Fernando Genta dos Santos e Renato Perim Colistete - Reavaliando o II PND - Parte 1
Texto - Fernando Genta dos Santos e Renato Perim Colistete - Reavaliando o II PND
1 - Dá logo a real na ementa: As várias hipóteses propostas pela literatura são avaliadas com a análise de vetores auto-regressivos (VAR). Os resultados levam a uma avaliação do II PND mais pessimista do que a interpretação dominante do Plano enquanto uma ajuste estrutural bem-sucedido.
2 - Há uma vasta literatura sobre a política econômica do governo Geisel que, invariavelmente, sublinha a importância do II PND enquanto estratégia que buscou realizar um ajuste macroeconômico não-convencional diante da crise.
3 - O Plano anunciava o Estado como promotor primário do crescimento. A “readaptação da estrutura de demanda e oferta” seria alcançada por meio dos investimentos em setores estratégicos: agropecuária, indústria (bens de capital, eletrônica de base e insumos básicos) e infraestrutura (energia e transporte).
4 - O crescimento do PIB e do produto industrial manteve-se elevado em meio à recessão mundial (média de 6,8% a.a. em 1974-79 frente a 11,2% a.a. em 1968-73 no caso do PIB e 6,5% a.a. e 13,3% a.a., respectivamente, no caso do produto industrial). Ao mesmo tempo a inflação (média de 38,9% em 1974-79 contra 19,4% entre 1968-73) e o endividamento externo (média de US$ 31,6 bilhões em 1974-79 em comparação a US$ 7 bilhões em 1968-73) aumentaram substancialmente em relação ao período do “milagre”. Por outro lado, a Formação Bruta de Capital Fixo subiu de 19,6% em relação ao PIB em 1968-73 para 22,7% em 1974-79, refletindo o programa de investimentos do II PND.
5 - Embora o governo tenha descartado uma maxidesvalorização nominal, temendo um efeito inflacionário generalizado, as ações diretas para incentivar as exportações e limitar as importações operaram na prática como um sistema de taxas múltiplas de câmbio.
6 - Velloso (autor analisado por Fernando e Renato): Era exatamente essa necessidade de ampliar os incentivos ao setor privado que, segundo o autor, inviabilizava qualquer tentativa do governo de desacelerar bruscamente o crescimento econômico.
7 - Velloso colocou que o financiamento dos investimentos não vinha apenas do crescimento da dívida externa (considerado normal durante o período Geisel para uma economia com as dimensões brasileiras), mas também de tarifas e impostos. (Sim, mas o problema foi a bomba pra o futuro que o financiamento por juros flutuantes armou). As estatais também não foram beneficiadas pelo governo na captação de recursos, o que seria comprovado pelos números do então BNDE: cerca de 80% do total de empréstimos foram destinados ao setor privado. (...) Da mesma forma, o Estado também não teria se expandido desordenadamente, pois as estatais somente realizaram investimentos em áreas que já eram de sua responsabilidade, não tendo havido estatização de novos setores ao longo do governo Geisel.
8 - Velloso culpa mais Figueiredo e Delfim Netto pelo descalabro da dívida: A política de “reaceleração do crescimento” em 1979 e 1980 fez com que a expansão da dívida externa se tornasse explosiva, algo somente corrigido com a política de estabilização adotada em 1981.
9 - A crítica de Balassa à "Geisel" foi feita antes da crise estourar: Ao rejeitar o ajuste às mudanças nos preços relativos por meio de maxidesvalorização cambial, o governo optou por enfrentar os problemas no balanço de pagamentos via restrições às importações, subsídio às exportações e atração de capital externo. Ele crê que a maquiada custou caro. (...) O aumento da proteção à indústria manufatureira teria resultado não apenas em distorções de incentivos e lucros excessivos, mas também em maior taxa de inflação, queda da produtividade e preocupante endividamento externo.
10 - ...Na opinião do autor, o argumento defendido por membros do governo, de que a maxidesvalorização provocaria inflação generalizada, perderia força diante de estimativas que apontavam que 9% da taxa de inflação de 1976 podiam ser explicados pelo aumento da proteção comercial, auxiliado pela liberação das taxas de juros. O autor também avaliou criticamente as distorções criadas por subsídios creditícios e fiscais, o baixo rigor na análise de projetos, o endividamento externo excessivo, a discricionariedade na escolha dos beneficiados, os benefícios concedidos às empresas estrangeiras e a política de substituição de importações a qualquer custo.
11 - ...A melhoria na balança comercial teria sido em parte resultante do comportamento favorável dos termos de troca entre 1974 e 1977 – enquanto os preços médios dos bens importados cresceram 6%, os dos bens exportados elevaram-se 39% no período.
12 - Rent-seeking: ...a complexa estrutura de proteção e subsídios às indústrias e firmas selecionadas durante o II PND fez com que as empresas desviassem parte considerável de seus esforços da atividade produtiva para a obtenção de incentivos, favores e brechas na legislação. Para Balassa, tais “conseqüências adversas” seriam “potencialmente prejudiciais para as perspectivas de longo prazo” da economia brasileira (1978: 1034-8).
13 - Barros Castro: Segundo Castro, a solução de ajuste estrutural adotada pelo governo Geisel foi ousada, na medida em que buscava reorientar o estilo de desenvolvimento (antes baseado em bens de consumo duráveis) e estimulava atividades intensivas em petróleo (agravando o problema energético no curto e médio prazo). (...) A adoção de uma estratégia clássica de ajuste em 1974 seria incorreta, pois os investimentos realizados durante o “milagre econômico” ainda estavam em curso. Ajuste abalaria a confiança do empresariado brasileiro, inviabilizando a realização de novos investimentos essenciais.
14 - ...Castro rejeita o papel da política de estabilização adotada no início da década de 1980 na melhoria do balanço de pagamentos e recuperação do crescimento econômico já em 1984, apontando os investimentos da década anterior como a principal causa da queda das importações e aumento das exportações. Castro sustenta, ainda, que o II PND deve ser avaliado não em relação ao momento de sua aplicação, quando a onda de grandes projetos poderia parecer grandiosa e extravagante, mas sim após a maturação dos investimentos realizados. (...) Os resultados da análise econométrica de Cribari Neto (1992) dão apoio, em parte, ao argumento de Castro, ao indicarem que o impacto do II PND na redução das flutuações no produto brasileiro foi substancial somente no longo prazo (após 10 anos do choque inicial) (p. 420-5).
15 - Fishlow: De acordo com o autor, para sustentar as elevadas taxas de crescimento observadas durante o “milagre” seria necessário um aumento de pelo menos 4% da poupança nacional, o que conflitaria com o estímulo aos bens de consumo duráveis que marcou o período 1968-1973. A necessidade de aumento da poupança, graças ao esgotamento da capacidade ociosa com o boom do “milagre econômico”, era incompatível com o momento político da segunda metade da década de 1970, devido ao fato de que o crescimento econômico acelerado e a continuidade da expansão do consumo eram vistos como condições necessárias ao processo de distensão política do regime militar. (...) desde a década de 1960 a economia brasileira enfrentava um grave desequilíbrio, uma vez que um crescimento anual de 10% tenderia a gerar aumento semelhante nas exportações, enquanto que as importações exibiam uma elasticidade maior, com crescimento de mais de 20%. Tal desequilíbrio havia sido atenuado durante o “milagre” graças ao cenário externo favorável, com os termos de troca crescendo 7% ao ano entre 1969 e 1972.
16 - Mais uma análise muito interessante - apesar de que acho até que já li isso em outros textos: Fishlow divide a política econômica do novo governo em três fases distintas. A primeira delas consistiu em desaquecer a demanda por meio de políticas monetária e fiscal restritivas. Mas, segundo Fishlow, o breve período ortodoxo estava, desde o início, condenado ao fracasso por razões tanto econômicas quanto políticas. Do lado econômico, as restrições não foram capazes de controlar a inflação, apesar de provocar desaceleração na atividade produtiva. Além de herdar pressões inflacionárias dos preços administrados, não havia um sistema capaz de controlar a liquidez da economia, visto que a oferta de crédito do Banco do Brasil e do Banco Central não estava sob controle do Ministério da Fazenda. Já na esfera política, houve a influência das eleições parlamentares no final de 1974. Como reflexo do ano eleitoral, o governo aprovou uma nova lei salarial, amenizando as perdas dos trabalhadores em virtude do diferencial entre inflação prevista e efetiva. A derrota da ARENA nas eleições para o Senado Federal em novembro de 1974 marcou o fim do breve período ortodoxo, diante da clara incompatibilidade entre austeridade econômica e o projeto de abertura política em que o regime militar procurava manter a iniciativa.
(...)
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