Livro: Karl Marx - O Capital, Livro III - Capítulo 36

   


Livro: Karl Marx - O Capital, Livro III - Capítulo 36



Pgs. 713-736:



CAPÍTULO 36: "Condições pré­-capitalistas"


443 - Em todas as formas em que a economia escravista (não a patriarcal, mas como a dos últimos tempos na Grécia e em Roma) existe como meio de enriquecimento, em que o dinheiro é, portanto, o meio para apropriar­-se do trabalho alheio mediante a compra de escravos, terra etc., o dinheiro torna­-se portador de juros, e isso justamente porque pode ser investido desse modo, valorizando­-se como capital.


444 - Hoje em dia lembro pouco das aulas de história Antiga, mas isso acho que lembro: Uma vez que a usura dos patrícios romanos arruinou por completo os plebeus romanos, os pequenos agricultores, essa forma de exploração chegou ao fim, e a economia escravista pura tomou o lugar da produção pequeno­-burguesa.


445 - Marx coloca claramente o capital usurário como um freio ao desenvolvimento: ...esse capital usurário empobrece o modo de produção, paralisa as forças produtivas em vez de desenvolvê­-las e, ao mesmo tempo, perpetua esse estado de coisas deplorável, em que a produtividade social do trabalho não se desenvolve, como na produção capitalista, à custa do próprio trabalho. Ao que entendi, só seria "capitalisticamente saudável", digamos assim, quando secundário/atrelado em relação ao capital produtivo.


446 - A usura, sob comando capitalista, ganha outro papel (para a "frente", digamos assim): "Onde os meios de produção estão dispersos, a usura centraliza fortunas em dinheiro."


447 - O pré-capitalismo via a usura constantemente pesar sobre a sociedade: "...O dono de escravos ou o senhor feudal endividados espoliam mais porque são mais espoliados. Ou, então, acabam cedendo lugar ao usurário, que se converte ele próprio, por sua vez, em proprietário fundiário ou dono de escravos, como os cavaleiros da Roma Antiga." Em geral, será uma merda: A usura pode perdurar por longo tempo dentro das formas asiáticas sem provocar mais que a decadência econômica e a degeneração política. É apenas onde e quando estão presentes as demais condições do modo de produção capitalista que a usura aparece como um dos meios constitutivos do novo modo de produção – por um lado, mediante a ruína dos senhores feudais e da pequena produção e, por outro, pela centralização das condições de trabalho, que são convertidas em capital.


448 - A Igreja proibia de antemão toda e qualquer transação com juros. As leis e os tribunais davam poucas garantias para os empréstimos. Isso fazia com que, na prática, a taxa de juros fosse elevadíssima.


449 - Interessante: Na época de Carlos Magno, usurário era alguém que emprestava dinheiro a 100%. Em 1348, em Lindau, no lago de Constança, cidadãos cobravam, por ano, juros de 216⅔%. Em Zurique, o Conselho Municipal fixou os juros legais em 43⅓%. Na Itália, às vezes era obrigatório pagar 40%, ainda que, do século XII ao XIV, a taxa habitual de juros não excedesse 20%. Em Verona, vigoravam juros legais de 12½%. O imperador Frederico II fixou a taxa de 10%, mas somente para os judeus. Para os cristãos, ele não quis determinar. No século XIII, 10% já era o normal nos territórios da Alemanha renana (Hüllmann, Geschichte des Städtewesens, t. II, p. 55­-7).


450 - Entesouramento e usura andavam de mãos dadas. Quanto menos a forma mercadoria é a forma geral do produto, mais difícil se torna obter dinheiro. O dinheiro - e não a produção generalizada de mercadorias - aparece como riqueza por excelência, digamos assim.


451 - As mesmas guerras por meio das quais os patrícios romanos arruinavam os plebeus, compelindo­-os a prestar serviço militar, que os impediam de reproduzir suas condições de trabalho e, assim, os empobreciam (e o empobrecimento, a mutilação ou a perda dos pré­-requisitos da reprodução é aqui a forma predominante), essas mesmas guerras enchiam os celeiros e os porões dos patrícios com o cobre saqueado, que era o dinheiro daquela época. Em vez de entregar diretamente aos plebeus as mercadorias de que eles necessitavam, trigo, cavalos, gado, os patrícios lhes emprestavam esse cobre, que para eles mesmos era inútil, e aproveitavam a situação para arrancar­-lhes enormes juros usurários, por meio dos quais faziam deles escravos por dívidas. Sob o reinado de Carlos Magno, também os camponeses francos foram arruinados por guerras, não lhes restando alternativa senão a de converter­-se de devedores em servos. Sabemos que, no Império Romano, a fome costumava obrigar os pobres livres a vender seus filhos ou a vender a si mesmos como escravos.


452 - ...Observando o problema mais detalhadamente, a conservação ou a perda das condições de produção depende de mil contingências, e cada uma dessas contingências ou perdas representa empobrecimento e abre uma brecha para que o parasita da usura possa instalar­-se. A simples morte de uma de suas vacas é suficiente para tornar o pequeno produtor incapaz de retomar sua reprodução na escala anterior. Com isso, ele cai nas garras da usura e, uma vez que ali se encontra, jamais volta a libertar­-se.


453 - O sistema de crédito completa seu desenvolvimento como reação contra a usura. Mas isso não deve ser mal entendido (...). O sistema de crédito não significa nada além da submissão do capital portador de juros às condições e às necessidades do modo de produção capitalista.


454 - Marx coloca que os apologistas do capital adoram enfatizar o correto fato de que o capital portador de juros tende a selecionar bem as pessoas mais enérgicas/capazes, mesmo essas não sendo, ainda, capitalistas. Esquecem-se, porém, de que isso é uma característica de todo modo dominante: Do mesmo modo, o fato de que na Idade Média a Igreja católica formasse sua hierarquia com os melhores cérebros do povo, sem levar em conta estamento, nascimento ou patrimônio, foi um dos principais meios de consolidação do domínio eclesiástico e da supressão do laicismo. O domínio de uma classe é tanto mais sólido e perigoso quanto maior é a capacidade de essa classe dominante assimilar os homens mais importantes das classes dominadas.


455 - Período do rei Charles II na Inglaterra: “O banco era necessário, entre outras coisas, para que o governo, sugado até a última gota pelos usurários, pudesse obter dinheiro a uma taxa suportável de juros, com a garantia de autorizações parlamentares”


456 - Ao longo de todo o século XVIII, ouve­-se o grito, apoiado no exemplo da Holanda, pelo rebaixamento forçado da taxa de juros (e a legislação é alterada nesse sentido), a fim de subordinar o capital portador de juros ao capital comercial e industrial, e não o inverso.


457 - A fundação de bancos prejudicava o poder dos "usurários": “Durante os dez primeiros anos, o banco enfrentou grandes dificuldades, uma grande hostilidade do exterior; suas cédulas só eram aceitas muito abaixo de seu valor nominal […]. Os ourives” (em cujas mãos o comércio de metais preciosos serviu de base a um negócio de tipo primitivo) “tramavam graves intrigas contra o banco, porque este havia reduzido seus negócios, minguado seu desconto e se apropriado de suas transações com o governo.” (J.[ohn] Francis, [History of the Bank of England,] cit., p. 73).


458 - Tem uma nota de rodapé interessante de Engels sobre a visão geral de Marx sobre Saint-Simon em razão de algumas breves críticas pesadas que este recebeu neste capítulo: Na revisão do manuscrito, Marx teria sem dúvida modificado profundamente essa passagem. Ela está inspirada no papel desempenhado pelos ex­-saint­-simonianos sob o segundo Império Francês. Nessa época, precisamente no momento em que Marx escrevia essa passagem, as fantasias de crédito da escola, que pretendiam redimir o mundo, realizavam­-se, por ironia da história, sob a forma de fraudes numa escala até então desconhecida. Mais tarde, Marx referiu­-se sempre com admiração ao gênio e ao talento enciclopédico de Saint­-Simon. Se este, em seus escritos anteriores, ignorava a oposição entre a burguesia e o proletariado, que começava a se formar na França, e ainda incluía entre os travailleurs a parte da burguesia ocupada ativamente na produção, isso correspondia à concepção de Fourier, que pretendia harmonizar o capital e o trabalho, e se explica pela situação econômica e política da França naquela época. Se, a respeito disso, Owen enxergava adiante, é porque ele vivia em outro ambiente, em meio à Revolução Industrial e ao antagonismo de classes que já começava a se acirrar. (F. E.)


459 - Trabalho especializado avançando na questão do crédito: A esses banqueiros, portanto, é “possível adiantar ferramentas ao industrial a um preço muito inferior, ou seja, a juros mais baixos do que poderiam fazê­-lo os proprietários fundiários e os capitalistas, os quais facilmente se equivocariam na seleção dos mutuários”


460 - Marx fala poucas vezes da tal "transição socialista", então sempre anoto: Finalmente, não resta a menor dúvida de que o sistema de crédito servirá como uma poderosa alavanca durante a transição do modo de produção capitalista para o modo de produção do trabalho associado; mas somente como um elemento em conexão com outras grandes revoluções orgânicas do próprio modo de produção.


461 - Capitalismo e capital portador de juros aparecem, em Marx (e creio que na realidade), como indissociáveis: Somente aquele escritor sensacionalista, Proudhon, que queria manter a produção de mercadorias e abolir o dinheiro[25], foi capaz de imaginar o monstruoso crédit gratuit [crédito gratuito], essa pretensa realização do desejo piedoso do ponto de vista da pequena burguesia.


462 - Praticamente chegamos lá, Pecqueur: Pecqueur pede que os bancos (o que os saint­-simonianos chamam de systême général des banques [sistema geral de bancos]) “governem a produção”. Pecqueur é essencialmente um discípulo de Saint­-Simon, embora muito mais radical. Ele quer que “a instituição de crédito [...] controle o movimento inteiro da produção nacional”.


463 - Propriedade fundiária: ...a terra, assim como o capital, só é emprestada a capitalistas. É claro que, em vez de dinheiro, também se podem emprestar meios de produção in natura, como máquinas e edifícios empresariais etc. Mas eles representam, então, uma soma de dinheiro determinada, e o fato de que além dos juros seja paga uma parcela para a depreciação decorre de seu valor de uso, isto é, da forma natural específica desses elementos do capital.


464 - ...Ainda mais impróprio e absurdo é levar a essa questão o empréstimo de casas etc. para o consumo individual. Que a classe trabalhadora também é fraudada dessa forma, e de maneira escandalosa, é evidente; mas isso também ocorre pelas mãos do varejista, que vende os meios de subsistência ao trabalhador. Essa é uma exploração secundária, paralela à exploração original, que tem lugar no próprio processo de produção. A distinção entre vender e emprestar é aqui completamente irrelevante e formal; como já mostramos, é uma diferenciação que só aparece como essencial para quem desconhece por completo a conexão real.


465 - A usura, com toda a sua miséria, teve seu "papel histórico" (sem valorar aqui): A usura é uma poderosa alavanca para a formação dos pressupostos do capital industrial, na medida em que desempenha dupla função: primeiro, de constituir em geral, ao lado da riqueza comercial, uma riqueza monetária autônoma; segundo, a de se apropriar das condições de trabalho, isto é, de arruinar os possuidores das antigas condições de trabalho.


466 - "Em nossos dias, é a taxa de lucro que regula a taxa de juros, ao passo que, naquela época, era a taxa de juros que regulava a taxa de lucro. Quando o prestamista de dinheiro cobrava do comerciante uma alta taxa de juros, este tinha de adicionar ao preço de suas mercadorias uma taxa de lucro mais alta. Por isso, uma grande soma de dinheiro era tirada dos bolsos dos compradores e transferida para os dos prestamistas.” ([James William] Gilbart, History and Princ.[iples] of Banking, [Londres, G. Bell and Sons, 1882,] p. 164­-5)


467 - Tem mais trecho de Lutero indignado com a usura: Com isso, não põe absolutamente em risco nem seu corpo nem seus bens; não trabalha, fica sentado junto ao forno, assando maçãs; assim, um ladrão pode ficar sentado em casa e devorar um mundo inteiro em dez anos.” ([M.[artinho] Lutero,] “An die Pfarrherrn wider den Wucher zu predigen”, de 1524, em Luther’s Werke, Wittenberg, 1589, parte VI [p. 312])


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