Livro: Kupfer e Hasenclever - Economia Industrial (2013) - Capítulos 22, 23, 24 e 25
Livro: David Kupfer e Lia Hasenclever - Economia Industrial (2013)
PARTE VI - Políticas e Regulação dos Mercados
Pgs. 290-305
"CAPÍTULO 22: "Defesa da Concorrência (Maria Tereza Leopardi Mello)"
293 - São as leis antitruste. (...) O tema se situa numa intersecção do Direito e da Economia. (...) No âmbito do Executivo, o órgão atualmente encarregado da aplicação da lei antitruste é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (o CADE, uma autarquia federal). Também participa do sistema de defesa da concorrência a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE), que é responsável por opinar sobre os aspectos concorrenciais de atos normativos (leis e regulamentos, inclusive aqueles emanados de agências reguladoras), exercendo um papel que pode ser caracterizado como de “advocacia da concorrência” junto à Administração Pública Federal.
294 - Nos EUA, a Lei Sherman data de 1890, proibindo cartéis e outras práticas, como a tentativa de monopolizar um mercado. A forma genérica da Lei Sherman levou os legisladores a detalhar melhor a repressão a certas condutas por uma nova lei – a Lei Clayton, de 1914 – que, no essencial, proíbe: (...) na Seção 2, a discriminação de preços com efeitos anticompetitivos (esta seção foi posteriormente emendada pela Lei Robinson-Patman, de 1936); (...) na Seção 3, as práticas de venda casada (tie-ins) e de acordos de exclusividade (exclusive dealing), quando gerem prejuízos à concorrência; (...) na Seção 7, as fusões que possam prejudicar a concorrência (posteriormente emendada pela Lei Celler-Kefauver, em 1950); (...) na Seção 8, o controle de empresas competidoras por meio de participações cruzadas nas respectivas direções executivas (interlocking directorates). (...) Também em 1914 foi criada por lei a Federal Trade Comission (F.T.C.), responsável – ao lado do Departamento de Justiça (Deptment of Justice – D.o.J.) – pela aplicação das leis antitruste e pela promoção de ações de defesa da concorrência perante o Judiciário. (...) O caráter jurisprudencial do sistema jurídico nos EUA torna tão ou mais importante que a própria lei a jurisprudência dos tribunais criada pela sua aplicação ao longo do tempo.
295 - Monopólio fruto de "um processo natural", advindo da maior eficiência, pode ser tolerado segundo essas leis de defesa da concorrência.
296 - Aqui se trata de interesse difuso. CDC é outra história (desleal etc...): O sistema de repressão à Concorrência Desleal incide sobre as relações entre particulares (concorrentes); o interesse tutelado de forma imediata é o do concorrente que pode sofrer danos por atos desleais (como, por exemplo, divulgar informação falsa sobre produto de concorrente para desviar sua clientela).
297 - Como se define qual o mercado relevante que o possível monopólio afeta: Avalia-se a reação da demanda ao hipotético aumento de preços, pois este pode não ser lucrativo se os consumidores puderem buscar outros produtos ou produtores de outros locais. (...) A delimitação do mercado relevante depende de quanto se supõe que deva aumentar o preço para configurar o suposto exercício abusivo de poder de mercado. No Brasil costuma-se usar o parâmetro de 10%.
298 - ...Finalmente, como já mencionado, a elasticidade da oferta também deve ser considerada na delimitação do mercado relevante, embora não esteja incorporada no exercício anterior. Isso é feito num passo seguinte, depois de o mercado relevante ter sido definido (com base na demanda), incluindo-se a oferta potencial do(s) produto(s) considerado(s) – isto é, considerando o potencial de aumento da oferta pela reorientação de capacidade já existente para a produção dos produtos em questão – por empresas que, por algum motivo, não estejam produzindo, mas possam fazê-lo sem grandes investimentos e a curto prazo. Quanto menores estes (prazos e custos), maiores as possibilidades de que um aumento de oferta por acréscimo de ofertantes venha a contestar o poder de mercado das empresas estabelecidas.
299 - ...A delimitação do mercado relevante afeta diretamente os resultados de um julgamento: para um dado volume de vendas da(s) empresa(s) envolvida(s), quanto menor um mercado, maiores as possibilidades de existir poder de mercado e, portanto, potencial de danos à concorrência; ao contrário, quanto maior, mais diluída será a participação da empresa investigada e menor a probabilidade de haver efeitos anticoncorrenciais.
300 - Poder de mercado está associado à capacidade de restringir a produção e aumentar preços para, não atraindo novos competidores, obter lucros acima do normal; é definido como poder de fixar preços significativa e persistentemente acima do nível competitivo, isto é, dos custos médios. (...) O critério de participação da empresa no mercado (market-share) é uma primeira aproximação para avaliá-lo. Além disso, recorre-se também aos indicadores de concentração de mercado, como o CR(4) e o HH vistos no Capítulo 5, para verificar a possibilidade estrutural de existência de poder de mercado. Supóe-se que menos empresas dominando aumenta a possibilidade de colusão. 20% leva uma empresa a ser suspeita pela lei brasileira. Esse parâmetro, contudo, gera apenas uma presunção – não absoluta; nada impede que se discuta e comprove que, apesar de deter uma parcela de mercado superior a 20%, outras variáveis fazem com que a empresa não possa exercer poder de mercado (e, portanto, não detenha posição dominante). Coloca que, sem poder de mercado, não há nem como se infligir qualquer lei antitruste. Ou seja, nem há o que investigar.
301 - Sabe-se que na ausência de barreiras à entrada não é possível fixar preços acima dos custos de forma persistente e significativa (portanto, não é possível exercer poder de mercado). Por isso, as barreiras à entrada são um elemento fundamental de análise antitruste, não só para atos de concentração, como também (quase sempre) para condutas.
302 - A análise da "eficiência" só chega caso se avalie que existe um efeito anticompetitivo, senão é desnecessária (estaria tudo liberado já). Chegando nela, eficiência em si não basta. Deve-se comprovar, ainda, que as eficiências geradas por atos ou condutas restritivos não poderiam ser alcançadas de outra forma menos lesiva ao processo concorrencial. Só se justifica autorizar uma restrição à concorrência se isso for uma condição necessária aos ganhos de eficiência alegados; caso contrário, tais ganhos poderiam ser alcançados com uma hipótese melhor para o bem-estar. (...) Tal abordagem – que considera os efeitos líquidos e não apenas os restritivos – é hoje conhecida no âmbito antitruste como princípio da razoabilidade (rule of reason) e tem sua origem ligada à jurisprudência americana. (...) Observa-se no Judiciário dos EUA a tendência de aceitar certas justificativas para práticas que antes eram consideradas ilícitas per se, aumentando, assim, as categorias de práticas que são analisadas com base no princípio da razoabilidade.
303 - A ilicitude de condutas, na nossa lei antitruste, identificada pela noção de abuso de posição dominante, é caracterizada: (a) pela existência de efeitos restritivos da concorrência; e (b) pela ausência de efeitos positivos mais que compensadores dos primeiros.
304 - Costumam-se dividir as condutas anticompetitivas em horizontais e verticais. Horizontais são as que reduzem a concorrência entre empresas de um mesmo mercado; verticais, as que ocorrem no âmbito das relações entre empresas que se relacionam como compradoras e vendedoras ao longo da cadeia produtiva. (...) qualquer conduta – prevista ou não prevista expressamente na lei – pode ser considerada ilegal, e que tal ilegalidade dependerá sempre da análise dos efeitos econômicos – considerados em termos líquidos. Podem existir penalidades administrativas (grandes multas, por exemplo), civis (indenização a lesados) e até penais (crimes contra a ordem econômica).
305 - ...Horizontais: cartéis, dumping etc. Inclusive este tipo aqui: Acordos de Associações de Profissionais – práticas que limitam injustificadamente a concorrência entre profissionais, principalmente pelo tabelamento de preços. Uma possível justificativa, aqui, pode ser a alegação de que preços uniformes visam à garantia de qualidade dos serviços prestados. O CADE tem sistematicamente condenado práticas de tabelamento promovidas por associações e sindicatos de profissionais liberais.
306 - Verticais (explica lá cada um): a) Fixação de preço de revenda; b) Restrições territoriais e de base de clientes; c) Acordos de exclusividade; d) Recusa de venda/negociação (ou boicote); e) Venda casada; f) Discriminação de preços.
307 - Mesmo entidades sem fins lucrativos devem observar as normas da lei antitruste.
308 - Sobre fusões: Algumas situações típicas de atos que apresentam potencial anticompetitivo – e suas respectivas eficiências – podem ser identificadas como se segue: (...) 1. Concorrentes reais ou potenciais se fundem para melhor aproveitar economias de escala, baixando custos, mas possivelmente aumentando preços e lucros; (...) 2. Concorrentes potenciais se unem em joint-venture para desenvolver um novo produto ou eliminar investimentos duplicados em P&D e evitar os custos de uma “corrida para chegar primeiro”; isso pode retardar a introdução da inovação no mercado; (...) 3. Concorrentes multiproduto combinam especializar-se, fornecendo um ao outro os insumos necessários; reduzem, assim, os custos e aumentam a especialização de equipamento e pessoal, mas à custa de eliminar a concorrência em qualidade e preços.
309 - Não apenas as fusões estão na mira. Também são analisados contratos de cooperação, contratos de distribuição, consórcios societários, redes de franquias etc. O controle alcança também as integrações verticais com potencial anticompetitivo. (...) Consideram-se como atos de concentração as fusões, aquisições, incorporações, consórcios ou joint-ventures (art. 90).
310 - A avaliação desses atos, como mostrado no Quadro 22.9, envolve análise de seu impacto sobre o(s) mercado(s) relevante(s) da operação, para verificar em que medida provoca a diminuição do grau de concorrência existente antes da concentração. Se provocar a diminuição da concorrência, o passo seguinte é verificar se seus efeitos restritivos podem ser contrabalançados pelas seguintes condições compensatórias (cumulativamente): (a) que o ato tenha por objetivo incrementar a produtividade ou a qualidade de bens/serviços, ou propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico; (b) que seus benefícios sejam repartidos com os consumidores; (c) que não implique a eliminação da concorrência de parte substancial do mercado relevante; e (d) que seus efeitos restritivos se limitem ao estritamente necessário para atingir aos objetivos visados. (...) Em algumas circunstâncias, a aprovação de tais atos pode ser submetida à assinatura de um Compromisso de Desempenho, documento para possibilitar o monitoramento, pelas autoridades antitruste, do cumprimento das condições compensatórias que justificaram a aprovação do ato.
Pgs. 306-319
"CAPÍTULO 23: "Regulação Econômica (Helder Queiroz Pinto Jr e Ronaldo Fiani)"
311 - Quantidade, qualidade, preço, segurança no trabalho... Tudo é regulação econômica.
312 - No caso de um monopólio natural com um único produto, os custos são menores se produzimos uma dada quantidade x do produto em uma única firma do que em duas. Essa propriedade, conhecida como subaditividade da função de custo, foi apresentada no Capítulo 3.
313 - Existe, ainda, monopólio natural com dois produtos. Exemplo: é mais barato fornecer acesso à Internet e ligações convencionais de voz pela mesma empresa, usando a mesma rede, do que por duas empresas diferentes. São fruto da economia de escopo, independentemente da economia de escala.
314 - Indústria de rede: ...Além disso, o fato de que essas redes em geral apresentam economias de escala demanda regulação da entrada para se evitar duplicação ineficiente de infraestrutura, com a consequente elevação de custos e perda de bem-estar.
315 - Aborda as dificuldades de regular por taxa de retorno. Evitar excesso de capital - alocação ineficiente de recursos... efeito Averch-Johnson - à toa e etc. Outro exemplo: O problema seguinte é a determinação do custo variável (CV). Isso exige não só conhecer a fundo a contabilidade da empresa regulada, mas, frequentemente, também seu processo produtivo. Ademais, a magnitude da tarifa por si só já muda a demanda e o CV. Se custos e demanda são instáveis, tudo isso fica pior ainda, colocam. (...) Mais grave ainda é que o método de regulação por taxa de retorno, na medida em que busca garantir uma taxa de lucro mínima, não fornece estímulos adequados ao aumento da eficiência, tão importante em fases de mudanças tecnológicas aceleradas.
316 - ...O modelo de preço-teto (price cap) parece realmente o melhor. Um reajuste anual máximo que leva em conta inflação menos produtividade. No caso do IPV-X, o teto do reajuste é estabelecido como sendo um índice geral de preços menos um valor X a título de aumento de produtividade. Isso vai botando a empresa pra trabalhar e o custo de regulação/fiscalização seria baixo... Exceto se ocorre a grandes desvantagem do modelo: O sistema de preço-teto tem (...) como resultado indesejável promover o subinvestimento, com efeitos negativos não apenas sobre o crescimento da oferta da empresa regulada, mas também sobre a qualidade dos serviços prestados ou sobre os estímulos para a inovação. Para minimizar este problema é exigido da agência reguladora um esforço adicional para controlar os planos de investimento e a qualidade dos serviços prestados pela firma regulada.
317 - ...No que diz respeito à vantagem de número (1), é importante salientar suas virtudes como instrumento de defesa da concorrência: a imposição de um preço-teto nos segmentos em que a empresa atua como monopolista permite evitar que ela, por meio de uma política de subsídios cruzados, subsidie os preços nos segmentos competitivos com os lucros extraordinários obtidos no segmento monopolista para praticar preços predatórios contra seus competidores.
318 - As outras regras não me importaram muito: "Regra do componente de preço eficiente" e " Regulação de monopólio multiproduto: a regra de Ramsey". Passei o olho.
319 - Outro tipo de tarifa: Tarifa em duas partes = componente fixo (acesso) + preço por unidade consumida. (Pouca atenção pra essa parte também.)
320 - O fim do capítulo parece livro de Direito. Atribuições da ANEEL, ANP, ANATEL e blablablá.
Pgs. 320-330
"CAPÍTULO 24: "Política Industrial (João Carlos Ferraz, Germano Mendes de Paula e David Kupfer)"
321 - Pela ótica das falhas de mercado, a intervenção pública é passiva, mirando somente aquelas condições de funcionamento subótimo da alocação via mercados competitivos. Somente nesses casos o custo de intervenção pública poderia ser inferior aos benefícios potenciais a serem produzidos.
322 - Possíveis falhas de mercado (e soluções neoclássicas): 1. Estruturas de mercado ou condutas não competitivas (políticas de regulação da concorrência) 2. Externalidades (impostos, subsídios, mercado da externalidade ou fusão de envolvidas) 3. Bens públicos (fornecimento direto pelo Estado ou concessões) 4. Direitos de propriedade comuns (disciplina da taxa de exploração) 5. Diferenças entre as taxas de preferências intertemporais sociais e privadas (importância da pesquisa básica fornecida pelo Estado, por exemplo). Obviamente a perspectiva neoclássico será criticada como estreita. Incertezas ... são geradoras de falhas de mercado e podem demandar intervenções públicas, uma impossibilidade dentro do campo conceitual neoclássico.
323 - Proteção à indústria nascente: Inicialmente defendido por John Stuart Mill e levado ao extremo por Friederich List, a premissa principal é de que a indústria que está se constituindo em um determinado país terá, muito provavelmente, custos mais elevados que os vigentes em países onde a atividade já se encontra estabelecida. (...) Primeiro, os custos de produção, apesar de relativamente altos inicialmente, tendem a se reduzir de modo significativo, à medida que os fabricantes se aproveitam das economias de aprendizagem. Os custos unitários de produção cairiam em função da experiência industrial acumulada ao longo do tempo. Com isso, o hiato de eficiência entre as nações tenderia a se reduzir no tempo. Segundo, tendo em vista a diminuição da desvantagem inicial, a proteção deveria ser temporária. (...) Em um contexto desenvolvimentista, todos os instrumentos de política econômica (cambial, monetária e fiscal; de comércio exterior, de regulação da concorrência e da propriedade etc.) são colocados a serviço do objetivo industrializante. (...) Nesse sentido, o Estado-desenvolvimento lidera o mercado, pois as autoridades tomam iniciativas sobre que produtos e tecnologias deveriam ser encorajados, mobilizando os necessários instrumentos de incentivo e regulação.
324 - Protecionismo latino-americano. Qual seria a principal diferença? ...ao contrário do padrão asiático, a meta e, portanto, o controle das políticas não era definido pelo desempenho nos mercados e sim pela construção de capacidade produtiva. Para os asiáticos, o indicador de controle era o sucesso exportador; para os latino-americanos, o grau de nacionalização da produção.
325 - Perspectiva schumpeteriana: A racionalidade é limitada, persistem assimetrias de informação e as externalidades não são meros determinantes de falhas de mercado que devem ser corrigidas para convergir para o caminho do equilíbrio. Assimetrias e externalidades são a razão de ser do processo de acumulação e crescimento de uma economia de mercado. A competição é um processo dinâmico, o mercado é o locus das interações estratégicas, da rivalidade entre as empresas, é este seu principal agente. As empresas investem na formação de competências para criar assimetrias competitivas, diferenciar produtos e ganhar posição no mercado; esse é o ânimo que move as empresas a crescer à frente de seus concorrentes. (...) o investimento em inovações, por sua vez, é pleno de incertezas, abrindo espaços para a intervenção pública orientada para induzir as empresas a experimentar, descobrir e introduzir produtos, serviços e processos superiores aos existentes em um mercado específico. O mercado, por sua vez, é relevante como espaço de seleção entre agentes e não como um mecanismo de alocação. (...) o Estado tem um papel relevante a desempenhar, seja ampliando a intensidade do processo seletivo, seja criando instituições facilitadoras do processo de geração e difusão de novas tecnologias. (...) Pelo lado da demanda, são úteis os subsídios para agentes interessados na difusão de novas tecnologias, principalmente aquelas associadas a retornos crescentes de adoção. Pelo lado da oferta, é necessário apoiar as iniciativas de construção de capacitação tecnológica.
326 - ...Mais medidas sugeridas: ...subvenção a projetos de alta densidade tecnológica, incentivos fiscais à pesquisa e desenvolvimento, financiamento em condições preferenciais para a inovação, compras do setor público, e a disponibilidade de capital de risco para novos empreendimentos, além de medidas orientadas a garantir a apropriabilidade privada do investimento tecnológico (patentes) e manter padrões técnicos (metrologia, padronização e qualidade). Adicionalmente, são extremamente importantes os investimentos e ações orientadas ao fortalecimento das instituições que compõem um sistema de inovação local ou nacional, especialmente institutos dedicados à investigação científica e tecnológica e à formação de recursos humanos de alto nível.
327 - As políticas industriais horizontais são aquelas que buscam melhorar o desempenho da economia na sua totalidade, sem privilegiar alguma indústria específica. Isso ao contrário das "seletivas" ou "de target", que tendem a querer privilegiar indústrias de alto valor agregado, as de retornos crescentes de escala ou mesmo as de forte encadeamento (siderurgia, automobilística...).
328 - Resumo do Brasil pré-Collor (apesar da defesa deste da indústria de informática nacional): 1. Estado-empresário: verificou-se a proliferação de empresas estatais tanto nos setores de infraestrutura (como telecomunicações e energia elétrica), quanto na indústria de transformação (siderurgia, petroquímica, fertilizantes); 2. Protecionismo: a indústria nascente sempre contou com uma política comercial baseada especialmente em barreiras não tarifárias. Além disso, mesmo indústrias já maduras continuaram a contar com esse tipo de benefício; 3. Investimento estrangeiro: atração de um elevado contingente de empresas transnacionais para instalarem filiais no país. Porém, a atuação em determinados setores, considerados de segurança nacional, foi desestimulada e, em outros, forçaram-se joint-ventures entre empresas estrangeiras e o capital local (privado ou estatal); 4. Incentivos fiscais setoriais e regionais: alguns setores considerados prioritários receberam elevados incentivos fiscais (como empréstimos a taxas de juros subsidiadas). Estes também tiveram uma lógica de tentativa de diminuir a disparidade entre regiões, estimulando a constituição de empresas nas regiões norte, nordeste e centro-oeste.
329 - Época FHC: ...Por outro lado, a indústria automobilística foi contemplada com redução de tributos e tarifas de importação superiores à média nacional, como forma de garantir empregos aos metalúrgicos e, especialmente, expandir a produção de automóveis com motores de baixas cilindradas. Da mesma forma, foram mantidos os incentivos à produção em Manaus (Zona Franca) e para a indústria de informática. Cresceram, também, as iniciativas dos estados em promover isenções fiscais para empreendimentos industriais, em particular para a indústria automobilística e para as indústrias têxtil, de confecções e de calçados, estas, principalmente em estados do Nordeste, dando início a um processo de guerra fiscal, nem sempre favorável ao desenvolvimento da indústria brasileira.
Pgs. 331-345
"CAPÍTULO 25: "Política comercial (Jorge Chami Batista e Marta Lemme)"
330 - É um fato bem documentado que países avançados como Estados Unidos, Alemanha e Japão iniciaram seus processos de industrialização com o apoio de políticas comerciais. Mais recentemente, países como República da Coreia, Taiwan e Cingapura também se industrializaram com o uso de políticas industriais e comerciais, obtendo grande expansão de suas exportações e alcançando altos níveis de renda. Contudo, o nexo causal entre as diferentes políticas adotadas e o sucesso econômico desses países não é evidente. Para alguns analistas, essas políticas tiveram papel positivo (Stiglitz, 1996) ao passo que, para outros, elas não foram relevantes (Krugman, 1994).
331 - Embora os países tipicamente imponham impostos (tarifas) apenas sobre suas importações, impostos podem igualmente ser aplicados sobre as exportações. Os impostos sobre exportações, quando ocorrem, são comumente aplicados com a finalidade de garantir o abastecimento interno a preços inferiores.
332 - Um subsídio à exportação é análogo a uma tarifa de importação, podendo também ser ad valorem (proporcional ao valor exportado) ou específico (fixo por unidade exportada). Para todos os efeitos, um subsídio é um imposto com o sinal negativo. Subsídios também podem ser dados ao crédito de exportação. Nesse caso, o governo reduz as taxas de juros pagas nos financiamentos às exportações relativamente às taxas de mercado para financiamentos com prazos e riscos equivalentes.
333 - Assim, as cotas de importação, quando restritivas, da mesma forma que as tarifas, tendem a aumentar o preço pago domesticamente pelo bem importado e reduzem as quantidades importadas. Porém, ao contrário das tarifas, o governo nada arrecada como receita direta da importação, se ele simplesmente emite e distribui as licenças. Esse procedimento pode ainda ter custos ao país, se envolver corrupção por parte da burocracia estatal responsável pela concessão das licenças. Alternativamente, o governo pode leiloar as licenças de importação, quando há um grande número de potenciais compradores, passando a receber a renda da cota. Como veremos, os acordos multilaterais restringiram severamente o uso desse instrumento protecionista. O Brasil eliminou praticamente todas as cotas e proibições de importações de bens em 1990. (...) Portanto, esse instrumento tem um custo elevado para o país importador, já que a quantidade importada diminui, o preço local do bem importado aumenta, e o governo não obtém qualquer receita direta. (...) Por outro lado, pode induzir ao investimento estrangeiro direto no país importador, como foi o caso da indústria automobilística japonesa nos anos 1980 (Chami Batista, 2008).
334 - Outro instrumento protecionista são as normas legais que exigem uma fração mínima de conteúdo doméstico nos bens vendidos localmente.
335 - Barreiras técnicas e burocráticas: Diferenças de regulamentação entre os países com respeito aos seus imperativos de: segurança nacional; prevenção de práticas enganosas; proteção da saúde ou segurança humana, da saúde ou vida animal ou vegetal, ou do meio ambiente; podem significar enormes obstáculos ao comércio internacional. Considera-se que as normas e os regulamentos constituem barreira técnica ao comércio quando são muito pouco transparentes, ou não se baseiam em normas internacionalmente aceitas, ou implicam procedimentos de avaliação de conformidade não transparentes e/ou dispendiosos, ou, ainda, inspeções excessivamente rigorosas (CNI/INMETRO, 2002).
336 - Calculando o protecionismo de uma economia: ...costuma-se calcular a tarifa média ponderada. O problema com esse indicador é que uma alta tarifa pode restringir as importações de tal forma, que a multiplicação da alta tarifa pelo valor importado pode resultar em um valor próximo de zero. Dessa forma, subestimar-se-ia o grau de proteção. As barreiras não tarifárias são mensuradas tipicamente pela frequência em que ocorrem no conjunto de itens tarifários, ou por meio de uma estimativa do seu valor equivalente a uma tarifa ad valorem. Na prática, essas estimativas são bastante imprecisas.
337 - ...A tarifa nominal média brasileira decresceu de 57,5% em 1987 para 13,5% em 1993 e para 12% em 1995, mas manteve-se pouco acima de 15% entre 1997 e 2000, voltando a decrescer gradativamente a partir de então até atingir 10,7% em 2004 (Kume et al., 2003). A tarifa efetiva caiu de 45% em 1990 para cerca de 14% em 1994, mas manteve-se relativamente elevada em 25% de 1997 a 2000,7 sem considerar o reaparecimento de barreiras não tarifárias. (...) A tarifa efetiva da indústria de automóveis, caminhões e ônibus foi em média de 159% entre 1995 e 1998, chegando a atingir 217,5% em 1996 (Kume, Piani e Souza, 2003). Banco Mundial: O indicador para o Brasil (2006) foi de 21,9% comparado com: 15,5% Argentina (2006), 9,4% Chile (2006), 10,1% China (2006), 21,7% Índia (2005), 6,6% Indonésia (2006), 23% Malásia (2006), 27,2% México (2006), 19,4% Rússia (2005), 4,1% Turquia (2006).
338 - Além de encarecer o mercado interno ao restringir importações (ou o contrário), gerando perdas de bem-estar na análise estática da concorrência perfeita, se o país for grande, isto é, relevante no mercado internacional como demandante do produto, também será observada redução do preço internacional, implicando ganhos dos termos de troca do país que adotou a tarifa. Há, ainda, o risco de gerar poder de mercado aos ofertantes locais.
339 - ...Quando entra a análise de possíveis imperfeições de mercado, a coisa toda fica mais complexa: A existência de desemprego ou subemprego persistente de mão de obra e de um mercado de capital e/ou de trabalho incapazes de transferir recursos para setores com grande potencial de rendimentos elevados também seriam sinais de falhas de mercado. O dualismo econômico, presente em países menos desenvolvidos, caracterizado por grandes diferenciais de salários entre trabalhos semelhantes em diferentes setores, seria um dos sinais de que os mercados não estão funcionando bem. Em algumas análises, contudo, a própria política comercial pode agravar a economia dual (Krugman e Obstfeld, 1994).
340 - Critica-se possíveis efeitos nocivos mesmo da "boa intervenção": Argumenta-se que além das perdas de eficiência alocativa (distorções na produção e consumo), políticas protecionistas geram perdas de eficiência técnica e perdas pela menor diversidade de produtos e insumos. As perdas de eficiência técnica ocorrem quando a menor concorrência com produtos importados produz menor empenho gerencial das firmas locais por redução de custos e melhoria de qualidade (Moreira e Correa, 1996). A menor diversidade de produtos produz perda de bem-estar, se o consumidor valoriza a diversidade, e pela queda na produtividade pela falta de oferta de alguns bens de capital e insumos especializados.
341 - Os argumentos contrários à proteção se baseiam no princípio geral de que é sempre preferível tratar diretamente as falhas de mercado, evitando-se assim distorções não intencionais e custos adicionais decorrentes da política comercial. Há ainda duas linhas de argumentação contrárias às políticas comerciais: a primeira argumenta que não há métodos de análise, suficientemente precisos, para diagnosticar as falhas de mercado, de modo que se prescrevam políticas que assegurem maior bem-estar; a segunda argumenta que as políticas comerciais sofrem interferências de natureza política, que introduzem custos adicionais significativos (falhas de governo). Por fim, políticas comerciais podem gerar retaliação de outros países que se sintam prejudicados, gerando ainda novos custos.
342 - Os princípios fundamentais do Acordo, presentes desde o GATT 1947, se referem à não discriminação. O princípio do “Tratamento Nacional” estabelece que um produto estrangeiro, após a sua internalização no país importador (isto é, após o pagamento do imposto de importação e taxas específicas), deverá receber o mesmo tratamento em relação a impostos e taxas, leis e regulamentos domésticos que as mercadorias produzidas internamente. Busca-se evitar, assim, a discriminação contra o produto estrangeiro, o que invalidaria concessões negociadas com os demais países signatários do Acordo.
343 - Rodada Uruguai em 1986: Até a Rodada Uruguai, as consolidações de tarifa foram feitas principalmente pelos países desenvolvidos e se referiam basicamente a produtos não agrícolas. Um dos resultados alcançados pela Rodada Uruguai foi uma ampliação significativa dos compromissos assumidos pelos países, em termos de tarifas (...), em especial pelos países em desenvolvimento. (...) Em relação aos produtos agrícolas,23 antes da Rodada Uruguai, muitos desses produtos eram protegidos pelos países desenvolvidos por meio de restrições quantitativas (cotas). Na Rodada Uruguai, houve a conversão dessas cotas para tarifas, o que ficou conhecido como “processo de tarificação”. Essas tarifas foram consolidadas e, em sua maioria, foram estabelecidas na forma de alíquotas específicas. No entanto, as tarifas resultantes desse processo eram tão elevadas que inviabilizavam as importações desses produtos. Assim, para garantir um acesso mínimo aos mercados desses países, foram estabelecidas cotas tarifárias.
344 - As "salvaguardas" ao que entendi são exceções negociadas após longo processo para alívio provisório em pontos do acordo em razão de alguma perda - imagino que também provisória - de competitividade (tipo seca inesperada?). Eleva-se tarifa por algum tempo, por exemplo. No caso da legislação brasileira, estabeleceu-se a obrigação dos produtores, que solicitam a aplicação da medida, apresentarem um compromisso de ajustamento, que indique as medidas a serem implementadas para permitir a recuperação da competitividade da produção doméstica, considerando o grau de proteção acordado.
345 - ...Conforme informação disponível no site da OMC (acesso em 26/07/09), de março de 1995 até novembro de 2008, foram aplicadas 89 medidas, sendo os principais países aplicadores a Turquia (11 medidas), a Índia (nove medidas), o Chile (sete medidas), EUA e Jordânia (ambos com seis medidas). O Brasil até julho de 2009 aplicou duas medidas de salvaguarda sobre importações de: (1) brinquedos, medida que vigorou por dez anos (1996 a 2006); e 338 Economia Industrial (2) coco ralado, aplicada em 2002, prorrogada em 2006 e com prazo de vigência previsto até 2010. Em setembro de 2008, foi iniciada investigação para aplicação de medidas sobre “mídias ópticas graváveis”, que não foi ainda concluída.
346 - Medidas antidumping visam proteger os produtores domésticos de importações objeto de dumping, originárias de um ou de alguns países. Exportador vende abaixo do preço que vige no mercado local dele, por exemplo. A(s) importadora(s) tem um prazo pra se defender. Essa perda ao produtor local precisa ser comprovada. (...) na prática, a realidade é bastante distinta, uma vez que o Acordo Antidumping ainda contém inúmeras ambiguidades e imprecisões que permitem que os governos dos países importadores atuem com bastante discricionariedade ao calcular o dumping e avaliar o eventual dano causado pelas importações investigadas. São bastante aplicadas, o que gera preocupação nos autores: A proliferação da utilização das medidas antidumping, como mecanismo de proteção, pode inibir a estratégia das empresas exportadoras que investem mais agressivamente na redução de custos e melhoria de qualidade a fim de penetrar no mercado externo. Isto pode representar uma redução nas taxas de inovação e crescimento globais.
347 - A guerra dos subsídios: O Brasil, por exemplo, acionou o Canadá na OMC por conta dos subsídios conferidos a Bombardier (empresa produtora de aeronaves civis), em 1997 e 2001. Também foi acionado pelo Canadá em função dos subsídios à exportação concedidos para a EMBRAER, em 1996.
348 - ...São considerados como proibidos os subsídios à exportação (isto é, aqueles cuja concessão esteja condicionada ao desempenho exportador) e subsídios que discriminem contra o produto importado (isto é, aqueles cuja concessão esteja condicionada à utilização do produto doméstico em detrimento do produto estrangeiro).
349 - ...Há tipos e tipos de subsídios (não exemplifica). Os subsídios de disponibilidade geral, por não afetarem, em princípio, a alocação de recursos, não gerariam efeitos distorcidos sobre o comércio. (...) Já no caso de políticas seletivas, no entanto, envolvendo subsídios específicos (acionáveis), a análise das implicações das regras estabelecidas no âmbito da OMC seria mais complexa.
350 - ...No caso de subsídios às exportações, os seus efeitos poderiam ser facilmente contrarrestados por meio da aplicação de medidas compensatórias, ou mesmo de medidas antidumping, visto que a concessão desse tipo de subsídio implica preço superior no mercado interno (supostamente protegido) em relação ao preço no mercado internacional.
351 - (É um assunto bem mal explicado, pois volta e meia citam exceções para subsídios agrícolas em países desenvolvidos, por exemplo. E para os industriais dos "em desenvolvimento", como fica?)
352 - Ainda que as regras multilaterais estabeleçam o princípio de não discriminação, abre-se uma exceção para a realização de acordos comerciais regionais.
353 - Explica o Mercosul. É uma união aduaneira cheia de detalhezinho que a deixa bem imperfeita mesmo.
354 - Fim deste capítulo
355 - SOBRE OS TRÊS ÚLTIMOS CAPÍTULOS DO LIVRO - OS DOIS ÚLTIMOS SÃO QUASE UM APÊNDICE: resolvi pular a leitura. Dei uma "folheada" e nenhum dos temas me interessa muito. Poderia ter feito isso em alguns outros capítulos desse livro, mas acabei optando por ler praticamente todo. Enfim, pulei as páginas finais (346-385).
FIM!
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