Livro: Blanchard, Olivier - Macroeconomia (2011) - Parte XXX
Livro: Blanchard, Olivier - Macroeconomia (2011) - Parte XXX
Pgs. 535-555:
532 - O (último) capítulo 28 se chama "A crise global". O livro foi escrito em 2007, mas Blanchard adicionou tal capítulo em 2010. Afirma que já havia sinais de desaceleração em 2007.
533 - ...Essa diferença (primeiro gráfico), entretanto, ressalta que os países em desenvolvimento apresentam um crescimento médio maior do que os países desenvolvidos, mas a queda no crescimento foi praticamente igual para os dois. A crise foi realmente global.
534 - Quanto ao preço das moradias, que foi o estopim, alguns argumentavam que as taxas de juros excepcionalmente baixas e maior disposição para empréstimos subprimes justificavam a escalada. Em 2006, 20% de todas as hipotecas norte-americanas eram desse tipo. (...) A julgar pelo passado, a premissa de que o preço da moradia não cairia parecia razoável, visto que já haviam resistido, por exemplo, à recessão de 2000-2001. Shiller estava preocupado, porém.
535 - Com o início da queda dos preços em 2006 surgiram as preocupações para todos, já que os imóveis, com valor "sempre ascendente", eram a garantia. Os empréstimos NINJA (No income, no job, no assets) cobraram seu preço. "...ficou claro que, em muitos casos, os empréstimos eram muito mais arriscados do que imaginava o credor ou compreendia o mutuário. Em muitos casos, o tomador realizou empréstimo com taxas de juros iniciais baixas e, por conseguinte, com pagamentos baixos de juros, provavelmente sem perceber completamente que os pagamentos aumentariam de forma acentuada mais tarde. Mesmo que o preço das moradias não tivesse caído, muitos desses mutuários não conseguiriam efetuar os pagamentos da hipoteca". Havia um sistema de oferecer "taxas atraentes", inicialmente bem baixas.
536 - Coloca que os anos de amplificação dos efeitos dos prejuízos de "meros" trezentos bilhões nos empréstimos vão significar perdas cem vezes maiores na economia mundial.
537 - Lembra que os bancos podem ter diferentes níveis de alavancagem, num esquema bem simplificado:
538 - ...Suponha que, em função disso, o resultado para ambos os bancos é que o valor dos ativos cai de 100 para 90. Assim, o Banco A passa a ter 90 de ativos, 80 de passivos e (90 - 80) = 10 de capital. O Banco B, por sua vez, tem 90 de ativos, 95 de passivos e 5 de capital negativo (90 - 95). Seus passivos, portanto, excedem os ativos. Em outras palavras, o banco está falido. Uma alavancagem de 20 vezes já foi o suficiente para falir em tal caso. Amplificam os lucros, mas podem levar um banco a sucumbir com prejuízos menores que antes. O que aconteceu na década de 2000 é que os bancos decidiram obter um retorno maior e, por conseguinte, correram mais riscos também. (...) o sistema de compensação e pagamentos de bônus também ofereceu incentivos aos gerentes que optassem por retornos esperados altos sem considerar riscos por completo. (...) embora a regulação financeira exigisse que os bancos mantivessem sua razão de capital acima de um valor mínimo, os bancos encontraram maneiras de driblar as exigências por meio da criação de novas estruturas financeiras, como os veículos de investimento estruturado (do inglês structured investment vehicle — SIV).
539 - História dos SIV, criados pelos bancos para fugir da regulação de seus balanços: Quando o preço das moradias começou a cair e as hipotecas começaram a dar prejuízos, os títulos de posse dos SIVs começaram a perder valor. Temendo que pudessem falir, os investidores passaram a relutar diante da possibilidade de emprestarem para os veículos. Os bancos criadores dos SIVs tiveram de honrar seus compromissos pagando os investidores, mas dispunham de pouco capital para fazê-lo. Ficou claro que, na verdade, os bancos tinham criado um sistema bancário na sombra e que a alavancagem do sistema bancário como um todo (que incluía também a parte bancária na sombra) estava muito mais alto do que o que se percebia. Pequenas perdas poderiam levar à falência. Não havia mais nenhum SIV em outubro de 2008 — eles fecharam ou tiveram todos seus ativos e passivos transferidos para os bancos que os criaram.
540 - Os "credit default swaps" da AIG: ...se um banco estivesse preocupado com a inadimplência em um título de seu portfólio, ele poderia comprar um CDS da AIG, que prometia pagar ao banco em caso de não pagamento do título. Para tal, a AIG cobrava do banco um preço que se supunha refletir a probabilidade de tal inadimplência. (...) A AIG, que era uma empresa de seguros, e não um banco, não precisava reservar capital para as promessas que fazia. Quem salvou foi o governo, pra variar. No final de 2009, o governo já havia repassado mais de US$ 150 bilhões à seguradora, que pagou os bancos conforme havia prometido. A AIG dificilmente conseguirá pagar toda sua dívida ao governo. Está "viva" até hoje, por sinal.
541 - A "securitização" vem de uma necessidade potencialmente honesta: diversificar o risco. A securitização é uma boa ideia, pois diversifica o risco e atrai um grupo maior de investidores envolvidos com os empréstimos para famílias e empresas. Se um banco local tem hipotecas apenas da sua cidade ou estado, fica muito sujeita à flutuação econômica local. Exemplo: Quando, por exemplo, o preço do petróleo caiu acentuadamente em meados de 1980 e o Texas entrou em recessão, muitos bancos locais foram à falência. Criaram-se títulos baseados em cesta de empréstimos - cesta de hipotecas, no caso. As obrigações garantidas por hipotecas (do inglês mortgage based security — MBS) são títulos para os retornos de uma cesta com uma quantidade de hipotecas que gira em torno de dezenas de milhares. É tipo a vantagem de FII sobre comprar imóvel. Criaram-se, ainda, ao que entendi, classes de títulos desse tipo. Algumas mais prioritárias que outras para receber pagamentos. Tais títulos, conhecidos como obrigações de dívida colateralizadas (do inglês collateralized debt obligations — CDOs), surgiram no final da década de 1980, mas somente ganharam importância nas décadas de 1990 e 2000. A securitização foi ainda mais além com a criação de CDOs de CDOs, ou CDO2, que eram títulos CDO baseados na cesta de CDOs subjacente.
542 - ...O problema da securitização? "...carrega um risco potencial que somente se revelou durante a crise. Foi um risco do qual as agências de avaliação — empresas que avaliam os riscos de diferentes títulos — não se deram conta: quando as hipotecas subjacentes começaram a ir mal, foi extremamente difícil realizar a avaliação das cestas subjacentes nos MBSs e, ainda mais, dos MBSs subjacentes nos CDOs. Esses ativos tornaram-se conhecidos como ativos tóxicos e faziam com que os investidores esperassem pelo pior e os tornava muito relutantes tanto para mantê-los quanto para continuar emprestando às instituições que os criaram".
543 - Mecanismos de amplificação: a alta alavancagem passou a implicar uma intensa perda de capital pelos bancos, fazendo com que essas instituições fossem forçadas a vender parte de seus ativos. Como eram ativos difíceis de serem vendidos, entretanto, os bancos tiveram de vendê-los a preços muito baixos — normalmente conhecidos como preços de queima de estoque. Tal procedimento fez cair o preço de ativos semelhantes que ainda figuravam em seus balanços contábeis, ou nos balanços de outros bancos, e à diminuição adicional de capital que forçou a venda de mais ativos e, por conseguinte, causou mais queda nos preços. (...) A complexidade dos títulos (MBSs e CDOs) e do verdadeiro balanço contábil bancário (bancos e SIVs) dificultou a avaliação da solvência dos bancos e seus riscos de falência. Em consequência disso, os investidores relutaram em continuar a realizar empréstimos para os bancos e o financiamento no atacado foi interrompido; o que forçou novas vendas de ativos e quedas de preço. Até os bancos começaram a resistir na concessão de empréstimos para outros bancos.
544 - ... A Figura 28.5 traz a diferença entre a taxa sem risco (medida pela taxa de três meses de títulos governamentais) e a taxa na qual os bancos estão dispostos a concederem empréstimos para outros bancos (conhecida como taxa Libor), tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Essa diferença é conhecida como Ted spread. Quando as coisas estão calmas, a taxa spread tende a zero. O pico ali foi a falência do Leman em 15 de setembro de 2008.
545 - A crise criou, de imediato, dificuldades de crédito. Até empresas tomadoras AAA sofreram:
546 - A confiança veio despencando desde meados de 2007, o que contribuiu para a parada e/ou retração no consumo e nos investimentos:
547 - Propõe uma adaptação do IS-LM no seguinte sentido: ...Relação IS: Y = C(Y - T; confiança) + I(Y; confiança; i + prêmio) + G... Relação LM: M/P = YL(i). O que é o prêmio? Spread pela qual as empresas se financiam em relação à taxa básica de juros. Pode ser difícil conseguir um empréstimo. Exemplo foi visto acima. "Na Figura 28.6 vimos que, no ponto alto da crise, o prêmio pago pelas empresas BBB (que é a diferença entre as taxas de juros sobre as obrigações corporativas da empresa e a taxa sobre as obrigações governamentais) foi praticamente 6,5% (10% - 3,5%). E, para as empresas que não podiam emitir obrigações e dependiam de financiamentos bancários, o prêmio foi ainda maior."
548 - Um aspecto interessante da crise - e é o outro lado do início do capítulo mostrando emergentes com quedas menores que os desenvolvidos:
549 - A crise se transmitiu para o mundo por alguns canais óbvios. Não importou tanto assim que apenas alguns bancos dos países centrais mantivessem ativos tóxicos. Com a queda no produto e na renda norte-americanos, as exportações para os Estados Unidos caíram acentuadamente. Consumo dos americanos e investimentos de empresas secaram. Isso ajuda a entender o gráfico logo acima. Não foi com "comida" o corte de despesas. Segundo canal foi o próprio financiamento mundo afora. Tanto os bancos quanto os investidores começaram a relutar diante da possibilidade de realização de empréstimos ou investimentos fora do país. Isso afetou até os emergentes. Os bancos e investidores não só deixaram de realizar mais empréstimos e investimentos como também solicitaram alguns de seus fundos de volta. O resultado foi um intenso aumento nas taxas de juros pagas pelos devedores nos países emergentes. Por fim, o medo geral de uma nova "crise de 29" afetou a confiança em todos os países.
550 - Por que foi "marolinha" em alguns e "mais forte" em outros? Um dos fatores de diferenciação foi este aqui: os países mais abertos ao comércio internacional e com dívidas líquidas ou déficits em conta corrente muito altos sofreram mais. Os bálticos, por exemplo. Já os países relativamente menos integrados tanto ao mercado de bens quanto ao mercado financeiro, como a Índia e a China, sofreram menos.
551 - Os juros do FED eram praticamente "zero" já em novembro de 2008, chegando-se praticamente a uma armadilha de liquidez:
552 - Conforme comentamos, enquanto a taxa de juros interbancários estava próxima de zero, as taxas nas quais as empresas obtinham empréstimos permaneciam muito altas. Com respeito à relação IS apresentada anteriormente, ainda existia um prêmio muito alto cobrado dos devedores. Na verdade, muitas empresas e famílias não poderiam obter empréstimos a nenhuma taxa de juros, pois o prêmio era, para eles, infinito.
553 - FED de Bernanke fez de tudo para impedir falências e corrida aos bancos. Ele "organizou uma variedade de linhas de liquidez que facilitassem a obtenção de empréstimos do Fed". Tudo para que os bancos não precisavam vender, em efeito dominó, ativos a fim de equilibrar minimamente os balanços. O Fed reduziu o custo do empréstimo e fez com que eles se tornassem mais atraentes para os bancos.
554 - ... Além disso, até então, somente os bancos estavam autorizados a fazer empréstimos do Fed. Ele, então, aumentou o conjunto de instituições às quais atenderia. Finalmente, ele também aumentou o grupo de ativos que as instituições financeiras poderiam usar como colateral no momento da solicitação de empréstimo do Fed (o termo “colateral” refere-se ao ativo que o devedor empenha quando toma empréstimos de um credor. Em caso de inadimplência, o ativo passa então ao credor).
555 - Explica bem a TARP: O Tesouro introduziu um programa chamado Programa de Alívio de Ativos Problemáticos (do inglês Troubled Asset Relief Program — TARP), cujo objetivo era limpar os bancos. A meta inicial do programa de US$ 700 bilhões, apresentado em outubro de 2008, era remover os ativos complexos do balanço contábil dos bancos e, assim, diminuir a incerteza, acalmar os investidores e facilitar a avaliação da saúde de cada banco. O Tesouro, entretanto, deparou-se com os mesmo problemas dos investidores privados. Se os ativos complexos seriam trocados por letras do Tesouro, por exemplo, qual seria o preço praticado? Em poucas semanas ficou claro que a tarefa de avaliação do valor de cada um desses ativos era extremamente difícil e tomaria muito tempo. O objetivo inicial foi, então, abandonado. A nova meta passou a ser o aumento do capital dos bancos, realizado por meio da aquisição de ações pelo governo e pela oferta de fundos para a maioria dos grandes bancos norte-americanos. Por meio do aumento da razão de capital, e da consequente queda da alavancagem, a ideia do programa era permitir que os bancos evitassem a falência e, ao longo do tempo, voltassem ao normal. No final de setembro de 2009, o gasto total sob a responsabilidade do TARP era de US$ 360 bilhões, dos quais US$ 200 bilhões foram gastos na compra de ações dos bancos. Na época em que escrevi este capítulo, a maior parte dos bancos estava comprando suas ações de volta e deixando o programa.
556 - ...Preocupado com a lentidão na recuperação de alguns mercados, o Fed interveio diretamente por meio da aquisição de títulos privados nesses mercados. Em especial, dada a importância do setor imobiliário na crise, o Fed adquiriu MBSs. Hoje em dia, nem todos os investidores privados voltaram ao mercado e o Fed continua a ser o principal comprador desses títulos.
557 - ...Tudo isso não chegou a restabelecer o produto natural, mas acredita-se que teve efeito notável. Era o FED mexendo com "IS" ao trazer um tanto de confiabilidade naquele momento.
558 - Cita indícios de recuperação. Mercado acionário voltando a engatar altas e o ted spread ficando pelo "zero", por exemplo. Mais: A diferença entre a taxa de juros nas obrigações das empresas AAA e nas obrigações governamentais, representada na Figura 28.6, está quase de volta ao nível anterior à crise. Os influxos totais de capital nos países emergentes, mostrados na Figura 28.10, tornaram-se novamente positivos.
559 - Programa fiscal da "era Obama": Tal programa fiscal, conhecido como o Ato Americano de Recuperação e Reinvestimento (do inglês American Recovery and Reinvestment Act — ARRA), foi apresentado em fevereiro de 2009. Ele exigia US$ 780 bilhões em novas medidas na forma de reduções de impostos ou aumento nos gastos ao longo de 2009 e 2010.
560 - Coloca que foi travado o habitual embate entre "gastar mais", que têm óbvio maior efeito multiplicador, ou "reduzir impostos". Os argumentos a favor da redução dos impostos e do aumento dos subsídios eram que, se bem projetados, eles poderiam ajudar diretamente aqueles que estivessem sofrendo os efeitos da recessão, tal como os desempregados. O argumento tradicional contra o aumento nos gastos é que a implementação de programas de gastos é demorada e tendem a causar maior efeito quando a recessão já se foi. Dessa vez, contudo, tal argumento pareceu menos relevante, já que todas as previsões apontavam para uma recessão muito mais longa do que o normal.
561 - ...No final, o programa implementou uma redução de US$ 288 bilhões nos impostos, que iam desde a redução de encargos sociais de US$ 400 por trabalhador até créditos imobiliários para a compra do primeiro imóvel. Houve ainda um gasto social de US$ 82 bilhões que incluía o alargamento dos benefícios ao desemprego; gastos de US$ 240 bilhões em saúde e educação, e um investimento de US$ 170 bilhões em infraestrutura, novas fontes de energia, habitação e outros.
562 - O déficit fiscal em 2009 e 2010 foi algo bem presente no mundo. No caso dos EUA, foi "o resultado, em partes praticamente iguais, de um aumento de 2% vindo de estabilizadores automáticos, ou seja, uma diminuição automática das receitas e um aumento nos gastos que vêm da menor atividade econômica, 2% do programa de estímulo fiscal e 2% de outros programas, em especial o de gastos com defesa".
563 - No mais, Blanchard preocupava-se bastante com os níveis de endividamento:
564 - Resumindo: atribuiu o estopim da crise à alavancagem, complexidade dos ativos e fator liquidez: os bancos começaram a se financiar não através de depósitos, mas por meio de empréstimos de curto prazo tomados em mercados financeiros. ... Dada a complexidade dos ativos no balanço contábil , e a dificuldade de avaliar se o banco era ou não solvente, os bancos acharam difícil, senão impossível, obter empréstimos no curto prazo. Para aumentar o capital e pagar os credores, os bancos tiveram de vender ativos que, dada a complexidade, tiveram de ser vendidos a preços muito baixos. Isso levou os bancos a perdas adicionais, e assim sucessivamente, que conduziu a uma crise financeira completa.
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