Livro: Acemoglu & Robinson – Por que As Nações Fracassam - Capítulo 8

                                

Livro: Acemoglu & Robinson – Por que As Nações Fracassam



Pgs. 211-240


"CAPÍTULO 8: "NÃO NO NOSSO QUINTAL: BARREIRAS AO DESENVOLVIMENTO"


211 - A máquina de Gutenberg se espalhou pela Europa, mas nem todo lugar do mundo gostou da ideia. Já em 1485 o sultão otomano Bayezid II emitiu um edito proibindo expressamente os muçulmanos de imprimir em árabe. A norma seria reforçada pelo Sultão Selim I, em 1515. Só em 1727 a primeira prensa seria admitida em terras otomanas. 


212 - A coisa foi flexibilizada mais à frente, "pero no mucho": Müteferrika foi autorizado a instalar sua prensa, mas tudo o que fosse impresso teria de passar pelo crivo de três eruditos religiosos e legais, os cádis. (...) Fora do coração do Império Otomano, na Turquia, o advento da impressão foi ainda mais retardado. No Egito, por exemplo, a primeira prensa tipográfica seria instalada apenas em 1798, por franceses que tomaram parte da tentativa fracassada de Napoleão Bonaparte de capturar o país.


213 - Tamanha resistência à prensa tipográfica teve consequências óbvias para a alfabetização, escolarização e prosperidade econômica. Em 1800, provavelmente apenas 2% a 3% dos cidadãos do Império Otomano sabiam ler e escrever, comparados aos 60% dos homens e 40% das mulheres em idade adulta na Inglaterra. Na Holanda e na Alemanha, os índices de alfabetização eram ainda mais altos. Já os territórios otomanos estavam muito atrasados em relação aos países europeus que tinham os mais baixos índices de escolarização dessa época – como Portugal, onde talvez apenas cerca de 20% dos adultos soubessem ler e escrever.


214 - Assim nasceria o absolutismo russo, forjado por Pedro, o Grande, desde 1682 até sua morte, em 1725. Pedro construiu uma nova capital, São Petersburgo, destituindo de poder a velha aristocracia, os boiardos, a fim de criar um Estado burocrático e um Exército modernos. Chegou mesmo a abolir a Duma boiarda que o havia coroado. Pedro introduziu a Tabela de Cargos, uma hierarquia social inteiramente nova, cuja essência era o serviço ao trono. Assumiu também o controle da Igreja, exatamente como fizera Henrique VIII ao centralizar o Estado inglês. Por meio desse processo de centralização política, Pedro foi retirando o poder de terceiros e dele se apropriando. (...) Na Rússia do século XIX, por exemplo, os czares eram monarcas absolutistas que contavam com o apoio da nobreza, a qual correspondia a cerca de 1% da população total.


215 - Absolutismo e falta de centralização política seriam os dois grandes males a dificultar uma industrialização. Havia medo da destruição criativa. Estão ligados. A resistência à centralização política é alimentada por motivos similares aos da resistência a instituições políticas inclusivas: o receio da perda de poder político – só que, agora, para o Estado recém-centralizador e aqueles em cujas mãos estiver o seu controle


216 - ...Contudo, deixam claro que centralização política pode levar a mais absolutismo (ou a demandas pluralistas, como no caso inglês). Na Espanha, o absolutismo triunfava com a centralização e as cortes eram meramente figurativas. Além das fusões de territórios pelos casamentos dinásticos, havia a colonização. A Coroa Espanhola controlava - diferentemente da inglesa - e burocratizava todo o comércio exterior. O projeto de construção e consolidação do absolutismo na Espanha contou com o inestimável auxílio da descoberta de metais preciosos nas Américas. (...) Um dos primeiros atos de Isabel e Fernando após a Reconquista foi a expropriação dos judeus. Os cerca de 200 mil judeus que viviam no país receberam um prazo de quatro meses para partir. (...) Tragédia humana similar se daria novamente apenas 100 anos mais tarde. Entre 1609 e 1614, Filipe III expulsou os mouriscos, descendentes dos cidadãos dos antigos Estados árabes no sul da Espanha.


217 - Os direitos de propriedade eram inseguros também em outros sentidos, na Espanha sob domínio dos Habsburgo. Filipe II, que sucedeu seu pai, Carlos V, em 1556, recusou-se a honrar suas dívidas em 1557 e, de novo, em 1560, levando assim à ruína as famílias de banqueiros Fugger e Welser. O papel dessas famílias alemãs foi então assumido pelas genovesas, por sua vez também arruinadas pela inadimplência espanhola durante o reinado dos Habsburgo em 1575, 1596, 1607, 1627, 1647, 1652, 1660 e 1662.


218 - A circunstância crítica "descoberta das Américas" teve efeito bem diverso na Espanha (em relação à Inglaterra). Colocam que as cortes espanholas chegaram a disputar poder com a Coroa, até pelo relativo poder de autorizar impostos. Houve inclusive a "Revolta dos Comuneiros" em 1520. Entretanto, a monarquia geralmente se saia vencedora dos conflitos. A coalização contrária era ainda muito fragmentada-fraca.


219 - Enquanto o Estado inglês criava uma burocracia tributária moderna e eficiente, o espanhol mais uma vez caminhava na direção oposta, e não só se mostrava incapaz de assegurar os direitos de propriedade dos empreendedores e monopolizar o comércio como, pior, condescendia com a venda de cargos, não raro convertidos em hereditários, com a privatização da coleta de impostos e mesmo com a venda de imunidade jurídica.


220 - Espanha e Século XVII: No começo do século, um em cada cinco habitantes do país morava em áreas urbanas. No final desse período, essa proporção havia sido reduzida para a metade, 1 em cada 10, acompanhando o crescente empobrecimento da população espanhola. Aqui, a receita despencava, enquanto a Inglaterra enriquecia.


221 -  ...Na Rússia e no Império Austro-Húngaro, não foi a mera negligência e má administração por parte das elites nem o insidioso depauperamento sob instituições extrativistas que impediram a industrialização; pelo contrário, os governantes bloquearam ativamente toda e qualquer tentativa de introduzir tanto as novas tecnologias quanto os investimentos básicos em infraestrutura – como ferrovias, por exemplo – que poderiam ter favorecido a sua propagação. Predominava a chamada "segunda servidão".


222 - ...Os Habsburgo, ao contrário dos Stuart, lograram suster um regime intensamente absoluto. Francisco I, o último imperador do Sacro Império Romano, entre 1792 e 1806, e depois soberano do Império Austro-Húngaro até sua morte, em 1835, foi um rematado absolutista; não pretendia reconhecer nenhum limite ao seu poder e, acima de tudo, desejava preservar o status quo político. Sua estratégia básica consistia em opor-se à mudança, qualquer que fosse ela – o que ele deixou bem claro em um discurso de 1821, típico dos governantes Habsburgo, proferido perante os professores de uma escola em Laibach, no qual asseverou: “Não preciso de sábios, mas de cidadãos bons e honestos. Sua missão é educar os jovens para tanto. Aquele que se encontra a meu serviço ensinará aquilo que eu lhe ordenar. Se alguém não for capaz de fazê-lo ou caso se saia com novas ideias, pode ir embora ou eu o porei para fora.” (...) A imperatriz Maria Teresa, que reinou entre 1740 e 1780, diante de sugestões sobre como melhorar ou modificar as instituições, costumava retorquir: “Deixe tudo como está.” (...) Francisco criou um Estado policial, censurando implacavelmente tudo o que lhe parecesse o mais levemente radical.


223 - Isto aqui chega a ser tragicômico: Quando o filantropo inglês Robert Owen tentou convencer o governo austríaco a implementar certas reformas sociais, a fim de melhorar as condições da população mais pobre, um dos assistentes de Metternich, Friedrich von Gentz, replicou: “Não desejamos, absolutamente, que as grandes massas se vejam em situação de maior conforto e independência. [...] Do contrário, como poderíamos governá-las?” Colocam que a economia era também nada inclusiva e cheio de controles.


224 - Francisco I era abertamente contrário à inovação. Ele ... impediu o desenvolvimento da indústria. A indústria levaria a fábricas, e as fábricas concentrariam trabalhadores pobres nas cidades, sobretudo na capital, Viena. Esses trabalhadores se aliariam, então, aos adversários do absolutismo. (...) em 1802, por exemplo, a criação de novas fábricas em Viena foi proibida. Em lugar de estimular a importação e a instalação de novos equipamentos, base da industrialização, Francisco as proibiu até 1811. (...) Segundo, o imperador opôs-se à construção de ferrovias. (...) “Nada disso. Nada terei que ver com isso, a menos que queira ver a revolução adentrar este país.” Temia enormemente qualquer desestabilização de uma possível destruição criativa. ...Ainda em 1883, quando 90% do ferro produzido no mundo era produzido à base de hulha, mais da metade da produção dos territórios dos Habsburgo continuava empregando o carvão vegetal, muito menos eficiente. Analogamente, até a Primeira Guerra Mundial, quando o império entrou em colapso, a tecelagem não era mecanizada, mas ainda manual.


225 - Na Rússia, o temor de desestabilização era semelhante. Havia rígida "ordem". Apesar das revoltas, os servos eram inclusive vendidos a troco de besteira a outros senhores. (Não vi bem muita diferença para o escravo). Nicolau I, nas primeiras décadas do século XIX, queria uma Rússia agrária: ...As políticas de Kankrin visavam ao reforço dos tradicionais pilares políticos do regime, sobretudo a aristocracia rural e o perfil campesino e agrário da sociedade. Ao assumir o ministério, Kankrin imediatamente contestou e reverteu uma proposta de seu antecessor, Gurev, de instituir um banco comercial do governo para fazer empréstimos à indústria. Pelo contrário, Kankrin reabriu o Banco de Empréstimos do Estado, que fechara as portas durante as guerras napoleônicas e fora criado originalmente para emprestar dinheiro aos grandes proprietários de terras a juros subsidiados, política que ele via com bons olhosComo os empréstimos exigiam que os tomadores dessem servos como “garantia”, apenas os senhores feudais tinham condições de contraí-los. (...) Kankrin tomou providências específicas no sentido de reduzir o potencial da indústria. Assim, baniu várias exposições industriais, até então realizadas periodicamente a fim de divulgar as novas tecnologias e facilitar sua adoção.


226 - ...Inclusive Nicolau I já alertava para o perigo que era ter trabalhadores nas indústrias. "...Eles requerem a enérgica e paternal supervisão de sua moral – sem o que essa massa humana será gradualmente corrompida e acabará se tornando uma classe tão miserável quanto perigosa para seus patrões." Os eventos de 1848 levaram o governo inclusive a querer controlar o número máximo de algumas fábricas em Moscou. Pra fechar com chave de ouro, também as ferrovias eram condenadas, vistas como "necessidade artificial". A política contrária às estradas de ferro só seria revertida com a derrota definitiva da Rússia pelas forças inglesas, francesas e otomanas na Guerra da Crimeia (1853-1856), quando finalmente se compreendeu o grave risco para a segurança nacional que o atraso de sua rede de transportes representava.


227 - Partem para o tópico China: Sob a dinastia Song, entre 960 e 1279, a China esteve na vanguarda mundial de diversas inovações tecnológicas. Os chineses inventaram relógios, a bússola, a pólvora, o papel e o papel-moeda, a porcelana e as fornalhas para fundição de ferro antes dos europeus. Desenvolveram de forma independente as rodas de fiar e a energia hidráulica mais ou mesmo ao mesmo tempo em que elas surgiam no extremo oposto da Eurásia. Em função disso, em 1500 o padrão de vida era provavelmente tão alto na China quanto na Europa. Por séculos vigorou aí também um Estado centralizado, com serviço público recrutado com base no mérito. Tudo se dava, porém, sob modelo extrativista. ...as grandes invenções do período foram motivadas não por incentivos de mercado, mas geradas por patrocínio, ou mesmo ordens, do governo.


228 - ...O controle por parte do Estado recrudesceu durante as dinastias Ming e Qing, que sucederam os Song. (...) em 1368, o Imperador Hongwu foi o primeiro a ocupar o trono, por 30 anos. Temendo que o comércio ultramarino levasse à desestabilização política e social, autorizou sua condução exclusivamente pelo governo, e somente à medida que envolvesse o pagamento de tributos, não atividades comerciais. Hongwu ordenou a execução de centenas de pessoas acusadas de tentar converter missões tributárias em empreitadas comerciais. Entre 1377 e 1397, as missões tributárias marítimas foram banidas. Pessoas físicas foram proibidas de comerciar com estrangeiros, e os chineses não tinham permissão para fazer-se à vela. Houve breve período de imperadores indo em sentido contrário, mas no geral... O veto ao comércio ultramarino só seria anulado em 1567.


229 - ...Porém, nada era muito permanente. A dinastia Qing, que sucedeu a Ming, não era menos extrativista. Os Qing dedicaram-se à expropriação em massa de bens e propriedades. (...) O litoral passou a ser patrulhado por soldados, a fim de assegurar o cumprimento da ordem, e até 1693 a navegação ao longo de toda a costa permaneceu banida. No século XVIII, o veto de vez em quando voltaria a entrar em vigor, o que efetivamente tolheu o desenvolvimento do comércio ultramarino chinês. Até havia alguma atividade, mas não eram muitos os que se dispunham a investir, sabendo que o imperador poderia mudar subitamente de ideia e voltar a proibir o comércio, pondo a perder todo o investimento em embarcações, equipamentos e relações comerciais. ...

 

230 - ...Sem dúvida, havia mercados e comércio na China durante esse tempo, e a carga tributária que incidia sobre a economia doméstica não pesava muito. Entretanto, o governo pouco apoio deu à inovação, trocando o fomento à prosperidade mercantil ou industrial por sua estabilidade política.


231 - Etiópia absolutista e pesadamente extrativista: Não havia instituições pluralistas de nenhum tipo nem qualquer restrição ou limite ao poder do imperador, que justificava seu direito ao trono mediante sua suposta descendência do Rei Salomão e da Rainha de Sabá. Colocam que era um caos: "...Com frequência, um homem lavra o solo, outro o semeia e um terceiro colhe".


232 - ...O historiador Edward Gibbon, com boa dose de acurácia notou que “cercados por todos os lados pelos inimigos de sua religião, os etíopes dormiram por quase mil anos, esquecidos do mundo por quem haviam sido esquecidos”.


233 - ...Resistiu inclusive às invasões italianas do Século XIX. O último imperador da Etiópia, Ras Tafari, foi coroado Hailê Selassiê em 1930; reinou até ser deposto por uma segunda invasão italiana, iniciada em 1935, mas retornou do exílio, com ajuda inglesa, em 1941. Governou então até ser derrubado, em 1974, por um golpe do Derg, o “Conselho”, um grupo de oficiais militares marxistas, que continuaram a empobrecer e devastar o país. As instituições econômicas extrativistas básicas do império absolutista etíope, como o gult (página 140) e o feudalismo surgido após o declínio de Axum, perduraram até sua abolição pela revolução de 1974.


234 - Parecem crer que este aqui seja o principal problema de muitas partes da África: Sem algum grau de centralização política, mesmo que as elites desses Estados africanos pretendessem saudar a industrialização de braços abertos, não haveria muito o que fazer.


235 - Explica a situação da Somália. Basicamente quatro grandes clãs familiares de mesma descendência e mais dois sem ligação. Dois deles são sedentários, outros nômades.  Os clãs somalis e grupos de diya viram-se, ao longo da história, aprisionados em disputas quase contínuas pelos escassos recursos à sua disposição, sobretudo as fontes de água e boas terras de pasto para seus animais, além de assaltarem constantemente os rebanhos dos clãs e grupos vizinhos. Embora os clãs tivessem líderes (chamados de sultões) e conselhos de anciãos, estes nunca detiveram nenhum poder efetivo. O poder político era bastante disperso; cada somali adulto tinha voz nas decisões que pudessem afetar o clã ou o grupo como um todo, graças a um conselho informal composto de todos os homens adultos. Não havia lei escrita, polícia nem sistema jurídico, exceto pela charia, usada como referência à qual leis informais eram incorporadas. Colocam que, mais tarde, essas leis se tornaram escritas. Como primeira preocupação, tratavam de compensações por assassinatos e ferimentos. Era um permanente estado de guerra e vingança. Um crime contra determinado indivíduo era um crime contra o grupo de diya inteiro, e requeria uma compensação coletiva, o dote de sangue. Se este não fosse pago, o grupo de diya do autor do crime enfrentaria a represália coletiva da vítima. Ofensas também entravam no bolo. Com a modernidade, até acidentes automobilísticos.


236 - ...O pagamento do dote de sangue se dava à sombra da ameaça de uso da força e da retomada da vendeta – e, mesmo quando era pago, não constituía necessariamente um ponto final para o conflito. Em geral, as disputas desvaneciam e voltavam a se acender.


237 - ...O poder político encontrava-se amplamente distribuído pela sociedade somali, portanto, de forma quase pluralista. Contudo, sem a autoridade de um Estado centralizado para impor a ordem – que dirá os direitos de propriedade –, não se produziam instituições inclusivas. Ninguém respeitava a autoridade alheia e ninguém, nem o Estado colonial britânico que se instalou, mostrou-se capaz de impor a ordem.


238 - Citam o Reino de Taqali - Século XIX - no Sudão do Sul como exemplo de civilização que rejeitou até o uso da escrita, por temer implicações. Os cidadãos comuns temiam que a "inovação" fosse usada para controle de terra/recursos/propriedades por parte do Estado. Além disso, diversos grupos de elite opunham-se também à centralização política, preferindo, por exemplo, a interação oral à escrita com a população, por lhes proporcionar o máximo de flexibilidade. Leis ou ordens escritas não poderiam ser retiradas ou desmentidas, e seriam mais difíceis de modificar; estabeleceriam referências que as elites dominantes talvez preferissem reverter. Assim, nem os governados nem os governantes de Taqali viam com bons olhos a introdução da escrita.


239 - Somália e centralização política: Na literatura histórica não há registro de tentativas de instaurar tal centralização no país. Ainda assim, está claro por que isso seria muito difícil: proceder à centralização política significaria que determinados clãs teriam de se submeter ao controle de outros. Todavia, os somalis repudiavam qualquer hierarquia do gênero e a abdicação de poder que ela implicaria. Outros Estados padeceriam/padecem do mesmo mal: Mesmo hoje, porém, em diversos países – como Afeganistão, Haiti, Nepal e Somália –, o Estado é incapaz de manter a ordem mais rudimentar, e os incentivos econômicos encontram-se absolutamente destruídos. Como nos casos de Estados que se agarram a instituições extrativistas, o temor é de deslocamento do eixo político. Temem mudanças.


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