Livro: Kahneman - Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar - Introdução e Capítulos 1 e 2
Livro: David Kahneman - Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar (2011)
Pgs. 1-17
"INTRODUÇÃO"
1 - Queriam - ele e Amos Tversky - testar se as crianças eram boas estatísticas intuitivas. Notaram que mesmo professores de estatísticas não eram, porém. A certa altura descobrimos, para nosso imenso deleite, que tínhamos ideias tolas idênticas acerca das futuras profissões de diversas crianças muito pequenas que ambos conhecíamos. Podíamos identificar o advogado argumentativo de 3 anos de idade, o professor nerd, a psicoterapeuta compreensiva e levemente intrusiva. Claro que essas previsões eram absurdas, mas mesmo assim nós as achávamos atraentes. Também estava claro que nossas intuições eram governadas pela semelhança de cada criança com o estereótipo cultural de uma profissão.
2 - Descreve uma pessoa "metódica" e pede para intuir se será fazendeiro ou bibliotecário. Qualquer pessoa vai na segunda opção. Entretanto... . Ocorreu a você que há mais de vinte fazendeiros homens para cada bibliotecário nos Estados Unidos? Como a desproporção é tão grande, é quase uma certeza que mais índoles “dóceis e organizadas” serão encontradas dirigindo tratores do que sentadas atrás do balcão de informações das bibliotecas. Não foi levado isso em conta e era um fator importantíssimo. O objetivo da pergunta foi, portanto, ver como é fácil ignorar fatos estatísticos relevantes.
3 - Viraram caçadores de vieses. Por exemplo, recentemente comecei a duvidar de minha antiga impressão de que o adultério é mais comum entre políticos do que entre físicos ou advogados. Eu chegara a elaborar explicações para esse “fato”, incluindo o efeito afrodisíaco do poder e as tentações da vida longe de casa. No fim me dei conta de que as transgressões dos políticos têm muito maior probabilidade de serem noticiadas do que as transgressões de advogados e médicos. Minha impressão intuitiva talvez se devesse inteiramente à pauta dos jornais e à minha confiança na heurística da disponibilidade.
4 - A razão contra a razão: Cientistas sociais não são exceção; eles se apoiam numa visão da natureza humana que fornece o background para a maioria das discussões sobre comportamentos específicos, mas que raramente é questionada. Os cientistas sociais da década de 1970 aceitavam amplamente duas ideias sobre a natureza humana. Primeiro, as pessoas são, no geral, racionais, e suas opiniões normalmente são sólidas. Segundo, emoções como medo, afeição e ódio explicam a maioria das ocasiões em que as pessoas se afastam da racionalidade. Nosso artigo desafiava ambas as pressuposições sem discuti-las diretamente. Documentamos erros sistemáticos na opinião de pessoas normais, e localizamos esses erros no projeto do mecanismo cognitivo, mais do que num desvirtuamento do pensamento pela emoção.
5 - Estudantes de políticas públicas observaram que a heurística da disponibilidade ajuda a explicar por que algumas questões são muito proeminentes na mente do público, ao passo que outras são negligenciadas. As pessoas tendem a estimar a importância relativa das questões pela facilidade com que são puxadas da memória — e isso é amplamente determinado pela extensão da cobertura na mídia. Tópicos mencionados com frequência ocupam a mente mesmo quando outros fogem à consciência.
6 - . Um tema recorrente deste livro é o de que a sorte desempenha um grande papel em toda história de sucesso; quase sempre é fácil identificar uma pequena mudança na história que teria transformado uma realização notável num desfecho medíocre. Nossa história não foi exceção.
7 - Imediatamente após completar nosso exame do julgamento, mudamos nossa atenção para a tomada de decisões sob incerteza. (...) Meu objetivo principal é apresentar uma visão de como a mente funciona baseando-me em progressos recentes na psicologia cognitiva e social.
8 - Focamos nos vieses, tanto porque os achamos interessantes em si mesmos, como porque forneciam evidência das heurísticas do julgamento. Não ficávamos nos perguntando se todos os julgamentos intuitivos sob incerteza são ocasionados pelas heurísticas que estudamos; hoje está claro que não são.
9 - Relata intuições que surgem da prática prolongada: Todos nós já escutamos relatos assim sobre a intuição especializada: o mestre enxadrista que passa por uma partida de rua sendo disputada e anuncia “brancas dão xeque em três lances” sem sequer se deter, ou do médico que faz um diagnóstico completo após uma única olhada no paciente. A intuição do especialista para nós parece magia, mas não é. Na verdade, todo mundo realiza prodígios de perícia intuitiva (intuitive expertise) várias vezes ao dia. (...) Não ficamos surpresos quando uma criança de 2 anos olha para um cão e diz “cachorro!” (ou “au-au”), porque estamos acostumados ao milagre de crianças aprendendo a reconhecer e dizer o nome das coisas. O argumento de Simon é de que os milagres da intuição especializada têm esse mesmo caráter. Intuições válidas se desenvolvem quando os especialistas aprenderam a reconhecer elementos familiares em uma nova situação e a agir de um modo que seja apropriado a isso.
10 - Conta o caso de um importante executivo que simplesmente comprou dezenas de milhões de dólares de ações da Ford por ter ficado encantado com a feira automobilística da empresa. "Eles sabem como fazer um carro!" A decisão do alto executivo hoje seria descrita como um exemplo da heurística afetiva, onde os julgamentos e as decisões são orientados diretamente por sentimentos como gostar ou não gostar, com pouca deliberação ou raciocínio. (...) A questão que o executivo enfrentava (devo investir em ações da Ford?) era difícil, mas a resposta a uma questão mais fácil e relacionada (gosto de carros da Ford?) veio prontamente à sua mente e determinou sua escolha. Isso é a essência das heurísticas intuitivas: quando confrontados com uma questão difícil, muitas vezes respondemos a uma mais fácil em lugar dela, normalmente sem perceber a substituição.
11 - A busca espontânea por uma solução intuitiva às vezes fracassa — nem uma solução especializada nem uma resposta heurística vêm à mente. Em tais casos muitas vezes nos pegamos passando a uma forma de pensar mais lenta, mais deliberada e trabalhosa. Esse é o pensamento vagaroso do título. Pensar rápido inclui ambas as variações de pensamento intuitivo — o especializado e o heurístico —, bem como as atividades mentais inteiramente automáticas da percepção e memória, as operações que lhe possibilitam saber que há uma luminária em sua mesa ou lembrar o nome da capital da Rússia.
12 - Dois artigos que escrevi com Amos são reproduzidos como apêndices ao final do livro. O primeiro é o exame do julgamento sob a incerteza, que descrevi há pouco. O segundo, publicado em 1984, resume a teoria da perspectiva, bem como nossos estudos sobre efeitos de enquadramento. Os artigos apresentam as contribuições que foram citadas pelo comitê do Nobel — e você talvez se surpreenda ao ver como eles são simples. Sua leitura vai lhe dar uma ideia do quanto sabíamos há tanto tempo e também do quanto aprendemos em décadas recentes.
PARTE 1 - DOIS SISTEMAS
Pgs. 18-25
"CAPÍTULO 1: "OS PERSONAGENS DA HISTÓRIA"
13 - O exemplo de 17 x 24. Empreender o cálculo exigiu algum esforço. Você sentiu o peso de guardar muito material na memória, conforme precisou não perder de vista onde estava e para onde estava indo, ao mesmo tempo em que guardava o resultado intermediário. O processo foi um trabalho mental: deliberado, laborioso e ordenado — um protótipo do pensamento lento. O cálculo não foi um simples evento em sua mente; seu corpo também se envolveu. Seus músculos ficaram tensos, sua pressão sanguínea subiu e seus batimentos cardíacos aumentaram. É o que chamam Sistema 2.
14 - O Sistema 1 opera automática e rapidamente, com pouco ou nenhum esforço e nenhuma percepção de controle voluntário.
15 - Antecipa a relação entre eles: Descrevo o Sistema 1 como originando sem esforço as impressões e sensações que são as principais fontes das crenças explícitas e escolhas deliberadas do Sistema 2. As operações automáticas do Sistema 1 geram padrões de ideias surpreendentemente complexos, mas apenas o Sistema 2, mais lento, pode construir pensamentos em séries ordenadas de passos. Feitos do "1", por exemplo:
16 - O Sistema 1 aprendeu associações entre ideias (a capital da França?).
17 - Outras atividades, como mastigar, são suscetíveis de controle voluntário, mas normalmente funcionam no piloto automático. O controle da atenção é compartilhado pelos dois sistemas. Orientar-se para um som alto normalmente é uma operação involuntária do Sistema 1, que imediatamente mobiliza a atenção voluntária do Sistema 2. O "2" não faz as coisas "naturalmente.
18 - As operações altamente diversificadas do Sistema 2 têm uma característica em comum: elas exigem atenção e são interrompidas quando a atenção é desviada. Eis aqui alguns exemplos:
19 - A atenção é "paga": Você não consegue calcular o produto de 17 x 24 fazendo uma curva à esquerda no tráfego pesado, e certamente é melhor não tentar. Apenas coisas fáceis podem ser feita enquanto se faz outra difícil.
20 - O exemplo da cegueira quanto a um "gorila" que aparece por nove segundos em um vídeo de basquete em que as pessoas foram instruídas a se concentrarem em contar os passes da equipe branca é interessante. De fato, as pessoas que deixam de ver o gorila ficam inicialmente convictas de que ele não estava lá — não conseguem imaginar que deixaram de ver um evento tão chamativo. O estudo do gorila ilustra dois importantes fatos acerca de nossas mentes: podemos ficar cegos para o óbvio, e também somos cegos para nossa própria cegueira.
21 - O Sistema 2 é ativado quando se detecta um evento que viola o modelo do mundo mantido pelo Sistema 1. Ademais... Lembre-se de uma ocasião em que você quase deixou escapar um comentário ofensivo e observe como se esforçou para recobrar o controle. Em resumo, a maior parte do que você (seu Sistema 2) pensa e faz origina-se de seu Sistema 1, mas o Sistema 2 assume o controle quando as coisas ficam difíceis, e normalmente ele tem a última palavra.
22 - Uma limitação adicional do Sistema 1 é que ele não pode ser desligado. Se alguém lhe mostra numa tela uma palavra numa língua que você conhece, você a lê — a menos que sua atenção esteja totalmente concentrada em outro lugar. O experimento das colunas - maiúscula-minúscula e esquerda-direita (que é similar aos das cores escritsas) - mostra isso. Você experimentou um conflito entre uma tarefa que pretendia empreender e uma reação automática que interferiu com isso.
23 - Isto aqui me lembrou vários dos meus fichamentos: O conflito entre uma reação automática e uma intenção de controlá-la é comum em nossas vidas. (...) Também sabemos como é forçar nossa atenção em um livro chato, no qual nos pegamos constantemente voltando ao ponto em que a leitura parou de fazer sentido.
24 - Traz a "a famosa ilusão de Müller-Lyer". Linhas que são do mesmo tamanho e não parecem. Agora que já mediu as linhas, você — seu Sistema 2, o ser consciente que você chama de “eu” — tem uma nova crença: você sabe que as linhas são igualmente longas. Se questionado sobre sua extensão, você vai dizer o que sabe. Mas você continua a ver a linha de baixo como maior. Você decidiu acreditar na medição, mas não consegue impedir o Sistema 1 de executar seu truque; você não pode decidir ver as linhas como iguais, embora você saiba que são.
25 - Pois bem... Nem todas as ilusões são visuais. Há ilusões de pensamento, que chamamos de ilusões cognitivas.
26 - Quando ainda estava na universidade, frequentei alguns cursos sobre arte e ciência da psicoterapia. Durante uma dessas aulas, o professor nos agraciou com uma pitada de sua sabedoria clínica. O que ele nos contou foi o seguinte: “De tempos em tempos você vai ter um paciente que vai lhe contar uma história perturbadora dos múltiplos equívocos cometidos em seu tratamento prévio. Ele passou por inúmeros médicos e nenhum tratamento deu certo. O paciente pode descrever lucidamente como seus terapeutas o compreenderam mal, mas que ele percebeu rapidamente que você é diferente. Você partilha dos mesmos sentimentos, está convencido de que o compreende e que vai poder ajudar.” Nesse ponto meu professor ergueu a voz e disse: “Nem sonhem em pegar esse paciente! Chutem-no para fora do consultório! Ele muito provavelmente é um psicopata e você não será capaz de ajudá-lo.”
27 - ...Muitos anos depois descobri que o professor nos advertira contra o charme psicopático e a principal autoridade no estudo de psicopatia confirmou que o conselho do professor era sensato. (...) Nosso professor partia da certeza de que a simpatia que sentiríamos pelo paciente não estaria sob nosso controle; ela brotaria do Sistema 1. (...). É uma ilusão — uma ilusão cognitiva — e me foi ensinado (Sistema 2) a reconhecê-la e ficar de sobreaviso para não acreditar nela nem agir com base nisso.
28 - Os vieses nem sempre podem ser evitados, pois o Sistema 2 talvez não ofereça pista alguma sobre o erro. Mesmo quando dicas para prováveis erros estão disponíveis, estes só podem ser prevenidos por meio do monitoramento acentuado e da atividade diligente do Sistema 2. Como um modo de viver sua vida, porém, vigilância contínua não necessariamente é um bem, e certamente é algo impraticável. Questionar constantemente nosso próprio pensamento seria impossivelmente tedioso, e o Sistema 2 é vagaroso e ineficiente demais para servir como um substituto para o Sistema 1 na tomada de decisões rotineiras.
Pgs. 26-xx
"CAPÍTULO 2: "ATENÇÃO E ESFORÇO"
29 - Na improvável eventualidade de este livro ser transformado em filme, o Sistema 2 seria um personagem secundário que acredita ser o herói.
30 - Propõe um experimento "Adicione-1" que, infelizmente, estou sem tempo pra fazer hoje, mas confio. Ele chegou a medir pupilas e comparar com um "Adicione-3", por exemplo, sob as batidas de um metrônomo. Os dados de pupila correspondiam precisamente à experiência subjetiva: sequências mais longas invariavelmente causavam dilatações maiores, a tarefa de transformação aumentava o esforço e o pico de tamanho da pupila coincidia com o máximo esforço. E a desistência alivia o corpo: Quando expusemos nossos sujeitos pesquisados a mais dígitos do que eram capazes de lembrar, suas pupilas paravam de dilatar ou efetivamente encolhiam. (...) Observando do corredor, às vezes surpreendíamos tanto o dono da pupila quanto nossos convidados perguntando, “Por que parou de executar a tarefa neste exato momento?” A resposta vinda de dentro do laboratório geralmente era, “Como você sabia?”, ao que respondíamos, “Temos uma janela para sua alma”.
31 - Rodapé: ...Há evidência obtida por imagens cerebrais de que a mera antecipação de uma tarefa muito exigente mobiliza atividade em muitas áreas do cérebro, em relação a uma tarefa de baixo esforço do mesmo tipo.
32 - O Sistema 2 e os circuitos elétricos em sua casa têm ambos capacidade limitada, mas reagem de forma diferente à ameaça de sobrecarga. Um disjuntor desmonta quando a demanda por corrente é excessiva, levando todos os dispositivos nesse circuito a perder a energia de uma vez só. Por outro lado, a reação à sobrecarga mental é seletiva e precisa: o Sistema 2 protege a atividade mais importante, de modo que ela recebe a atenção de que precisa; a “capacidade reserva” é alocada segundo a segundo para outras tarefas.
33 - À medida que você se especializa numa tarefa, a demanda de energia diminui. Estudos do cérebro revelaram que o padrão de atividade associado com uma ação muda à medida que a habilidade aumenta, com menos regiões do cérebro envolvidas. O talento tem efeitos semelhantes. Indivíduos muito inteligentes necessitam menos esforço para resolver os mesmos problemas, como indicado tanto pelo tamanho da pupila como pela atividade cerebral. Uma “lei do menor esforço” geral se aplica tanto ao esforço cognitivo quanto físico. Essa lei determina que se há vários modos de atingir um mesmo objetivo, as pessoas acabarão por tender ao curso de ação menos exigente. Na economia da ação, esforço é um custo, e a aquisição de habilidade é impulsionada pelo equilíbrio de benefícios e custos. A preguiça é algo profundamente arraigado em nossa natureza.
34 - O Sistema 2 é o único que pode seguir regras, comparar objetos com base em diversos atributos e fazer escolhas deliberadas a partir de opções. O automático Sistema 1 não dispõe dessas capacidades. O Sistema 1 detecta relações simples (“eles são todos parecidos”, “o filho é bem mais alto que o pai”) e se sobressai em integrar informação sobre uma coisa, mas ele não lida com tópicos distintos e múltiplos de uma vez, tampouco é proficiente ao usar informação puramente estatística.
35 - Ir além da tarefa "natural": Os psicólogos falam de “controle executivo” para descrever a adoção e o término dos ajustes de tarefa (task sets), e os cientistas identificaram as principais regiões do cérebro que agem na função executiva. Uma dessas regiões está envolvida sempre que um conflito precisa ser resolvido. Outra é a área pré-frontal do cérebro, uma região que é substancialmente mais desenvolvida em humanos do que em outros primatas, e está envolvida em operações que associamos com a inteligência.
36 - Testes modernos de memória de trabalho exigem que o indivíduo comute repetidamente entre duas tarefas exigentes, guardando os resultados de uma operação enquanto realiza a outra. As pessoas que se saem bem nesse tipo de teste tendem a se sair bem em testes de inteligência geral. Entretanto, a capacidade de controlar a atenção não é simplesmente uma questão de inteligência; medidas de eficácia no controle da atenção predizem o desempenho de controladores de tráfego aéreo e de pilotos da Força Aérea Israelense além dos efeitos da inteligência.
37 - A pressão do tempo (sinto bastante): As formas mais laboriosas de pensamento lento são as que exigem que você pense rápido.
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