imposto inflacionário e pronto.


70 - Colocam que subsídios eram crescentes e linhas de crédito davam prejuízos nos anos 70. Inflação - via emissão monetária (e choques externos e de safra) acabou sendo inevitável. Aqui o livro vai trazer, ao tratar dos passivos externos, a mesma interpretação que dei lá atrás: socialização dos prejuízos.


71 - Julgam que rolou certa ilusão com o cenário de crédito externo abundante e barato.


72 - Maílson da Nóbrega relata que os bancos estaduais - faziam saque a descoberto no BB - eram verdadeiras Casas da Moeda dos governadores no início dos anos 80. E as informações chegavam com mês ou mais de atraso ao BC. Era praticamente impossível controlar a base monetária. 


73 - O governo Geisel reagiu ao choque do petróleo subsidiando o preço da energia aqui. Descolamento total do preço externo do barril e o interno da gasolina e afins. A balança de pagamentos sentiu e o endividamento externo teve que entrar em campo. Assim, a inflação pode aumentar pouco no "primeiro choque". A intenção era não deixar o PIB desacelerar. A conta disso tudo viria nos anos 80.



Pgs. 137-164


"CAPÍTULO 5: "As Finanças Públicas no Regime de Alta Inflação: 1981/1994"


74 - Em 1982, o crédito externo havia secado e o Brasil iniciava as negociações com o FMI. Sabia-se que o déficit era bem elevado, mas não se sabia o quanto. Também era difícil controlar gastos. Ortodoxos acreditavam que secar o déficit pode ser suficiente para acabar com a inflação alta. Subestimaram a indexação da economia. Já os estruturalistas/heterodoxos inicialmente associavam o fenômeno inflacionário a estrangulamentos produtivos e política cambial. Tratava-se de retomar o crescimento para aumentar a receita. Uma contração fiscal poderia deprimir ainda mais a arrecadação, anulando o suposto equilíbrio fiscal. A explicação baseada na inércia inflacionária só viria mais tarde, por volta de 1984/85.


75 - ...O fato de as políticas ortodoxas da Era Figueiredo terem fracassado deu prestígio à heterodoxia, que cresceu com o fim do regime militar. Os fracassos da segunda metade dos anos 80, porém, viraram novamente o "jogo". Os anos Collor/Itamar foram meio que de ajustamento fiscal, por exemplo.



76 - Interessante notar, da tabela, que houve superávit primário em oito dos dez anos. Ademais, os juros reais líquidos do período Sarney estão superestimados por erro de técnica contábil, explicaram. A queda na despesa com eles na Era Collor se deveu também à queda da própria dívida pública durante todo o período destacado (inflação comeu pré-fixados? Foi a moratória? Não explicam). 


77 - O Plano Real meio que combinava ideias de ambos. Âncora cambial era proposta heterodoxa, mas um inicial controle fiscal (1994) era pauta da ortodoxia. Mais à frente, mencionará também, além da engenhosa ideia de ajustamento dos preços relativos em um período de transição e da maior abertura às importações, as condições externas excepcionais de sua implantação: abundância de capitais e elevadas reservas internacionais.


78 - No início dos anos 80, o FMI pressionou o Brasil por mais transparência nas necessidades de financiamento do setor público (NFSP). O déficit operacional ficou assim:



79 - ...Admite-se, porém, que esses dados não eram tão precisos quanto depois. De toda forma, o acordo com o FMI (1983-84) de fato "despiorou" a situação fiscal. Nada estrutural. Repressão da folha salarial dos servidores. Haveria "efeito-mola" nos anos seguintes. Foi pra FMI ver.


80 - ...Mesmo nos anos seguintes, os dados tinham diversas imprecisões: por vezes defasados... irregularidades na divulgação... constantes revisões a partir de novas informações... Por exemplo, um suposto superávit operacional de 1,3% do PIB em 1991 virou, nove meses depois, déficit de 0,2%.


81 - ...Um problema é que o "operacional", em tese o "descontaminado" de inflação, não era, a rigor, totalmente imune à mesma. 


82 - As contas externas se "ajustaram" em 1983 por três razões: maxidesvalorização cambial; retração do PIB (creio que freia as importações) e maturação de investimentos visando substituição de importações nos anos 70. Como o crédito externo secou, tudo isso era necessário. Os superávits comerciais pagavam os juros da dívida externa. Os novos empréstimos não eram possíveis. Tudo isso implicava que a FBCF tivesse de cair entre 1980 (cerca de 20% do PIB) e início dos anos 90 (cerca de 15% do PIB) para as exportações liquidas aumentarem. Afinal, o consumo das famílias e gastos do governo não "podiam" cair (razões políticas, creio). Investimento público e das estatais caíram pela metade ou mais.


83 - Lembram que, em 1982, houve "estatização da dívida externa", que desde então só cresceu. (Que belo bolsa-empresário!). Assim, tornava-se inevitável o déficit público interno, já que o governo precisava "comprar os dólares" dos exportadores privados. O "megasuperávit" não servia, portanto, para melhorar o fiscal. Como não houve aumento de impostos ou redução de gastos pra compensar essa despesa...


84 - Em cenário externo positivo, o resultado fiscal de 1984 foi bom, o que retirava qualquer sentido de urgência de ajustamento para 1985, com o novo governo assumindo. O déficit não era visto como um problema importante (e, naquela ocasião, uma revisão levemente negativa de 1984 demorou a chegar. "Lag" de informações afetando a política econômica!).


85 - Senhoriagem e subindexação da dívida teria corroído o valor real da mesma nos anos 80. 


86 - Um documento do governo Sarney propunha retirar os gastos em investimento da análise do patamar aceitável de déficit público. A senhoriagem teria acelerado a inflação dos anos 80. Os 200% anuais começaram a deixar saudades. O déficit acima de 2,3% do PIB, segundo um cálculo apresentado, exigia senhoriagem com inflação estável em 248%. Seria o ponto ótimo. Para gastar mais, a inflação correria o risco de se transformar em hiperinflação, já que começa a cair abruptamente a demanda pela moeda, que se desvaloriza rapidamente. 



87 - Governo Sarney: colocam que, em 1985, havia uma disputa entre "mais ortodoxos" agrupados em torno de Dornelles - visando equilíbrio fiscal - e "mais heterodoxos" em torno de Sayad. Em 86, Dornelles é trocado por Dilson Funaro e vem o Cruzado. Já de 1987 pra frente, o discurso oficial volta a ser de "ajuste", mas na prática não ocorria. Engessamento político, creio. O próprio Sarney temia a impopularidade dos ajustes. Especulam também que faltaria apoio parlamentar. No mais, como já dito, o ajuste de 83/84 era precário/conjuntural. Compara com a situação do Chile, que vinha de um ajuste mais antigo e estrutural, motivo pelo qual coube a redemocratização, por lá, apenas manter as contas em ordem, na leitura dos autores.


88 - Essa segunda metade dos anos 80 viu, ao mesmo tempo, a melhora do monitoramento e mecanismos fiscais (conta-movimento caiu em 86, por exemplo) e engessamento das despesas trazido pela CF de 88, que priorizou os gastos sociais - vinculação de receitas e aumento do papel da previdência pública. O orçamento monetário meio que foi finalmente incorporado e toda despesa agora passava pelo controle do Congresso... o BC parou de ter atividades de fomento e de poder emitir título na louca pro Tesouro... Enfim, mais organização. Um controle da política fiscal se tornou mais possível/viável


89 - O saldo dos anos Sarney foi de piora fiscal em razão do aumento de gastos com pessoal (falhas do ajuste pra FMI ver de 83/84) com diminuição de carga tributária (de 25 para 23%). O déficit operacional, que era de 3% por volta de 1984 foi para quase 6% ao fim de 1989. A parcela de gasto livre do governo federal encolheu seriamente.



90 - ...No total, esses gastos foram de 6,3 para 10,5% do PIB!


91 - ...Depois de ter sido superavitário em 2,2% do PIB em 1985/1986, nos três últimos anos  do governo Sarney (1987/1989) houve um déficit primário médio de 0,4% do PIB. Isso  aumentou o déficit representado pelas NFSP operacionais, de 4,2% em 1985/1986 para 5,8% do PIB em 1987/1989, apesar da queda da despesa de juros reais de 6,3% para  5,4% do PIB no mesmo período.


92 - Sobre a era Collor, afirma que a devolução dos títulos públicos em 1991 não foi com a devida correção inflacionária, o que ajudou na situação fiscal. (Então foi um calote parcial da dívida interna, pode-se dizer. No Google, li essa importante ponderação de Carlos Ari Sundfeld: "O professor diz que o Supremo Tribunal Federal não chegou a julgar a constitucionalidade do confisco realizado em 1990 porque não teve condições políticas e econômicas de fazê-lo naquele momento, mas a maior parte das ações judiciais relacionadas ao confisco julgadas posteriormente consideraram que a prática é inconstitucional. "Se o assunto voltasse, com certeza o entendimento seria esse", diz Sundfeld." Outro trecho, de um site de educação financeira: "...E não foi só a poupança. O Plano Collor confiscou também CDBs, fundos de renda fixa, dinheiro em conta corrente e no overnight. Só as ações escaparam.").


93 - ...Enfim, por essas e outras que a despesa com juros reais líquidos caiu muito na Era Collor.


94 - Teoricamente, a inflação teria poder de agravar o déficit em razão do "efeito Tanzi". Entre o fato gerador do tributo e o efetivo recolhimento há um lapso temporal. Inflações altas tendem a corroer o valor real da dívida/pagamento. Arrecadação do governo cai. Entretanto, o governo criou formas de combater isso aí (explicam lá... certa indexação etc...) e acabou não sofrendo muito com o efeito. Tomava alguns dias de inflação, porém.


95 - Efeito-Tanzi reverso ou "Efeito-Bacha": tratava-se de adiar a liberação da despesa aprovada a fim de desvalorizar seu valor real. Isso certamente podia frustrar algum deputado, mas servia pra ajudar a ajustar as contas do governo. Então a redução do déficit no início dos anos 90 tinha esse quê de artificial/conjuntural. Sem tal artifício, o déficit ainda estaria ali.


96 - ...A soma disso tudo é que a inflação brasileira na verdade ajudava a ajustar as contas públicas. O déficit potencial se tornaria déficit efetivo com a queda da dinâmica inflacionária. O custo político de reduzir o valor real da demanda ficaria transparente. 


97 - ...Pelo menos a receita iria aumentar um pouco, pois ainda havia algum "Tanzi convencional" na história.


98 - De certa forma, o período Collor/Itamar, aliado ao bom cenário externo e retomada de certo crescimento, abriu caminho para o sucesso do Plano Real: "Merece destaque, no período, a forte elevação da receita que, medida pelas contas nacionais, passou de 23,7% do PIB em 1989, para 27,9 do PIB em 1994. Além disso, houve uma redução importante das despesas com pessoal do governo federal no início da década, devido à correção imperfeita dos salários do funcionalismo no período. Nas contas nacionais, isso se refletiu em uma queda da participação do item salários e encargos das esferas federal, estadual e municipal de 10,5% do PIB em 1989, para 8,9 do PIB em 1994. Finalmente, e apesar das altas taxas de juros vigentes, de um modo geral, ao longo da primeira metade da década de 1990 -,a queda da relação dívida pública/PIB permitiu reduzir a despesa de juros reais líquidos, no cálculo das NFSP, de uma média de 5,8% do PIB durante 1985 1989, para 2,8% do PIB no quinquênio 1990/1994."


99 - Colocam, porém, que o FMI não aprovou o ajuste fiscal "temporário" que precedeu o Plano Real. Queria algo mais profundo e austero. Temia pelo sucesso do plano.


100 - Por fim, uma tabela com as fontes de pressão que levaram à queda da poupança do governo entre 1970 e 1990. Em outras despesas, os autores destacam o encarecimento relativo dos serviços em geral (não detalham). Juros reais e gastos com previdência e pessoal foram os principais drivers das dificuldades fiscais da redemocratização (ou mesmo antes):



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