Livro: Acemoglu & Robinson – Por que As Nações Fracassam - Capítulo 7
Livro: Acemoglu & Robinson – Por que As Nações Fracassam
Pgs. 182-210
"CAPÍTULO 7: "A REVIRAVOLTA"
185 - Novamente exemplos de recusa "real" a adotar tecnologias revolucionárias. Tal como imperadores romanos, Elizabeth I e Jaime I recusaram uma máquina de costura que resultaria numa maravilhosa destruição criativa. Em resumo: Em última instância, não foi a preocupação com o destino dos possíveis desempregados devido à invenção de Lee que levou Elizabeth I e Jaime I a lhe negarem a patente; foi seu medo de saírem perdendo politicamente – isto é, seu receio de que os prejudicados pela máquina viessem a gerar instabilidade política e pôr em risco o seu poder.
186 - A expectativa de vida de um morador da aldeia natufiana de Abu Hureyra provavelmente não era muito diferente daquela de um cidadão da Roma Antiga. A expectativa de vida de um romano típico era relativamente próxima daquela de um habitante médio da Inglaterra no século XVII. Em termos de renda, em 301 d.C. o imperador romano Diocleciano emitiu o Edito dos Preços Máximos, estabelecendo uma tabela com os salários a serem pagos aos vários tipos de trabalhadores. Não sabemos o quanto, na prática, os salários e preços de Diocleciano entraram em vigor; porém, quando o historiador econômico Robert Allen usou tal edito para calcular o padrão de vida de um típico trabalhador sem qualificação, constatou que seria quase exatamente o mesmo de um trabalhador não especializado na Itália do século XVII.
187 - Na Inglaterra também sempre houve conflitos. Desde cedo, porém, havia claras tentativas no sentido de limitar poderes absolutos. Em 1215, os barões, que compunham a camada da elite imediatamente abaixo do rei, desafiaram o Rei João e o obrigaram a assinar a Magna Carta em Runnymede. (...) Acima de tudo, determinava que o rei precisaria do consentimento dos barões para poder aumentar os impostos. O Papa resolveu a queda de braço a favor do rei, mas este continuou sempre pressionado, ao que entendi. Os seguintes também. Os conflitos em torno das instituições políticas prosseguiram, e o poder da monarquia se veria ainda mais limitado pelo primeiro Parlamento eleito, em 1265.
188 - Colocam que o parlamento inglês era um dos poucos que abrigava inclusive a pequena aristocracia (comerciantes... industriais...)
189 - Guerra das Rosas: Os vencedores foram os lancastrianos, cujo candidato à Coroa, Henrique Tudor, se sagraria Henrique VII em 1485. Desarmaram a aristocracia a fim de reforçar o Estado Central. Os autores colocam que, apesar dos óbvios perigos que isso traz, algum grau de centralização do poder do Estado é requisito essencial. Vai crescendo o "Estado burocrático", à época uma revolução. O golpe final de centralização? O processo foi complementado pela ruptura de Henrique VIII com a Igreja Católica Romana e a “Dissolução dos Monastérios”, por meio da qual Henrique expropriou todas as terras da Igreja. Pois bem, no caso inglês, Acemoglu e Robinson parecem ver o copo cheio em tudo, pois até a centralização "gera demanda de representação política plural", digamos: Quando os barões e as elites locais reconhecem que o poder político será cada vez mais centralizado e que esse processo será difícil de reverter, reivindicam o direito de ter voz ativa com relação ao uso que se fará desse poder centralizado. Até as revoltas camponesas pré-Tudor teriam contribuído em todo esse processo. Ao menos jogam isso: Apesar de contestadas, as instituições políticas e econômicas herdadas e mantidas pelos Tudors eram ainda claramente extrativistas.
190 - Em 1603, Elizabeth I, filha de Henrique VIII que subira ao trono em 1553, morreu sem deixar filhos, e os Tudors foram substituídos pela dinastia Stuart. O primeiro Rei Stuart, Jaime I, herdou não só as instituições, mas os conflitos dos quais eram pivôs. Sua ambição era ser um governante absolutista. Seu filho, Carlos I, idem.
191 - A economia passava longe de ter instituições muito inclusivas. Em 1621, havia monopólios para mais de setecentos produtos. Nas palavras do historiador inglês Christopher Hill, cada homem vivia:
192 - Auge da tensão entre Coroa/Stuart e parlamento: Carlos I foi coroado em 1625, recusou-se a convocar o Parlamento a partir de 1629 e intensificou os esforços de Jaime I no sentido de consolidar o regime absolutista. Impôs empréstimos forçados, ou seja, forçou a população a “emprestar-lhe” dinheiro, modificando unilateralmente os termos dos acordos e recusando-se a quitar suas dívidas. Criou e vendeu monopólios no âmbito que o Estatuto dos Monopólios lhe havia deixado: o das empreitadas comerciais no estrangeiro. Solapou a independência do Judiciário e tentou intervir e influenciar no resultado de julgamentos. Instituiu diversas multas e taxas, das quais a mais polêmica foi a “tarifa naval” – cobrando dos condados litorâneos, a partir de 1634, uma taxa para sustentar a Marinha Real e, no ano seguinte, estendendo a cobrança aos condados do interior. Essa tarifa naval seria coletada anualmente até 1640.
193 - A invasão de Newcastle pela Escócia só tornou tudo pior. Em 1642, irrompeu a Guerra Civil entre o monarca e o Parlamento, ainda que muitos parlamentares tenham se aliado ao trono. Quem tinha a ganhar com alguns monopólios fortes ainda apoiou a Coroa. Abriu-se o espaço para liderança de Cromwell e sua posterior ditadura: Sob a liderança de Oliver Cromwell, os parlamentaristas – conhecidos como Cabeças Redondas, pelo estilo de corte de cabelo que adotavam – derrotaram os realistas, conhecidos como Cavaleiros. Carlos foi levado a julgamento e executado em 1649. Com a morte do ditador, mais de dez anos depois, Carlos II queria aproveitar a volta da monarquia para, agora sim, chegar ao absolutismo. Suas tentativas seriam apenas intensificadas por seu irmão, Jaime II, que o sucederia no trono após sua morte, em 1685. Em 1688, a tentativa do rei de restabelecer o absolutismo provocou outra crise, desencadeando nova guerra civil. O Parlamento, dessa vez, encontrava-se mais unido e organizado, e convidou o Statholder holandês, Guilherme de Orange, e sua esposa, Maria, a filha protestante de Jaime, para o trono deste. Guilherme traria um exército e reivindicaria o trono – para governar não como monarca absoluto, mas sob uma monarquia constitucional forjada pelo Parlamento.
194 - Orange leu a Bill Of Rights em 1689. A Declaração de Direitos asseverava também que o monarca não poderia suspender ou promulgar leis e reiterava a ilegalidade dos impostos que não gozassem de aprovação parlamentar. Ademais, determinava que não poderia haver Exército permanente na Inglaterra sem consentimento parlamentar. Desde então, ao que entendi, os reis nunca mais tentariam peitar o Parlamento pelo poder. Como muitos integrantes da casa tinham consideráveis investimentos no comércio e na indústria, nutriam o mais profundo interesse pelo asseguramento dos direitos de propriedade.
195 - ...Ainda mais importante que os interesses dos parlamentares era a incipiente natureza pluralista das instituições políticas. O povo inglês passou a ter acesso tanto ao Parlamento quanto às políticas e instituições econômicas ali forjadas, de uma maneira sem precedentes no tempo em que as políticas públicas eram ditadas pela Coroa. A mudança deveu-se parcialmente, é claro, ao fato de os membros do Parlamento agora serem eleitos. Contudo, uma vez que a Inglaterra estava longe de ser uma democracia nesse período, tal acesso gerou somente um pequeno grau de responsividade. Uma de suas muitas desigualdades consistia em que, no século XVIII, menos de 2% da população tinha direito a voto – e tinham de ser homens. As cidades onde a Revolução Industrial ocorreu – Birmingham, Leeds, Manchester e Sheffield – não dispunham de representação independente no Parlamento; e, pelo contrário, as regiões rurais gozavam de representação excessiva. Porém, nem tudo era problema: Qualquer um podia enviar uma petição ao Parlamento; e as petições choviam.
196 - O Parlamento Longo aboliu todos os monopólios que afetavam a vida da população no âmbito doméstico. Embora nem Carlos II nem Jaime II os tenham restaurado, conseguiram resguardar sua capacidade de conceder monopólios ultramarinos. Em 1698, o Parlamento aboliu qualquer monopólio desse tipo, após milhares de petições. Os monopólios domésticos já haviam caído em 1640, durante as tensões da Revolução Gloriosa.
197 - A redistribuição da carga tributária não foi apenas uma política promanufatureira apoiada pelo Parlamento. Foi aprovada toda uma série de leis no intuito de expandir o mercado e a rentabilidade dos têxteis de lã – o que fazia todo sentido em termos políticos, já que muitos dos parlamentares opositores de Jaime investiam pesadamente naqueles empreendimentos manufatureiros nascentes. O Parlamento aprovou ainda uma legislação que possibilitou a total reorganização dos direitos de propriedade sobre a terra, permitindo a consolidação e eliminação de diversas formas arcaicas de propriedade e direitos de uso. (...) As terras comuns em geral só podiam ser utilizadas de maneira tradicional.
198 - Ademais, o crédito passou a ser generalizado e acessível ao inglês médio.
199 - O Estado começou a se expandir, e seus gastos logo chegaram a cerca de 10% da renda nacional – graças a uma expansão da base tributária, relativa sobretudo aos impostos que incidiam sobre a fabricação de uma longa lista de itens produzidos no país. Era um enorme orçamento de Estado para a época – com efeito, maior do que o que se encontra hoje em vários lugares do mundo. O orçamento colombiano, por exemplo, só atingiria o mesmo tamanho relativo na década de 1980. Em muitos lugares da África subsaariana, como Serra Leoa, ainda hoje o orçamento de Estado seria muito inferior, em relação ao tamanho total da economia, sem o significativo influxo de ajuda estrangeira. Citam como importante, nesse processo, a sofisticação da burocracia envolvida no imposto sobre a produção, que deu um salto de 1.211 funcionários, em 1690, para 4.800, em 1780. (...) Outro elemento significativo é que, após 1688, o Estado começou a depender mais do talento e menos de indicações de cunho político, desenvolvendo uma complexa infraestrutura para administrar o país.
200 - A maior segurança e eficiência dos direitos de propriedade desempenhou um papel central, por exemplo, na “revolução dos transportes”, que preparou o terreno para a Revolução Industrial. Os investimentos em canais e estradas com cobrança de pedágio aumentaram em progressão geométrica após 1688 – e, à medida que reduziram os custos de transporte, ajudaram a criar um importante pré-requisito para a Revolução Industrial. Até 1688, esse tipo de investimento em infraestrutura era obstaculizado por intervenções arbitrárias dos Stuarts.
201 - No comércio externo, entretanto, o máximo que houve foi suavização de restrições e barreiras, tudo caso-a-caso. Inglaterra queria proteger suas indústrias, como a de lã. Agora era ilegal vestir sedas e madras asiáticos na Inglaterra. Mas ainda era possível importá-los para reexportar para a Europa ou outros mercados, sobretudo as colônias americanas. Ademais, madras lisos podiam ser importados e finalizados na Inglaterra, e as musselinas estavam isentas do veto. Depois nem isso mais pôde. O limite so foi encontrado quando a indústria da lã quis banir o tecido de linho e algodão (fustão). Empresas e cidades que produziam fustão reagiram, peticionaram e venceram. (...) ao longo do meio século seguinte, inovações tecnológicas na manufatura do algodão desempenhariam papel fundamental na Revolução Industrial, acarretando transformações fundamentais para a sociedade por meio da introdução do sistema fabril. Por fim, lembram que o comércio externo visava a monopolização privada inglesa ainda. O princípio básico era que o comércio inglês deveria ser transportado em navios ingleses.
202 - Está montado o cenário para a Revolução industrial. Em 1760, a combinação de todos esses fatores – novos e aprimorados direitos de propriedade, melhor infraestrutura, regime fiscal renovado, maior acesso ao crédito e agressiva proteção ao comércio e à manufatura – começava a revelar seus efeitos. Desse ano em diante, ocorre um salto no número de invenções patenteadas, e a profusão de avanços tecnológicos que constituiria o cerne da Revolução Industrial vai ficando evidente.
203 - Narram a triste saga de Papin, que chegou a inventar o primeiro barco a vapor do mundo, mas, como morava em terras germânicas, entrou em conflito com as guildas-monopólios locais e teve seu barco e invenção destruídos, morrendo na pobreza. Na Inglaterra dos Tudors ou Stuarts, Papin talvez recebesse tratamento hostil similar, mas tudo mudou depois de 1688.
204 - Os autores também citam a roda de fiar melhorada - inovações de Richard Arkwright e James Hargreaves - e as melhorias na produção de ferro como exemplos da revolução.. Os efeitos dessas novidades foram verdadeiramente revolucionários: no começo do século, eram necessárias 50 mil horas para fiar à mão 45 quilos de algodão. A máquina hidráulica de Arkwright era capaz de realizar o mesmo volume de trabalho em 300 horas, e a mula automática, em 135.
205 - Citam inúmeras inovações da época, todas vindas de "gente nova", por vezes sem sequer experiência na área. Novas demandas politicas iam surgindo, como a revolta contra a Lei dos Cereais, que faziam com que os salários não pudessem ser menores. Na década de 1820, a exclusão política dos novos manufaturadores e centros manufatureiros estava se tornando insustentável. Exemplo de comício dessa galera: Reuniram-se 60 mil manifestantes, muitos exibindo cartazes com os dizeres “Chega das Leis do Trigo”, “Sufrágio Universal” e “Voto na Urna” (referência ao voto secreto, não aberto, como ainda em voga então). Terminou com onze mortes.
206 - ...Após o levante, as instituições políticas inglesas cederam à pressão e à ameaça desestabilizadora de uma agitação social ainda maior – ainda mais depois da revolução de 1830, na França, contra Carlos X, que havia tentado restaurar o absolutismo posto abaixo pela Revolução Francesa de 1789. Em 1846 cairiam até as detestadas leis do trigo.
207 - Por que na Inglaterra? Atribuem ao ciclo virtuoso da Revolução Gloriosa. O sistema resistia às tentativas de fechamento. Até os inicialmente inovadores tentavam, uma vez estabelecidos, mudar a coisa, mas não dava certo. Exemplo: em 1775, Richard Arkwright entrou com amplo pedido de patente, que, esperava ele, no futuro lhe conferiria o monopólio sobre a indústria da fiação do algodão, que então se expandia rapidamente. Os tribunais indeferiram sua solicitação.
208 - Interessante: Embora a Magna Carta já procurasse lançar certas fundações institucionais básicas para um regime constitucional, muitas outras regiões europeias, inclusive no Leste Europeu, assistiram a querelas similares, envolvendo documentos parecidos. Ainda assim, após a peste negra, a Europa Ocidental afastou-se significativamente da Oriental. Documentos como a Magna Carta adquiriram peso maior no oeste. No leste, não significaram muito.
209 - As centenas de mercadores do comércio ultramarino foram peças importantes da revolução inglesa. Por ocasião da reunião do Parlamento Longo e da irrupção da Guerra Civil, em 1642, esses mercadores aliaram-se à causa parlamentar. Na década de 1670, estiveram intimamente ligados à formação do Partido Whig (liberal), que se oporia ao absolutismo dos Stuarts e, em 1688, seriam os pivôs da deposição de Jaime II. A coalizão era tão grande-diversa (indo desde os fidalgos, uma classe de proprietários rurais comerciantes que havia despontado no período Tudor, até vários tipos de manufaturadores...) que só instituições pluralistas e inclusivas poderiam dar conta da insatisfação. O Parlamento e as petições se tornaram quase inevitáveis.
210 - ..."Quase" porque há as "circunstâncias críticas" também. Não obstante, nada disso tornaria inevitável um regime verdadeiramente pluralista, e seu surgimento deveu-se, em parte, aos rumos contingentes da história. Uma coalizão não muito diferente emergiu vitoriosa da Guerra Civil inglesa contra os Stuarts, somente para desembocar na ditadura de Oliver Cromwell. A força dessa coalizão tampouco seria garantia de derrota do absolutismo. Jaime II poderia ter vencido Guilherme de Orange.
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